A mudança na Lei de Acesso à Informação e nas regras do Banco Central, no último dia 24, produziram uma ampla discussão no meio jurídico e político sobre a possiblidade de afetar as investigações nos órgãos da justiça no combate à corrupção, de controle financeiro e a transparência nas informações.
A nova edição da Lei de Acesso à Informação, sancionada pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão(PSL), prevê que servidores comissionados com nível DAS 101.6 ou acima e dirigentes de fundações, autarquias e empresas públicas possam classificar documentos do governo como “reservado”,“sigiloso” ou “ultrassecreto”.
A Lei de Acesso à Informação, aprovada em 2012, prevê que essas classificações só poderiam ser dadas por um presidente, um vice-presidente, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas ou algum cônsul efetivo que resida no exterior. Os documentos classificados como ultrassecretos ficam sob sigilo por 25 anos, os secretos por 15 anos e os reservados por 5 anos.
Com a Lei de 2012, qualquer pessoa física ou jurídica pode consultar informações públicas dos órgãos e entidades, desde que não estejam entre os documentos restritos.
Já o Banco Central (BC) está propondo, através de consulta pública, a suspensão da divulgação de todas as transações financeiras acima de R$ 10 mil ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e que familiares de políticos não passem mais pelo controle obrigatório das instituições financeiras.
As atuais regras são de 2009 e prevê que pais, filhos, cônjuges e enteados de políticos tenham a sua movimentação financeira monitorada por bancos, buscando combater os crimesde corrupção. As Pessoas Politicamente Expostas (PPE) são aquelas eleitas para cargos no executivo, legislativo federal, governadores e prefeitos. Os membros da alta corte do Judiciário e presidentes dos tribunais de Justiça e de contas também fazem parte da lista das pessoas politicamente expostas.
O diretor-executivo da Transparência Brasil e membro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção da Controladoria Geral da União (CGU), Manoel Galdino, afirmou ao G1 que, na última reunião, a imprensa não foi informada sobre a alteração da Lei de Acesso à Informação.
"Pegou a gente de surpresa. Precisamos pedir esclarecimentos ao governo de quais são as razões. É problemático que uma medida de alteração do que é sigiloso seja feita sem discutir com a sociedade civil. Eles não tiveram transparência para alterar um decreto justamente sobre o tema", disse Manoel Galdino, diretor da Transparência.
O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) fez uma live em uma rede social falando das mudanças: "Depois das movimentações financeiras suspeitas e das relações do clã Bolsonaro com milicianos, o governo enfraquece a Lei de Acesso à Informação dando poder a assessores para declarar que um documento é sigiloso. Um ataque à transparência e à democracia".
O Portal Eu Rio conversou com a Dra Rita Cortez, Presidente do IAB (Instituto de Advogados do Brasil), sobre os efeitos da mudança na Lei de Acesso à Informação.
Segundo Rita Cortez, houve uma ampliação significativa na competência de quem classifica essas informações que, incialmente, eram de prerrogativa do poder executivo, forças armadas e diplomatas. Quando o governo coloca funcionários que exercem a função comissionada, que não se sabe se tem a qualificação técnica necessária para realizar essa classificação, corre o risco de não ocorrer restrição deinformaçõesimportantes.
Na sua visão, a mudança na lei deveria ter sido feita pelo poder legislativo após amplo debate com a comunidade jurídica e com a sociedade civil. “Poder Executivo, na forma de decreto ou de medida provisória, vem tirando do Poder Legislativo o poder de decidir sobrealterações significativas em leis que estão em vigor, inclusive fazendo alterações normativas, como vimos em relação às regras do Banco Central no que diz respeito ao Coaf”.
O Vice-Presidente da República, Hamilton Mourão, deu uma declaração à imprensa, comentando sobre as mudanças na Lei de Acesso à Informação:
"A transparência está mantida. E as coisas aqui no Brasil são raríssimas; as que são ultrassecretas, normalmente, são planos militares, alguns documentos do Itamaraty, alguns acordos firmados, são muito pouca coisa", declarou.
O Banco Central emitiu a seguinte nota:
O Banco Central esclarece que a proposta de regulamentação colocada em consulta pública em 17 de janeiro não isenta os bancos de monitorar transações suspeitas de parentes de Pessoas Politicamente Expostas (PPE). Na verdade, torna mais rígidos, abrangentes e eficientes os controles das instituições financeiras para a prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLDFT).
A norma atende às recomendações do Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional) e está alinhada às boas práticas internacionais em PLDFT. O GAFI é o principal organismo internacional sobre PLDFT e congrega mais de 200 países em seus vários grupos, incluindo todos os países do G20.
Conforme a proposta colocada em consulta pública, as instituições financeiras terão que adotar controles mais adequados e com base em risco para reportar ao COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) todas as operações suspeitas. Em outras palavras, as análises não deverão se ater apenas a determinados valores ou pessoas, as instituições terão que monitorar e analisar todas transações financeiras, independentemente de valor ou do tipo de pessoa, e reportar tudo que for suspeito. Portanto, não haveria mais sentido em sinalizar um limite de valor para a comunicação, mas sim deixar claro que operações suspeitas de qualquer valor devem ser comunicadas, o que amplia o escopo de comunicações relevantes.
Para isso, a proposta aperfeiçoa o modelo de abordagem interna de risco das instituições, que deverá considerar, entre outros pontos, a classificação de risco dos clientes, dos produtos e de terceiros contratados.
A norma está em fase de discussão com a sociedade. O Banco Central avaliará todas as contribuições recebidas durante a consulta pública para aperfeiçoar a proposta inicial, com vistas a tornar o sistema de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLDFT) aplicável ao sistema financeiro ainda mais eficiente.
Após a consulta pública, que termina em 18 de março, estimamos a publicação da norma no decorrer de 2019, com vistas a entrar em vigor em 2020.