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Fogo Cruzado aponta alta na violência policial no Rio, Recife e Salvador

Disparos se tornaram mais certeiros, com 3% de mortos e 13% de feridos a mais. Dos 2.953 tiroteios, 41% tiveram vítimas

Por Cezar Faccioli em 29/01/2024 às 11:16:32

Operações policiais se espalham pela geografia do Grande Rio, do morro ao asfalto, e envolveram mais vítimas ano passado. Foto: Agência Brasil

2023 foi o primeiro ano de mandato de Raquel Lyra, em Pernambuco, e de Jerônimo Rodrigues, na Bahia. Reeleito, após dois anos como substituto de Wilson Witzel, alvo de impeachment, Cláudio Castro deu continuidade a sua gestão no Rio de Janeiro. Em comum, além do primeiro ano de governo após as eleições, 2023 ficou marcado nas regiões metropolitanas das capitais destes três estados pela violência policial e pela falta de um planejamento claro para combater a violência, como mostra o relatório anual do Instituto Fogo Cruzado, lançado nesta segunda-feira (29).
“Os dados do Fogo Cruzado são de três dos estados mais importantes e populosos do Brasil, então a gente tem que olhar para eles como um recorte que já não é local. Na verdade, refletem o que vemos nos grandes centros brasileiros, com alguma variação, claro, mas um retrato da realidade do país atualmente. Recorde de crianças baleadas e a milícia provocando terror no Rio de Janeiro. Recorde de violência policial e explosão de mulheres baleadas em Pernambuco. Cinco dias de chacinas na Bahia. Se o começo de 2023 foi de esperança, a realidade do ano foi marcada pelo descontrole da violência armada nos três estados. As respostas dos governantes foram ineficientes em todos os casos por falta de um plano de segurança pública e ausência de transparência de dados. O relatório anual do Fogo Cruzado evidencia a falha dos estados em conter o avanço da violência, preferindo o confronto no lugar de estratégias inteligentes de prevenção”, afirma Maria Isabel Couto, diretora de dados e transparência do Instituto Fogo Cruzado.

No Rio de Janeiro, os 2.953 tiroteios em 2023 deixaram 962 mortos e 884 feridos. Os números indicam uma queda de 18% nos tiroteios, de 3% nos mortos e de 13% nos feridos em comparação com 2022. Apesar disso, este foi o ano onde os tiros pareceram mais certeiros em toda série histórica do Instituto Fogo Cruzado. Dos 2.953 tiroteios mapeados, houve vítimas em 41% deles. Para efeito de comparação, esta taxa em 2022 foi de 36% e em 2021 de 29%. Não caiu também a participação da polícia nos tiroteios. 34% dos tiroteios registrados em 2023 aconteceram durante ações policiais — em 2022, foram 35%. São quase três tiroteios por dia durante operações policiais no Grande Rio, em média. Esses tiroteios atingiram 977 pessoas ao longo do ano.

Além disso, em outubro, a Zona Oeste do Rio de Janeiro viveu um dia de terror e caos quando 35 ônibus, estações de BRT e uma composição dos trens urbanos foram queimados como resposta à morte de uma das lideranças da milícia, em uma operação policial. Enquanto as demais regiões do Grande Rio tiveram queda nos tiroteios, a Zona Oeste da capital viu o número de tiroteios crescer 53%, o número de mortos dobrar (+104%) e o de feridos subir 40% em comparação com 2022.

Ouça no podcast do Eu, Rio! a reportagem de Solimar Luz sobre a evolução e o impacto dos confrontos a bala no Grande Rio e mais duas das maiores regiões metropolitanas do Brasil.

2023 também foi o pior ano para os mais jovens. Ao menos 25 crianças foram baleadas na região metropolitana do Rio de Janeiro, se igualando ao ano de 2018, quando a mesma quantidade de crianças foi baleada no Grande Rio, no ano da Intervenção Federal. Apesar disso, 2023 foi o ano mais letal da série histórica. Enquanto em 2018, quatro crianças foram mortas, em 2023 foram 10 vítimas fatais da violência armada.

Em Pernambuco, a violência policial atingiu o seu auge em 2023. Dos 1.827 tiroteios/disparos de arma de fogo mapeados na região metropolitana do Recife, apenas 5% ocorreram durante ações e operações policiais. Ao todo, foram 99 tiroteios nestas circunstâncias. Mas o que se destaca é o crescimento expressivo. Em comparação com 2022, houve um aumento de 48% nos tiroteios com participação policial – um crescimento muito superior ao da violência armada como um todo (8%) –, tornando 2023 o ano com mais tiroteios em operações policiais em toda série histórica do Instituto Fogo Cruzado.

Entre os 2.076 baleados em 2023 na região metropolitana do Recife, 113 (5%) foram atingidos com a participação policial. Entre os baleados, dois homens foram mortos na comunidade do Detran, em Recife, durante uma operação do BOPE em novembro. Os agentes de segurança arrombaram o portão de uma casa, entraram na residência e, em seguida, retiraram dois corpos em um lençol.

Em comparação com 2022, houve um aumento de 66% nos baleados em tiroteios com participação policial, tornando 2023 também o ano com mais baleados em operações policiais em toda a série histórica, assim como o ano em que houve o maior número de chacinas policiais. Das 11 chacinas ocorridas no Grande Recife, quatro delas ocorreram em ações policiais, deixando 13 mortos.

Outro fator que evidenciou o despreparo do Estado em conter a violência foi o avanço das disputas de território para mais perto da capital. O número de tiroteios em Olinda, por exemplo, cresceu 41% de 2022 para 2023. Parte dos tiroteios ocorridos se deu em locais próximos ao sítio histórico, como em Varadouro, na comunidade V8, alavancando a violência no município nos últimos meses.

Na Bahia, o relatório anual do Instituto Fogo Cruzado reforça a premissa de que o estado tem uma das polícias mais violentas do Brasil. 37% dos 1.804 tiroteios mapeados ao longo do ano aconteceram durante ações e operações policiais. Entre os 1.783 baleados, 639 foram atingidos em ações e operações policiais, indicando que 36% dos baleados foram atingidos nestas circunstâncias.

Dos 1.413 mortos no ano, 190 foram vitimados nas 48 chacinas que ocorreram em Salvador e região metropolitana em 2023, sendo que 69% dessas chacinas (33) foram durante ações ou operações policiais, deixando 136 civis mortos - representando 72% dos mortos em chacinas registrados no ano.

A participação das polícias nos tiroteios e nas chacinas supera os índices de outros estados, como o Rio de Janeiro, onde o número de tiroteios com participação policial representou 34% dos registros. Das chacinas ocorridas em 2023 em Salvador e RMS, 69% delas foram provocadas por ações e operações policiais.

A situação na Bahia também foi de preocupação, quando, em cinco dias, 19 mortes ocorreram durante ações e operações policiais, entre 28 de julho e 1º de agosto. Os tiroteios ocorreram nos municípios de Salvador, Itatim e Camaçari. No dia 28, sete homens foram mortos durante tiroteio em uma operação policial em Jauá, na cidade de Camaçari. No dia 30, seis homens e duas mulheres morreram em Itatim. No dia 31, quatro pessoas foram mortas na região de Jaguarari, em Salvador. Por conta dos tiroteios, as aulas das escolas municipais do bairro de Cosme de Farias, onde fica a localidade, foram suspensas.

Embora 2023 tenha começado com grandes expectativas, o relatório anual do Instituto Fogo Cruzado mostrou a inércia dos governos em apresentar um plano de segurança pública eficaz para combater a violência, que possa ser acompanhado e cobrado pela sociedade.

No Rio, o Programa Cidade Integrada do governo estadual do Rio completou um ano sem mudanças na violência nos locais de atuação. No Jacarezinho, o domínio do tráfico segue inalterado, na Muzema, a ocupação policial que faz parte do Programa não impediu a tomada da região pelo Comando Vermelho.

Pernambuco já foi uma inspiração positiva para outros governos estaduais. O estado era referência nacional de políticas de controle de armas, de prevenção de homicídios e de transparência pela divulgação diária de dados. Em 2023 vimos os indicadores de violência policial subirem e a transparência, que nos últimos anos caiu drasticamente, pouco melhorou. Hoje Pernambuco se tornou o estado que tem uma das políticas de acesso a informações de segurança mais restritivas do país.

Na Bahia, diferente de outros estados, foi construído o Plano Estratégico do Sistema Estadual de Segurança Pública (PLANESP), com vigência de 2016 a 2025. No entanto, na prática, o Pacto pela Vida, o programa prioritário do PLANESP, não está em vigência. Apesar da Bahia constar há anos na lista dos três estados onde a polícia mais mata no Brasil, a letalidade policial não aparece como preocupação em nenhuma linha do plano.

“É a partir da coleta e sistematização de dados que podemos produzir estatísticas e análises, evidenciar problemas e assim, realmente pensar a segurança pública como ela deve ser: focada no bem-estar de todos, em preservar a vida da população. Sem dados transparentes, a população não tem a real noção do que acontece à sua volta e gestores não têm acesso a estatísticas que poderiam servir de base para políticas públicas efetivas. Se os estados falham na sistematização e divulgação desses dados, é papel da sociedade civil produzir indicadores para melhor compreender a violência e dessa forma, cobrar por políticas públicas baseadas em evidências e os números presentes no relatório anual do Fogo Cruzado mostram isso”, finaliza Maria Isabel Couto.

SOBRE O FOGO CRUZADO

O Fogo Cruzado é um Instituto que usa tecnologia para produzir e divulgar dados abertos e colaborativos sobre violência armada, fortalecendo a democracia através da transformação social e da preservação da vida.

Com uma metodologia própria e inovadora, o laboratório de dados da instituição produz mais de 50 indicadores inéditos sobre violência nas regiões metropolitanas do Rio, do Recife, de Salvador e de Belém.

Através de um aplicativo de celular, o Fogo Cruzado recebe e disponibiliza informações sobre tiroteios, checadas em tempo real, que estão no único banco de dados aberto sobre violência armada da América Latina, que pode ser acessado gratuitamente pela API do Instituto.

Por Cezar Faccioli
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