Uma população que sofre calada e que vira manchete quando o assunto é suicídio. Essa é a realidade dos policiais do Rio de Janeiro. Um tema que é tabu na sociedade e na corporação e que levantou novamente discussão na última semana quando um policial civil manteve em cárcere seus filhos e ex-mulher após invadir o apartamento e logo em seguida se matou.
Casos como este chocam a sociedade mas são mais comuns do que se imagina. A socióloga, doutora em Ciência Política pela USP e Coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção (GEPeSP), Dayse Miranda, afirmou, em entrevista exclusiva para o Portal Eu,Rio que, em suas pesquisas, verificou que o Ministério da Saúde divulgou que entre 2011 e 2016 foram 63 mil mortes por suicídio no Brasil, sendo 80% homens. E que, ao focar no universo policial, organização visivelmente masculina, com uma população de fácil acesso à arma de fogo, o risco de tentativas de suicídios aumentam em 100 vezes.
Em coautoria com cinco psicólogos da Polícia Militar e de pesquisadores da Uerj de diferentes áreas, o GEPeSP, numa parceria entre o Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV-UERJ) e a Polícia Militar do Estado Rio de Janeiro, lançou, em 2016, "Por que os policiais se matam", o mais completo diagnóstico sobre o problema do suicídio na Polícia Militar do Rio de Janeiro.
O estudo investiga os fatores que levam ao suicídio de policiais e inova ao propor um plano de prevenção do comportamento suicida - com ações que incluem desde palestras até um treinamento para os profissionais de saúde da PM fluminense.
O grupo começou em 2013 com o objetivo de formular e propor recomendações preventivas de suicídio entre, especificamente, a população de policiais militares e seus familiares.
O estudo traz números e relatos dramáticos, e revela os fatores que vulnerabilizam os policiais. De acordo com a Dra Dayse, a ideia do psicólogo na corporação é justamente fazer com que longas escalas, falta de reconhecimento dos superiores e da sociedade sejam melhores lidados por esse policial.
"Não cabe ao psicólogo resolver o problema, por exemplo, de escala. Cabe a ele, buscar mecanismo de lidar com o não reconhecimento. Quando o psicólogo entra, o profissional já está doente. O que buscamos é a prevenção. Fiz um outro estudo sobre vítimas ocultas da violência relacionando a problemas com o sono. Várias pesquisas q dizem que a falta do sono compromete a saúde. Sensação de tremor, suor, ansiedade, dificuldade de concentração, agressividade. No profissional de segurança, que lida com arma de fogo, isso se torna mais grave. Pensar numa politica de prevenção de suicídio. Porque não pensar numa política de segurança para o bem-estar do profissional? Isso tudo faz parte da mesma equação. Pensar na segurança do policial e da própria população", afirma Dayse.
Casos que chegam à imprensa como o do policial civil que se matou ainda são poucos perto da realidade. Segundo Dayse isso ocorre porque o suicídio é um tipo de morte violenta com pouca visibilidade e implica discutir as consequências institucionais do fato.
"Uma vez fardado ele compromete a vida dele, dos familiares e de muitas pessoas", afirma.
Há ainda uma complexidade enorme em se falar de suicídio entre policiais, pois a própria sociedade não está preparada para debater temas como saúde mental, depressão e ansiedade e isso se potencializa quando falamos de policiais.
"Se sentem intimidados porque não só implica em falar. A sociedade não está acostumada e repulsa que saúde mental, depressão e ansiedade são doenças. O preconceito é maior. São questões socioculturais que envolvem o tabu em volta do suicídio.O policial foi formado pra não falar sobre isso."
Mas a socióloga consegue enxergar uma luz no fim do túnel, pois, apesar da dificuldade de se tratar o assunto dentro da própria corporação, verifica-se que a psicologia cresceu e amadureceu, com um grande aumento na procura.
"Tem psicólogos que são policiais mas são comprometidos com a saúde do policial. A gente vê o preparo desse serviço para lidar com o sofrimento. O que não tem ainda é um serviço voltado pra prevenção. Ainda é um tabu. Apesar de a mídia tentar colocar na agenda esse tema, eles ainda resistem a tratar o suicídio como um problema de saúde pública", opina Dayse.
Quando o policial não procura ajuda, a família deve fazê-lo logo que perceber alguma alteração comportamental, porque, de acordo com a pesquisadora, a família também vai sofrer as consequências da alteração da rotina. Mas, hoje, na Polícia Militar são 98 psicólogos dispostos a atender policiais e familiares, entretanto, a demanda por ajuda tem aumentado muito, o que faz com que os psicólogos acabem não dando conta de tantos pacientes.
Ainda assim, Dayse afirma que a família precisa buscar ajuda e fazer o policial buscar tratamento.
"A família que perceber deve buscar conhecer o que é adoecimento mental, buscar cuidar da saúde, tem que lidar no dia a dia o problema. Ajudar o policial a buscar ajuda, pois ele resiste muito, por achar que não adoece, que precisar dar conta da missão, não admite a possibilidade de adoecimento. E isso cai por terra quando ele se vê doente e muitas vezes já é tarde", finaliza Dayse.
Polícia Civil também possui centro de ajuda
Em maio de 2018 foi inaugurado o Núcleo de Saúde Mental na Polícia Civil do Rio de Janeiro, justamente para atender uma demanda que só crescia. Mais da metade dos policiais que se licenciavam por problemas de saúde eram por problemas psicológicos e/ou psiquiátricos.
A coordenadora de Psicologia do Nucleo, Daniele Amar, na época do lançamento se mostrou animada e feliz com a conquista.
"O dia a dia do policial civil é muito tenso, estressante. Ele, claro, sofre com isso e quando sofremos, quando estamos doentes, precisamos de cuidados. Costumo resumir a importância do Núcleo falando assim: a finalidade do Núcleo é "cuidar da gente que cuida da gente", ou seja, cuidar dos policiais, esses homens humanos, corajosos e guerreiros que cuidam de toda a sociedade", afirmou.
Em tempos de Janeiro Branco, buscar ajuda é fundamental para o bem-estar da população.