Os Consórcios Transcarioca, Santa Cruz, Internorte e Intersul, que operam linhas de ônibus na cidade do Rio, terão que cumprir a legislação que prevê a redução das tarifas (R$ 4, 05) quando não for possível restituir os valores do troco ao consumidor. Basta para isso que a Justiça acolha a ação civil pública (ACP) movida na terça (19) pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva e Defesa do Consumidor e do Contribuinte - Comarca da Capital.
Na ACP, com pedido de urgência, o MPRJ destaca que o Decreto Municipal 7.445/88 e a Lei Municipal 129/79 determinam que as empresas prestadoras do serviço de transporte público devem possuir, obrigatoriamente, troco suficiente para atender ao público. Em caso negativo, a tarifa deve ser arredondada para baixo.
Após receber denúncias de usuários pela Ouvidoria e realizar diligências nas ruas, a 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva e Defesa do Consumidor e do Contribuinte - Comarca da Capital, constatou a não observância da regular entrega de troco aos consumidores e a falta de avisos nos veículos com informações sobre como proceder no caso de falta de troco.
Além disso, devido às recorrentes discussões entre passageiros e cobradores em torno do troco, as empresas instalaram um aparelho que emite sinal sonoro em volume elevado até que o passageiro passe pela roleta, submetendo o mesmo a uma situação de constrangimento.
Desta forma, requer o MPRJ que os quatro consórcios cumpram a legislação municipal e fixem placas informativas nos veículos de suas empresas constando a informação de que, no caso de o motorista não possuir o troco suficiente, a passagem será arredondada para baixo. Caso haja descumprimento do pedido, a ACP solicita a aplicação de multa diária no valor de R$ 50 mil.
Em paralelo, corre na Justiça ação pedindo volta da tarifa a R$ 3,60 e proibição de novos reajustes, além do cumprimento de quatro Termos de Ajustamento de Conduta. Desde o início da concessão, as recorrentes violações e o serviço de baixíssima qualidade na prestação do serviço de transporte resultaram em 98 ações civis públicas ajuizadas pelo MPRJ contra as concessionárias e em quatro Termos de Ajustamento de Conduta descumpridos.
Os problemas não foram solucionados nem mesmo diante de ordens judiciais. O documento encaminhado à Justiça relata que 84% das linhas que já contam com decisão judicial continuam alvo de queixas dos usuários, de investigações do MPRJ e são regularmente flagradas por seus vícios em reportagens dos meios de comunicação. O tema lidera as reclamações na Ouvidoria do MPRJ: 2.508 reclamações, 54% referentes ao Município do Rio, entre 2013 e 2019.
Ainda de acordo com a ação, que demonstra a ineficiência do contrato, as multas aplicadas pela SMTR (3.474 apenas no primeiro semestre de 2018) não resultam em qualquer efeito positivo sobre o serviço. Procedimentos administrativos foram instaurados, mas resultaram em mera advertência ou autuação sem resultados concretos. Além disso, há demonstração dos vícios de qualidade e irregularidades citados a partir de dados do próprio Tribunal de Contas do Município (TCM) e do Estado (TCE), pela CPI dos Transportes da Câmara de Vereadores, além de dados do Procon-RJ, da própria SMTR e estudos da COPPE-UFRJ e do CEFET/RJ. Entre essas informações está a demonstração de que mais de mil ônibus, entre abril de 2014 e dezembro de 2018, deixaram de circular.
Em dezembro de 2018, foi registrada uma média abaixo de 6 mil veículos em circulação enquanto a frota municipal deveria ser de 8.700 veículos. O desprezo aos prazos de climatização em estratégia deliberada para desrespeitar o contrato na questão de modernização da frota e decisões judiciais sobre o tema, também são descritos na ação. Também são apontadas ilegalidades referentes à administração da bilhetagem eletrônica, na suposta criação artificial de custos de aluguel de garagens para influenciar o cálculo das tarifas.
Para os promotores, é leviano argumentar que a situação de sucateamento da frota e precariedade na prestação do serviço decorra de uma redução tarifária. Tais vícios, segundo a ação, são verificados desde o início da concessão. No ano de 2015, quando a tarifa se encontrava em seu patamar mais alto, inflada por acréscimos ilegais, foi ajuizado pelo MPRJ o maior número de ações, 26 ACPs. "A absoluta incapacidade de prestar o serviço a contento somente corrobora o argumento de que a proposta apresentada pelos consórcios réus no momento da licitação nunca foi de fato exequível, constituindo mera 'ficção' ou 'maquiagem' voltada a assegurar o resultado da licitação, e, portanto, não são eles capazes de cumprir adequadamente seus contratos."
O documento aponta, ainda, irregularidades em iniciativas ou omissões do Município em benefício às empresas, em especial, na fixação de aumentos tarifários irregulares e na falta de controle e regulação de um sistema que opera sem transparência e sustentabilidade, com o aval do Poder Público.
O Município continua a autorizar reajustes, em desacordo com o TCM, enquanto os consórcios réus descumprem deliberadamente a obrigação de apresentar os reais custos do serviço, certificados por auditoria, e impedem a revisão tarifária e o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Para os promotores de Justiça da Força-Tarefa, as empresas estariam obtendo remuneração superior à determinada pelo contrato de concessão. Uma manobra que ampliou a vida útil dos ônibus de 8 para 9 anos, em claro descumprimento das exigências da licitação, também é questionada na ação, entre outras alterações do contrato.
Pedido inclui proibição de novos reajustes e retorno da tarifa para R$ 3,60
Em ação ajuizada no início de março, o MPRJ requereu que a Justiça decida liminarmente pela proibição de novos reajustes e pela suspensão do acordo entre o Município e concessionários que alterou as condições contratuais e o prazo de climatização, com a consequente anulação dos decretos municipais 44.600/18 e 45.641/19. O acordo, segundo os promotores de Justiça, afronta decisões judiciais já transitadas e julgadas. Também é requerido o retorno da tarifa ao valor de R$ 3,60 obtido em decisões judiciais no ano passado.
Os pedidos liminares feitos pelo MPRJ à Justiça são amplos e detalhados: a proibição de novo reajuste tarifário; a integral prestação de contas do sistema de bilhetagem eletrônica; o fornecimento de informações sobre os dados auditados e contratos de aluguel de garagens que permitam a exclusão dos casos de fraude e sobrepreço nos cálculos de revisão; a apresentação pelo consórcio das informações sobre o sistema de bilhetagem eletrônica para acesso público sob pena de intervenção; a retomada da obrigação de disponibilização dos dados do GPS dos veículos do BRT; a apresentação em juízo das cartas de fiança previstas no contrato de concessão em até 20 dias sob pena de intervenção; a obrigatoriedade de prestar o serviço sem interrupção ou deterioração de sua qualidade até a efetiva decretação da caducidade dos contratos e realização de nova licitação; a elaboração pelo Município de um planejamento adequado referente a cada um dos consórcios e RTRs para hipóteses emergenciais; e a inspeção pela Prefeitura de toda a frota de ônibus dos consórcios para listar e catalogar todos os bens vinculados à concessão.