O Salgueiro sempre gostou de se definir como 'nem melhor, nem pior, uma escola diferente'. A busca dessa originalidade, este ano, veio menos da escolha do tema, baseado na cultura dos povos originários, do que no tratamento. Com um enredo de repercussão internacional, por chamar atenção para a invasão das terras indígenas e a resistência ao genocídio dos Yanomami, a escola do morro do Turano fez opção preferencial pela simplicidade.
O samba, sem maiores mas um dos mais tocados no pré-Carnaval, empolgou as arquibancadas. O sistema de som funcionou a contento, e a empolgação do público ajudou a harmonia da escola. A bateria contribuiu para o bom andamento do desfile, evitando bossas exageradas. À exceção de uma breve evocação de batuques indígenas pouco antes do refrão, predominou um toque mais convencional, bem executado.
A escola apostou por uma interação intensa com representantes dos povos originários. Davi Kopenawa, líder yanomami e escritor premiado, teve acolhida para as principais sugestões ao Salgueiro. A primeira foi optar por basear o desfile nos hábitos e nos mitos yanomami, não no drama enfrentado com a invasão das terras e o garimpo ilegal. A segunda foi retomar a presença das crianças, para o escritor as portadoras do futuro desejado, no desfile. Davi fez palestra restrita às crianças, que na maioria pediam mais histórias a ele.
Em tempos de emergência dos oprimidos, de busca intensa e constante de direitos pelos subalternizados, de 'nada por nós sem nós', a abordagem do Salgueiro mostrou coerência política. Agradou e muito os militantes de direitos humanos e simpatizantes da defesa da Amazônia, como o ator americano Leonardo Di Caprio. A presença da família de Davi Kopenawa e da ministra dos Povos Originários, em um dos carros alegóricos, atesta a força desse compromisso.
Em certa medida, contudo, a escolha da sobriedade reduziu o impacto esperado do desfile. Na mensagem, por evitar descrever os horrores enfrentados pelas tribos isoladas, das quais os Yanomami são os mais numerosos e espalhados por um território maior, sob ataque permanente do garimpo ilegal, da grilagem e do tráfico, no Brasil e na Venezuela. No desfile, em meio ao 'maior espetáculo da Terra', as alegorias tinham apuro e correção formal, com destaque para os olhares e expressões dos indígenas.