Levantamento inédito feito pelo SOS Estradas na CEAGESP – Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo identificou que mais de 50% dos caminhões estavam irregulares e não poderiam circular.
A CEAGESP é uma empresa pública federal, sob a forma de sociedade anônima, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. No local, passam diariamente milhares de caminhões que abastecem com alimentos a principal metrópole do país.
A coleta de dados foi feita em outubro de 2022, e os pesquisadores, ao analisarem as placas dos caminhões que entram na Ceagesp foram surpreendidos com a situação do cronotacógrafo, considerada a caixa preta do setor de transportes rodoviário de cargas e passageiros. O tacógrafo precisa estar com a verificação em dia, que é a aferição técnica de sua funcionalidade e precisão de seus registros, para melhor compreensão dos leigos.
Quando obtida a certificação final do Inmetro, o equipamento passa a ter validade de dois anos. Caso não esteja com ela em dia o Art. 230 do CTB considera infração grave, com multa e retenção do veículo para regularização.
Dos 550 analisados rapidamente no sistema do Inmetro, 179 não apresentavam nenhum registro de verificação do cronotacógrafo (tacógrafo), equipamento obrigatório. Outros 107 estavam com a certificação obrigatória vencida.
Sendo que destes, 70 tinham multas, em alguns casos dezenas delas, por fatores graves como: excesso de velocidade, inclusive acima de 50% do limite, ultrapassagem em local proibido, excesso de peso, falhas no sistema de iluminação, pneus, evasão de pedágio, não obedecer ordem de parada da autoridade, falta do exame toxicológico do condutor e habilitação vencida.
Somente 191 estavam com o tacógrafo em dia e sem multas graves. Sendo que outros 73 estão com o equipamento em dia mas apresentam inúmeras autuações.
Alguns veículos muito antigos foram registrados e não são obrigados a ter o equipamento, devido ao ano de fabricação e PBT (Peso Bruto Total), mas a precariedade dos mesmos impediria estar circulando em qualquer condição.
É evidente que a fiscalização no Brasil é muito limitada e encoraja infratores contumazes a circularem totalmente irregulares. Isto ocorre diuturnamente na CEAGESP e seus similares em todo território nacional. Mas a situação está se tornando insustentável porque caso a autoridade resolva fazer uma operação tolerância zero metade da frota sai do mercado e pode causar até crise de desabastecimento.
As constatações feitas em São Paulo serão as mesmas em qualquer centro de abastecimento semelhante no território nacional. Entretanto, para chegar na CEAGESP os motoristas passam pela fiscalização mais rigorosa do país. Seja nas rodovias federais, estaduais como nos controles da prefeitura de São Paulo.
A situação é mais grave que a média nacional, já que os motoristas de carga perecível são submetidos a jornadas pesadas com frequência, dirigem sem o descanso obrigatório e o que leva muitas vezes ao uso de drogas.
Pesquisa realizada pelo Ministério Público do Trabalho, em 2015, testando motoristas de carga perecível, flagrou mais de 50% com laudos positivos, principalmente para cocaína. O mesmo MPT realizou outra pesquisa em 2019, após três anos de implantação do exame toxicológico e detectou queda de 60% no uso mas números ainda assustadores.
Estes veículos de carga perecível são frequentemente vistos totalmente adulterados, com a traseira do caminhão empinado, andando em velocidades absurdas, como o Estradas mostrou no passado, em 20 de março, num acidente (sinistro) da Régis Bittencourt, com o irmão de caminhoneiro Youtuber. O qual anuncia vários caminhões em rifas ilegais e circula com eles pelo país totalmente irregulares, inclusive posta vídeos onde são facilmente identificados.
Na saída de pista, em que o irmão do Youtuber caminhoneiro felizmente sobreviveu, sobreviveu o Estradas descobriu que ele foi multado logo após o tombamento, por não ter habilitação. O mais surpreendente é que ele já tinha sido autuado pela mesma razão em 23 de dezembro de 2021 e 1º de fevereiro de 2022, respectivamente, na BR-116 e BR-101. Além disso, o tacógrafo estava irregular, foi multado várias vezes por excesso de velocidade e traseira do caminhão arqueada. Resta saber como conseguia carregar e viajar para a Ceagesp e locais semelhantes praticamente diariamente.
Em 31 de março do ano passado, a Polícia Rodoviária Federal assinou acordo de cooperação técnica com a Ceagesp que previa a instalação de câmeras de monitoramento inteligente nos portões de acesso ao Entreposto Terminal São Paulo (ETSP), na Vila Leopoldina. Esses equipamentos permitiriam controlar quem entra no local.
Explicavam as autoridades no dia: “Com a instalação das câmeras com tecnologia OCR/LPR será possível fazer a leitura das placas desses veículos. Qualquer irregularidade será imediatamente identificada pela PRF.”
Pelas informações que circulam no local, o número de veículo irregulares era tão elevado que a PRF teve que “discretamente retirar o time de campo“, como disse um caminhoneiro que frequenta o local mas não quis ser identificado. “Fizeram uma operação educativa, inclusive com cachorros farejando droga e a coisa complicou.”
Apesar disso, muitos caminhoneiros reconhecem que a situação na CEAGESP melhorou com a gestão passada. Mas na estrada a coisa anda complicada. Segundo disse na ocasião, o então superintendente da PRF de São Paulo, Antônio Fernando de Miranda, “na Fernão Dias (BR-381), por exemplo, na chegada a São Paulo 80% dos acidentes que envolvem caminhão são com quem está trazendo verdura”.
Para o coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, a razão é simples. A chamada carga de horário é que a registra maior grau de exploração dos motoristas. “São pressionados pelo dono da carga, pelos colegas que andam como loucos e tiram frete de quem trabalha sério, pelos donos dos caminhões, que sequer oferecem veículos em condições. É preciso fiscalização integrada das polícias rodoviárias e auditores fiscais do trabalho. Sem contar que é fundamental responsabilizar também as plataformas das mídias sociais que permitem a veiculação de material desses infratores e criminosos do trânsito. Tornaram potenciais assassinos celebridades e ainda ajudam eles a ganhar muito dinheiro. Isto estimular comportamento semelhante de outros motoristas.”
É preciso responsabilizar os donos da carga, em primeiro lugar. “Quem coloca carga em veículo que facilmente é possível ser identificado como irregular ou com motorista sem CNH, exame toxicológico vencido, é o primeiro responsável pelas tragédias, mas não aparece no noticiário, nem vai terminar no banco dos réus. Quem sofre as consequências é o motorista e suas vítimas.”
Cerca de 30% dos caminhões abordados pelas equipes da Polícia Rodoviária Federal durante a Operação Serra Segura realizada regularmente pela PRF do Paraná, apresentam alguma irregularidade grave como pneus desgastados e problemas nos freios. Ao menos foi esse o índice em operação realizadas em 2018.
O então responsável pela comunicação social da PRF, Fernando Oliveira, hoje superintendente no estado, explicava na ocasião que os agentes checam uma série de itens de segurança dos veículos.
“Nas ações desta semana, 128 caminhões foram fiscalizados e foram registradas 66 infrações. As mais comuns foram veículos com pneus desgastados, problemas nos freios e no sistema de iluminação.”
Em junho de 2020 a operação Vulcano da PRF fiscalizou 3.112 veículos pesados, entre ônibus e caminhões, em algumas das principais BRs do país. No total, foram tirados de circulação 133 veículos de carga com indícios de adulteração nos sistemas de frenagem.
Durante as abordagens, 1.822 motoristas foram autuados, por inúmera razões, sendo a mais comum o desrespeito ao tempo de descanso. Fato comum , principalmente nos motoristas de carga perecível, que frequentam a CEAGESP e centros de abastecimento espalhados pelo país.
Em 2017 o SOS Estradas realizou pesquisa inédita com a análise de 1.000 (mil) acidentes rodoviários com participação de caminhão ou carreta, com vítima fatal e registrados pela imprensa entre os dias 01 de novembro de 2015 e 11 de fevereiro de 2017, por grandes veículos de comunicação.
O levantamento, que não teve a preocupação de identificar os culpados, permitiu identificar que 50% dos ocupantes de caminhão morrem em acidentes sem o envolvimento de nenhum outro veículo. Outros 32% morrem em acidentes com participação apenas de caminhões. Apenas 18% dos ocupantes de caminhão morrem em acidentes com outros veículos.
Por outro lado, em 363 acidentes envolvendo 1 caminhão e 1 automóvel morreram 17 ocupantes de caminhão e 605 ocupantes de automóvel. Média de 1 ocupante de caminhão morto para 35 ocupantes de automóveis, sete (7) vezes maior que a americana onde essa proporção é de 1 por 5. Clique aqui para ter acesso ao estudo.