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Garoto de Brumadinho vai fazer teste em Xerém

Hailton foi descoberto por observador do Fluminense em torneio de São Gotardo

Por Rosária Farage em 11/02/2019 às 01:23:49

Wandercley Eller, coordenador técnico do Brumadinho Futebol Clube, um dia antes do rompimento na barragem que causou mais uma tragédia de grandes proporções em Minas Gerais, viajou acompanhado de 60 atletas para São Gotardo, cidade próxima que realiza anualmente um torneio de base. 

Entre os meninos do Sub 16, Sub 13 e Sub 11, presentes no local, um em especial chamou a atenção do observador Tiago Lopes do Fluminense Football Club. Hailton Lenon Henriques Carvalho, de apenas 11 anos, foi convidado para fazer um teste no Centro de Treinamento Vale das Laranjeiras, em Xerém, Rio de Janeiro, marcado para 18 de fevereiro.



O local é um celeiro de craques e já revelou nomes como o zagueiro Thiago Silva do PSG, o lateral Marcelo do Real Madrid, o meia Diego Souza do São Paulo, o volante Arouca do Atlético Mineiro e o atacante Kenedy do Newcastle. É um espaço único e apropriado para formação de novos talentos. 

O CT de Xerém é um lugar de acolhimento, treinos e jogos da categorias de base; onde o objetivo principal é formação de atletas, que podem ser negociados com outros clubes, do Brasil ou do exterior, ou chegarem a equipe profissional do Fluminense.

A venda dos jogadores formados na base tricolor é uma das maiores fontes de renda do clube e ultimamente tem sido uma espécie de salvação a equipe principal, que sofre com o momento crítico financeiro em Laranjeiras. Não tendo reforçar o time com aquisição de nomes consagrados, o time vê como saída imediata apostar apostar em pratas da casa. 

É uma via de mão dupla, onde sonhos e negócios estão de mãos dadas. Mas com um diferencial muito importante. Pois apesar de estarem tentando construir uma carreira e fazendo todos os esforços conforme manda o manual para chegada ao sucesso, as jovens promessas estão em um período importante de crescimento, da infância para a adolescência.

"Temos quase 400 jogadores em Xerém, 70 morando. O cuidado é contínuo. Temos que ter essa preocupação o tempo inteiro, cuidamos das crianças e as famílias confiam na gente", informa o presidente Pedro Abad. 

Está é a lei do mercado. Quem quiser ser um dia um jogador profissional bem-sucedido, um craque reconhecido, com acesso aos grandes times nacionais e internacionais, tem que começar bem cedo, passar por diversas peneiras até que o maior objetivo seja realmente alcançado. 

Hailton já ultrapassou alguns obstáculos. Tem talento com a bola, faz parte de um time, joga como titular e se destacou aos olhos de um observador de time formador, reconhecido pela CBF. Com seu bom desempenho numa partida da 5ª Copa DO Alto Paranaíba de Futebol, competição onde havia equipes de Minas Gerais, São Paulo, Goiás e até Rondônia, conquistou uma chance de ir além. 

Futebol como alento para famílias atingidas no desastre ambiental 

Tanto Hailton, como Hanilta Flaviana da Silva Henriques, mãe do garoto, ficaram eufóricos com o convite para o teste no Fluminense. 

"Fiquei muito orgulhosa, pois em meio a essa tragédia, tive uma enorme alegria. Não estarei presente no dia 18, mais ficarei aqui em Brumadinho, torcendo por ele. Meu filho vai ser acompanhado pelo professor Wandercley", declarou Hanilta.

Ela perdeu um sobrinho no rompimento da barragem do Córrego do Feijão. Fabricio Henriques da Silva, de 27 anos, trabalhava em uma terceirizada da Vale. A perda também foi muito sentida pelo menino, pois era Fabricio quem o incentivava para o futebol e representava a figura paterna, acompanhando nos treinos e jogos. 

Mas Hailton deseja seguir para honrar e homenagear o primo, que tanta importância teve na sua vida, e também para espantar a tristeza. Ele está ansioso e feliz por causa do teste e diz que seu sonho é chegar um dia ao profissional. 

Segundo a assessoria do Fluminense, específica para o CT da base, Hailton pode ser avaliado durante uma semana ou até três, dependendo do desempenho dele. Neste período, ele vai passar por testes físicos, fisiológicos, psicológicos e, obviamente, técnicos. Se for aprovado, é incorporado ao time e fica treinando em Xerém. Então vem a fase da estadia. 

"Ele pode ficar direto em Xerém e ir visitar a família quando conseguir. Ou pode vir com a família para Xerém. Ou pode entrar na rede de observação...  Ele voltaria para Minas e viria para Xerém uma semana por mês", informa a assessoria de imprensa da base tricolor.

Clube de Brumadinho tenta retomar a rotina e seguir adiante

Porém antes de acompanhar o menino para realizar o teste no CT do Fluminense, em Xerém, que será na outra segunda-feira (18), Wanderclay já reiniciou no sábado (9) às atividades no estádio do Brumadinho Futebol Clube com amistosos em todas as categorias, de 8 a 20 anos. 

"Voltamos a treinar normal na terça. Claro que tem famílias nossas envolvidas na tragédia. Um atleta nosso perdeu o pai e não está vindo treinar. A família dele está toda em Belo Horizonte. Outros perderam primos, tios. Mas estamos tentando nos levantar. Pelo menos quando eles estão no campo, esquecem de tudo que acontece", declara o coordenador técnico. 

O primeiro campeonato a ser disputado pelos atletas de Brumadinho será o mineiro da IMEF - Instituto Mineiro de Escolas de Futebol, com início no dia 10 de março, que envolve todas as categorias. Wanderclay acredita que o futebol é alegria e vai ajudar muito aos jogadores e suas famílias no momento de superação. 
 
No Ninho do Urubu o que era sonho virou tristeza 

Ao mesmo tempo que vemos mais um menino apaixonado por futebol se aproximar do início da realização de um sonho, até para amenizar sua dor; um verdadeiro pesadelo se tornou real para dez Garotos do Ninho e suas famílias, com o incêndio que atingiu o contêiner que servia de alojamento para jovens atletas no CT do Flamengo. 

O Brasil inteiro, em tão pouco tempo já está chorando novamente. Cada pai e mãe coloca no lugar dos familiares dos atletas rubro-negros, especialmente quem acompanha o esporte. 

Mas a psicóloga Adriana Cavalcante, com especialização em luto, não acredita que essa tragédia irá inibir outras famílias de deixarem seus filhos tentar a sorte no futebol. Na opinião dela, são dois os motivos, que vão além da paixão pela bola. 

"No Brasil o futebol é muito valorizado. É o sonho de muitas famílias de terem ascensão social através de seus filhos sendo jogadores profissionais. E um outro motivo é que até mesmo as grandes tragédias são rapidamente esquecidas pela maioria dos brasileiros", afirma. 

Já quanto ao sacrifício que vivem os meninos e as famílias para alcançar tais objetivos, Adriana admite que em qualquer profissão é necessário esforço e determinação. Não existe nenhum sucesso profissional que venha fácil. 

"Além do sonho é importante o trabalho duro: acordar cedo, treinar, estudar e ter uma rotina organizada. E isso serve para qualquer profissão. Mas na carreira de jogador de futebol existem alguns perigos: eles são muito jovens quando iniciam nas categorias de base", argumenta. 

Diferente de uma profissão que se escolhe na juventude ou na vida adulta, o futebol pode ser um desejo dos pais e não propriamente do filhos. Muitos costumam pressionar os jovens, pelo desejo adormecido deles mesmos de serem jogadores de futebol de sucesso. 

Outra questão importante, analisada pela psicóloga, é quando o sucesso profissional for alcançado: 

"Terão maturidade para viver uma vida tão diferente da que tinham anteriormente? E o maior perigo: o pensamento e a cobrança interna e externa de estarem em um curto espaço de tempo ganhando altos salários e retirando suas famílias das dificuldades sócio econômicas", conclui. 

Adriana recomenda um atendimento psicológico para acompanhar os testes desses meninos e descobrir o que eles realmente querem:

"É um desejo dele ou de seus pais? O objetivo é apenas ficar famoso e ganhar muito dinheiro? Será que esse jovem deseja mesmo ficar por um tempo longe de sua família? Ele tem maturidade para suportar essa ausência, mesmo que temporária?"

A preocupação da psicologa com os jovens em ascensão e o trabalho de acompanhamento que pode desmistificar a profissão, dando o real sentido do que pode ser alcançado, se estão todos cientes e preparados para os grandes desafios e até decepções, só não é maior que a certeza de que no caso de ambas as tragédias, tanto de Brumadinho como dos Garotos do Ninho, o luto precisa ser sentido. 

"Luto não é para ser superado, suportado ou esquecido. É preciso chorar essa perda de quem morreu. A dor é muito grande, às vezes a dor é até mesmo física. Mas, é importante frisar que luto não é doença. O luto é importante ser vivido. E só com o tempo o enlutado poderá ir dando outros sentidos e significados à sua vida sem a pessoa amada. E esse tempo não é cronológico. Cada pessoa terá seu próprio tempo para reorganizar e ressignificar sua vida após ter perdido alguém por morte", conclui a profissional. 
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