Nos últimos dias, o mundo tem acompanhado a súbita ascensão de Juan Guaidó como porta-voz de uma possível revolução. Um dos líderes oposicionistas do governo de Maduro na Venezuela, o político se autoproclamou o presidente do país. Desde então, a tensão política em torno do fato só aumentou e a pressão contra aquele que é considerado um ditador na América Latina também tem deixado os venezuelanos em uma situação cada vez mais difícil.
Há muitos anos, a possibilidade de um conflito armado não estava tão próxima da nossa nação. Embora o vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, tenha descartado uma intervenção militar, a tensão nas fronteiras exige cautela do governo.
Mesmo trabalhando com algumas hipóteses e decisões que não foram tomadas, os acontecimentos que envolvem esse movimento político e de interesses pelo poder trazem à tona uma discussão: se fosse o caso, o Brasil estaria preparado para apoiar uma intervenção militar? Ou ir para uma guerra?
Historicamente, não somos considerados um país que já se envolveu em grandes conflitos bélicos. Embora a nossa história possua registros de importantes confrontos internos e participações internacionais, quando buscamos por algum grande evento envolvendo o poder militar brasileiro, felizmente, identificamos colaborações discretas e fatos distantes da era pós-redemocratização.
Em 1864, por exemplo, a Guerra do Paraguai marcou a era do Brasil Império, mais negativamente do que de forma positiva. Segundo Phillipe Moreira, professor e historiador, tal guerra é a maior e a mais sangrenta que o país já se envolveu efetivamente, além de ter sido essencial na mudança do sistema político.
"O Exército brasileiro foi uma peça chave na decisão que levou a guerra do Paraguai. Inclusive, foi nela que surgiu a figura de Duque de Caxias. O homem que viria se tornar o herói e o patrono da força. Todavia, o pós-guerra também significou a deflagração de um golpe institucional que fundou a nossa república moderna, ou ainda, a república da espada", lembrou o historiador.
Phillipe também relembrou que na 2° Guerra Mundial, até o ataque à Pearl Harbor, nos Estados Unidos, o Brasil era somente um fornecedor de insumos. Foi o presidente Getúlio Vargas quem instituiu uma política de industrialização que serviu ao EUA, a Itália e a Alemanha.
"Vale lembrar que no início da segunda guerra nosso país flertava com o fascismo. Todavia, Vargas só tomou a decisão de entrar no conflito, após a retaliação japonesa contra Pearl Habor. O episódio aumentou significativamente o desenvolvimento industrial e econômico brasileiro com uma participação maciça dos militares em todos os processos. Neste contexto, podemos observá-los no jogo político desde a queda da Era Vargas, por exemplo, até o ano de 64, quando houve o golpe civil-militar", explicou Phillipe.
De acordo com o professor, a partir de então, o último evento importante que podemos citar, além do pequeno apoio na Guerra do Golfo, foi a entrada do Brasil nas forças de paz promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) no governo Lula. Naquele momento, o atual chefe do Gabinete Institucional do presidente Bolsonaro, General Heleno, comandou as tropas nacionais em missão de paz no Haiti.
"O que vemos hoje é um ressurgimento de uma elite política que estava adormecida. Até porque, as próprias sequelas do regime militar criou uma ideia de repulsa na sociedade. Hoje, vemos que, principalmente, o Exército voltou a assumir cargos importantes do Governo Federal. No entanto, lembrando estamos em uma democracia que elegeu um ex-militar nas urnas", afirmou o professor.
De fato, com a eleição do presidente Jair Bolsonaro, o terceiro militar e chefe do executivo eleito por voto direto, o país voltou a ter uma maior presença de militares em cargos importantes do governo. Os números apontam que a nova gestão possui mais militares do que na época do regime de 64.
Esses dados não transformam o Brasil em uma máquina de guerra, mas chamam à atenção para possíveis estratégias militares e geopolíticas que podem ser adotadas, bem como, para a postura militar que as forças nacionais e o próprio governo podem tomar diante da possibilidade de conflitos em territórios vizinhos ou no apoio aos países considerados aliados. Mas afinal, como estão e quem são aqueles que garantem a soberania nacional?
No mar
A Marinha de Guerra é a mais antiga das forças brasileiras. Criada em 28 de julho de 1736 pelo Rei de Portugal, a Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha sofreu uma reorganização por D. João VI em sua chegada ao Brasil em 1808 juntamente com toda a família real.
Na época, D. João VI foi nomeado para a pasta do Ministério da Marinha e Domínios Ultramarinos. Sucedendo D. João Rodrigues de Sá e Menezes, o Conde de Anádia, que é considerado o primeiro Ministro da Marinha. Em 14 de novembro de 1822, a primeira esquadra brasileira ganhou os mares. Ela seguiu rumo a Montevidéu e tinha como principal objetivo a expulsão das forças que tentavam preservar a Província Cisplatina que era um domínio português.
Em 11 de junho, os marinheiros comemoram o aniversário da Batalha Naval do Riachuelo e a data é considerada magna na Marinha. Isso porque, marca a participação do país na Guerra do Paraguai. Dividida entre o corpo da Armada e dos Fuzileiros Navais, em 2018, de acordo com o Portal da Transparência, a lotação total de pessoal físico e da ativa era de 84.429 militares e civis. São pouco mais de 140 organizações militares com diferentes objetivos que estão espalhadas por todo território brasileiro. Ainda no ano passado, a instituição gastou 25,84 bilhões, o que representa 1.03% dos gastos públicos do país. Atualmente, a força é comandada pelo Almirante de Esquadra Ilques Barbosa Júnior
Além disso, a Marinha possui um conjunto com 19 programas institucionais que atuam com diferentes assuntos. Entre eles, estão desde o serviço de busca e salvamento até o programa de pesquisas científicas na Ilha de Trindade. Para atender os programas e a sua principal missão, a força naval dispõe de 26 navios na esquadra, 11 navios de pesquisa, 62 navios distritais e mais sete aeronaves de apoio.
No dia 22 de janeiro, dois exemplares dos helicópteros Super Lynx modernizados chegaram no 1º Esquadrão de Helicópteros de Esclarecimento e Ataque e receberam denominação de AH-11B. A aquisição das aeronaves ocorreu dois anos e sete meses, depois do primeiro helicóptero AH-11A deixar o Complexo Aeronaval de São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro, com destino à empresa Leonardo Marconi Westland (LMW) no Reino Unido para realizar um processo de modernização.
Além do mais, há um projeto de construção de mais quatro submarinos convencionais e um nuclear em andamento. Segundo a Marinha, a previsão de entrega desses submarinos é para o final de 2022 e o total de investimento até 2029 pode chegar a R$ 35 bilhões.
Na terra
De acordo com a assessoria do Exército, a defesa da Pátria é a atribuição primordial da força. Para cumprir o que está prescrito na Constituição Federal de 1988 e garantir a manutenção dos poderes constitucionais, a lei e a ordem, o Exército acredita na necessidade constante do preparo e para o combate. Assim, o militar, mais que adquirir competências relacionadas à aquisição de conhecimentos e habilidades e ao desenvolvimento de atitudes e valores, deve obter capacidades militares e operativas.
O efetivo é regulado por lei, sendo que o Decreto Nº 9.249, de 26 de dezembro de 2017, distribuiu os integrantes da força, para o ano de 2018, em 147 oficiais generais, 22.025 oficiais de carreira, 10.000 oficiais temporários, 49.555 praças e 141.005 Cabos e Soldados. Ainda em 2018, os gastos do comando atingiram R$39,35 bilhões chegando a 1.56% das despesas nacionais.
Em relação ao desenvolvimento tecnológico e estratégico, o Exército tem desenvolvido projetos com a finalidade de garantir a segurança e soberania do país. Entre essas medidas, destacam-se o Programa de Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) que pretende fortalecer a capacidade de ação do Exército Brasileiro na faixa de fronteira do país, em uma área de 16.886 quilômetros de extensão.
O programa trata-se de um conjunto integrado de recursos tecnológicos, tais como sistemas de vigilância e monitoramento, tecnologia da informação, guerra eletrônica e inteligência que, aliados a obras de infraestrutura, devem reduzir as vulnerabilidades na região fronteiriça.
O Sisfron amplia a presença do Estado brasileiro ao longo da faixa de fronteira do país. Esse sistema permite o atendimento das capacidades de monitoramento, mobilidade e presença, e estão inseridos na Estratégia Nacional de Defesa. O sistema também prevê a redução de crimes na fronteira e o aumento da capacitação, sustentabilidade e autonomia da base industrial de defesa do país.
Como resultado está o aumento da capacidade de monitoramento e controle na faixa de fronteira, o apoio às operações conjuntas e interagências, uma maior integração regional, entre órgãos de governo e com países vizinhos, o fortalecimento da indústria nacional, em especial a de defesa, o estímulo à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação tecnológica, além da melhoria da capacitação de recursos humanos especializados. O Sifiron foi elaborado em 2010 e 2011. E de acordo com esse documento, o período de implementação do sistema é de dez anos. O projeto piloto já está em fase de execução na cidade de Dourados (MS).
Outro modelo estratégico do EB é o Guarani. O planejamento tem o objetivo de dotar o Exército Brasileiro de uma nova família de blindados sobre rodas. Esses veículos substituirão os atuais Urutu e Cascável, em uso há mais de 30 anos. A primeira viatura desenvolvida foi a Viatura Blindada de Transporte de Tropa Média de Rodas Guarani (VBTP-MR Guarani).
Uma das grandes vantagens das viaturas do Projeto Guarani é o emprego desses veículos como material de defesa na proteção das infraestruturas estratégicas do país. Por apresentar robustez, simplicidade no emprego e um custo reduzido de manutenção, esses blindados podem ser utilizados no fortalecimento das ações do Estado, na segurança e na defesa do território nacional.
Com índice de nacionalização de cerca de 90%, o Guarani está alinhado com os objetivos da Estratégia Nacional de Defesa, na medida em que colabora com o desenvolvimento da indústria nacional de defesa, gerando divisas para o Brasil. Assim seus principais benefícios serão o fortalecimento das ações do Estado na segurança e defesa do território nacional, a elevação da capacidade tecnológica da indústria nacional, a diversificação da pauta de exportações, a ampliação da capacidade de dissuasão do Estado brasileiro e o emprego no apoio à Defesa Civil. De acordo com a assessoria da Força, o prazo para que toda a família de blindados seja implantada é de 20 anos.
Já o "Proteger" pretende ampliar a capacidade do Exército Brasileiro de resguardar as estruturas estratégicas terrestres do país, tais como ferrovias, aeroportos, usinas hidrelétricas, portos etc. Ele também servirá como complemento aos sistemas de segurança pública do país. Em articulação com programas como o Sisfron e o Projeto Defesa Cibernética, o Proteger surge a partir da necessidade de garantir a integridade de instalações e serviços que, se interrompidos, provocariam sério impacto econômico, social e ambiental.
Sua implementação também é importante para os planejamentos de segurança em grandes eventos, para o apoio à Defesa Civil, para o atendimento à população em calamidades e para as medidas de contraterrorismo. Para o EB, a importância da implantação do Proteger é clara: ao fortalecer sua capacidade de resposta na proteção de suas estruturas estratégicas terrestres (hidrelétricas, refinarias, oleodutos, sistemas de abastecimento de água, aeroportos, ferrovias), o Brasil aumenta a dissuasão contra potenciais ameaças e oferece maior segurança aos investimentos nessas estruturas. A implantação do Proteger contribui, ainda, para o fortalecimento da Base Industrial de Defesa (BID) e para a absorção de tecnologias sensíveis.
Isso vai garantir o desenvolvimento de novas capacidades na proteção das estruturas estratégicas terrestres, a ampliação do desenvolvimento tecnológico nacional, tendo por base as diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa, o fortalecimento das empresas estratégicas de defesa, com estímulos à base industrial brasileira e à diversificação da pauta de exportações e o Aperfeiçoamento de planos setoriais de contingência. A integralidade do Proteger está planejada para ocorrer ao longo de 12 anos.No ar
Considerada a mais moderna das Forças Armadas, a Aeronáutica foi criada em 1941 no governo de Getúlio Vargas. Desde 2016, por meio de uma concepção estratégica denominada de "Força Aérea 100", ela tem traçado o futuro e as diretrizes das suas estratégias. Hoje, seu principal elemento constitutivo é o Poder Aeroespacial Brasileiro Por isso, tem estado presente nas situações de calamidade pública, naturais ou induzidas, sendo capaz de levar o auxílio rápido e preciso para as vítimas, representando boa parte da capacidade do País, em termos logísticos.
Suas operações abrangem ações áreas de comando e controle, navegação, vigilância, comunicações, inteligência, meteorologia e outras aplicações. Tudo, contando com a capacitação dos militares e civis para atuarem no emprego dos meios espaciais à disposição do Ministério da Defesa.
Desde a sua criação até hoje, o Ministério da Aeronáutica, chamado de Comando da Aeronáutica (COMAER), já passou por profundas alterações. Segundo a sua concepção, tais mudanças sempre foram marcadas pelo arrojo, o avanço tecnológico e também por uma visão estratégica.
Nos últimos 75 anos, a FAB estabeleceu e desenvolveu um Sistema de Vigilância e Controle do Espaço Aéreo que é considerado uma referência para outros organismos internacionais. Ela também progrediu na fronteira espacial e buscou estabelecer uma dinâmica empregada no espaço aéreo que proporcionasse ao Brasil soluções de uso do espaço exterior de uma maneira adequada às nossas realidades. Para isso, realizou parcerias no âmbito nacional e internacional dando ênfase ao compartilhamento dos sistemas e equipamentos disponibilizados.
Sua união com o Exército e a Marinha é extremamente importante para a garantia de uma integração nacional. Desse modo, ela atua não somente na segurança da navegação aérea, mas ainda na contribuição para a formulação e condução da Política Aeroespacial Nacional, no estabelecimento, na equipação e na operação da infraestrutura aeroespacial, aeronáutica e aeroportuária, além operação do Correio Aéreo Nacional.
Controlar, defender e integrar são lemas da corporação. Contudo, o seu maior desafio consiste em antever o ambiente no qual está inserida. Por tal motivo, um dos principais planos é a contínua capacitação do efetivo por intermédio das suas competências buscando atingir outros níveis de excelência operacional.
Atualmente, a FAB conta com um efetivo de 74.233 servidores entre civis e militares. Em 2018, segundo o Portal da Transparência, em 2018, a força gastou R$ 2035 bilhões, um valor que equivale a 0.81% dos gastos públicos.
Era Bolsonaro
Nos últimos cinco anos, o investimento do Brasil em relação ao Ministério da Defesa chegou a 340,17 bilhões. O valor é resultado da soma anual do ano de 2015 até o início de 2019.e está disponível no portal de transparência da Controladoria Geral da União. Entre os aspectos mais consideráveis dos gastos estão a Defesa Nacional e a Previdência Social dos servidores.
Contudo, em algumas entrevistas concedidas durante sua campanha eleitoral, o atual presidente Jair Bolsonaro considerou que há mais de duas décadas as Forças Armadas estão padecendo com o sucateamento de alguns equipamentos e a desvalorização dos militares. Em seu programa de governo, ele sugeriu um papel mais importante e efetivo desses órgãos no combate ao crime organizado por meio da integração a outras instituições de segurança, principalmente, na realização do patrulhamento das fronteiras.
No final de 2018, em uma cerimônia na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), na cidade de Resende (RJ), Bolsonaro também falou da possibilidade de não estabelecer um limite de gastos para as Forças, além de viabilizar um aumento aos salários dos militares. Na ocasião, o presidente ainda citou a Medida Provisória 2215/2001 que acabou com alguns adicionais da categoria.