Levantamento exclusivo realizado pelo Estradas.com.br identificou numerosas irregularidades nos ônibus que levaram as pessoas que participaram do ataque aos prédios dos três poderes em Brasília (DF). Mais de 20% dos veículos sequer poderiam pegar a estrada.
A forma mais simples de qualquer cidadão identificar se um ônibus está irregular é digitar a placa no sistema do Inmetro e checar a situação do cronotacógrafo, a caixa preta do transporte rodoviário.
O equipamento registra a velocidade praticada, distância percorrida, tempo de direção do condutor; informações essenciais na fiscalização do transporte para evitar abusos de velocidade e de jornada dos trabalhadores, assim como na perícia dos acidentes (sinistros).
No final do mês de dezembro, o Estradas.com.br lançou uma campanha educativa explicando como o cidadão brasileiro pode contribuir para a segurança viária realizando essa checagem e como tirar dúvidas ao fazê-lo.
Cronotacógrafo permite saber se o coletivo está regularizado
O cronotacógrafo no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é identificado como “registrador instantâneo inalterável de velocidade e tempo”. O equipamento é obrigatório para veículos de passageiros com mais de 10 lugares, assim como para caminhões, conforme previsto no Inciso II do Art. 105 do CTB.
O popular tacógrafo precisa estar com a ‘aferição’ em dia, que é a verificação técnica de sua funcionalidade e precisão de seus registros. Quando obtida a certificação final do Inmetro, o equipamento passa a ter validade de dois anos. Caso não esteja com ela em dia, o Art. 230 do CTB considera infração grave, com multa e retenção do veículo para regularização.
A checagem dessa informação é tão simples que qualquer pessoa pode verificar no link do Inmetro, inserir a placa do veículo, e imediatamente confirmar se está com essa obrigação em dia. Quando aparece ‘Vencido’ é porque está irregular. Quando nada aparece é porque nunca esteve regularizado. E quando está regular aparece a data de validade da verificação.
Ao digitar 30 placas de ônibus apreendidos pela Polícia Federal, imediatamente o Estradas.com.br verificou que 7 dos 30 sequer poderiam circular com passageiros porque estavam com a verificação obrigatória do cronotacógrafo vencida. Sendo que dois deles, pelos dados do Inmetro, jamais estiveram regulares.
Essa amostra de 30 veículos, permite estimar que mais de 20% dos ônibus que chegaram a Brasília (DF), considerando os 100 veículos divulgados, deveriam ser retidos nas rodovias pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com uma checagem rápida da placa, antes de chegar à capital federal.
Inclusive, os passageiros que pretendiam invadir os prédios públicos não deveriam sequer ter embarcado pelo risco de ficarem no meio do caminho, antes mesmo de chegarem ao destino final.
Ainda não foi possível saber se os veículos tinham autorização para realizar a viagem, concedida pela ANTT, mas isso deve ser investigado pelas autoridades.
Ministro Dino foi induzido a erro em coletiva de imprensa
Na primeira coletiva de imprensa, após os atos terroristas, o atual ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que os ônibus foram parados e que estavam regulares; e que por conta disso nada poderia ser feito. Ao menos essa informação foi repassada ao ministro.
O levantamento do Estradas.com.br mostra que a probabilidade de flagrar um veículo irregular era de no mínimo dois casos em cada dez, apenas checando o tacógrafo no site do Inmetro. Portanto, se todos foram parados nas rodovias federais poderiam ser impedidos de seguir viagem. Cabe apurar porque puderam continuar.
Nesse sentido, já foi sugerido pelo Estradas.com.br, no passado, que a ANTT não permitisse que ônibus com a verificação do tacógrafo vencida ou inexistente obtivesse autorização para realizar uma viagem. A medida nunca foi adotada, e por isso as empresas conseguem autorização para viajar mesmo estando irregulares com o equipamento obrigatório.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) também deveria verificar a situação desse equipamento obrigatório e normalmente o faz. As informações do equipamento eram utilizadas com frequência pela corporação principalmente para checar abusos de jornada, já que o equipamento registra o tempo de direção do motorista.
Entretanto, em setembro do ano passado, a nova legislação sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro, praticamente inviabilizou a fiscalização da PRF ao impedir o controle do tempo de direção sob a suposta alegação de falta de local para realizar as paradas de descanso. (Veja mais detalhes na matéria: Aprovada lei que transforma policial rodoviário em flanelinha de estacionamento de caminhoneiro)
“A campanha que lançamos com esclarecimentos sobre o cronotacógrafo tinha como objetivo a segurança viária. Os fatos comprovaram que também pode servir para evitar que veículos com ocupantes mal intencionados possam chegar ao seu alvo. Esperamos que o novo governo tenha compromisso também com a segurança viária“, esclareceu Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas.
Multas por excesso de velocidade, evasão de pedágio e falta de exame toxicológico
O Estradas.com.br utilizou as mesmas 30 placas dos ônibus apreendidos para, num levantamento superficial, verificar outras possíveis irregularidades. A mais comum é a de multas por excesso de velocidade, em alguns casos entre 20% e 50% acima do limite da via.
Há casos curiosos, como o ônibus 2007 da Mercedes Benz, com carroceria Marcopolo, de placa HXU1654 da Heuv Tur Viagens e Turismo Ltda. ME, que aparece no sistema do Dnit com mais de 100 multas acumuladas desde 2010, praticamente todas por excesso de peso e com recursos administrativos que, em alguns casos, já têm nove anos e impedem a cobrança das mesmas.
Ao mesmo tempo, um dos ônibus, placa NTQ8D39, aparece no Inmetro como pertencente a Novo Mundo Caminhões e Equipamentos Rodoviários Ltda., concessionária de caminhões e ônibus da Volkswagen, com matriz em Jaboatão (PE) e filiais em Arapiraca e Maceió, ambas em Alagoas. Trata-se de modelo Scania 2010, com carroceria Marcopolo/Paradiso. Ocorre que a verificação do cronotacógrafo está vencida há mais de dois anos.
Outro caso grave foi identificado envolvendo o ônibus de placa OLN2A37 da Transmega Transportes e Turismo Eireli, que foi flagrado em 28 de outubro de 2022 pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), no km 57 do trecho paranaense da rodovia Régis Bittencourt (BR-116), com um condutor que não tinha realizado o exame toxicológico obrigatório, e por isso foi autuado em R$ 1.467,35 e 7 pontos na CNH, além de previsão da suspensão da habilitação por 90 dias.
CONSULTA MULTA > Dados da Infração (Fonte: PRF)
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Nº do AI | T608722197 |
Valor do Boleto | 1467,35 |
Placa/UF | OLN2A37-SP |
Renavam: | 00586350977 |
Local da infração | BR – 116 KM – 57 UF – PR |
Código da Infração | 76410 |
Descrição da Infração | Conduzir veículo exigida habilitação C, D ou E sem realizar exame toxicológico previsto no § 2º do art 148-A |
Data da Infração | 28/10/2022 |
Hora da Infração | 18:04 |
Amparo Legal | 165 B |
NIT/NAP | 75050114 |
Pontos | 7 |
Como uma empresa permite que motorista sem exame de drogas obrigatório dirija um ônibus? Também cabe questionar por que a ANTT ainda não exige que os motoristas de ônibus cadastrados pelas empresas regulares ou de turismo e fretamento somente possam levar passageiros com os exames toxicológicos em dia?
O proprietário da Nogueira Turismo Eirelli, cujo ônibus de placa NWN9996, foi apreendido por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), seria expulso pelo partido Republicanos, por meio do qual saiu candidato derrotado nas últimas eleições. O veículo de sua propriedade, apresenta 8 multas, apenas no sistema do DER-SP, sendo uma por omitir quem foi o infrator em caso de excesso de velocidade e outra por evasão de pedágio.
Já o ônibus da Attuale Turismo, de João Pessoa (PB), viajou para Brasília(DF) por mais de 2.200 km com o tacógrafo irregular e várias multas na PRF aplicadas este ano por excesso de velocidade. Neste caso, são cerca de 40 horas de viagem. Como é feito o descanso do motorista? Quem verificou a jornada do profissional atrás do volante?
Na maioria dos casos, os ônibus viajaram por mais de 20 horas para chegar em Brasília. Ainda que estivessem com dois motoristas, não é possível considerar descanso de jornada, quando se dorme num veículo em movimento.
Portanto, a falta de fiscalização de jornada dos motoristas profissionais também contribui para situações de risco, sinistros e, inclusive, para que manifestantes criminosos possam colocar em risco suas vidas, do motorista e demais usuários das rodovias.
Rizzotto ainda enfatizou a importância de fortalecer políticas públicas de controle de jornada e excesso de velocidade, usando o tacógrafo, e de combate ao uso de drogas por motoristas com o exame toxicológico. Assim como punir usando as imagens de crimes de trânsito veiculadas nas mídias sociais pelos próprios autores.
“Já que vamos usar as imagens divulgadas pelos próprios autores no episódio lamentável e criminoso de Brasília, nada mais lógico que usar o mesmo princípio para punir quem coloca vidas em risco com infrações e crimes de trânsito, filma, posta na internet e ainda é remunerado com a publicidade, como o Google/YouTube fazem“, acrescenta Rizzotto.
Estas foram as placas testadas pelo portal:
QAD9E97; HUX2A01; JAE5C39; BCI4100; BBS8249; LSN3551; NRB9690; AMG1292; HXU1654; FGX6294; AJO9G41; AZZ1590; BBT6825; BBN6956; BBN4963; BDI1A49
QAO9497; OVQ3930; NTQ8D39; DAJ3295; NFY5G79; CUA9F87; OLN2A37; EOF7H98
LRR4456; CUY2D67; NWN9996; MJB1936; DPF1983; MQC0637.