"Para você, a depressão é causada por uma doença natural ou por demônios?" A pergunta foi feita pelo Deputado Federal e Pastor Marco Feliciano (Podemos/SP) por meio de uma enquete em sua página no Facebook. O questionamento repercutiu negativamente nas redes e indignou os internautas, levando o nome do Pastor para os Trending Topics do Twitter - lista dos assuntos mais comentados na rede social - durante toda esta quinta-feira, 05.
"Entrei em depressão sendo criada em berço evangélico, com uma mãe formada em Teologia. Eu tenho depressão confiando em Deus, sendo temente a Ele. Entrei em depressão indo na igreja quase todo domingo. Não tenho demônio no corpo, é uma doença, senhorMarco Feliciano" diz o post da internauta Marina Lima, expressando o tom de indignação de quem, independente da fé, interagiu com o assunto.
A cantora gospel e ex-apresentadora do "Bom Dia & Cia" do SBT, Priscilla Alcântara tuitou: "eu consumava espiritualizar tudo até sentir na pele que transtornos psicológicos são reais, com um ataque de pânico de ansiedade. Isso NÃO é falta de Deus e cristãos não podem ignorar nem tratar isso como se não fosse pauta relevante no nosso meio enqanto até pastores morrem depressivos". Já a atriz Ana Hikari, que ficou conhecida no papel de Tina, em "Malhação - viva a diferença", temporada 2017 da TV Globo, ironizou: "Para você, a ignorância de Marco Feliciano é causada por uma doença natural ou por demônios? Comente!"
Até às 16h, mais de 360 mil pessoas já haviam respondido à pergunta na enquete de Feliciano. Destas, 19% acreditam que a depressão é causada por demônios. Elas não sabem quedepressão é uma doençae que afeta mais de 322 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Só no Brasil, são 11,5 milhões de brasileiros diagnosticados com a doença, o que faz a OMS apontar nosso país como o de maior número de depressivos da América Latina.
Doença do Século
"A depressão não é apenas uma sensação de tristeza ou de 'baixo astral'. É mais do que se sentir triste ou ficar de luto após uma perda. A depressão é uma doença que afeta seus pensamentos, seus sentimentos, sua saúde e seu comportamento", afirma a Psicóloga e Psicanalista Ana Carolina Barcellos. Ela explica ainda que não há um único fator que cause a doença. São combinações de fatores biológicos, genéticos, psicológicos, sociais, entre outros. "Ela é uma doença comum, grave e por nem sempre ser diagnosticada corretamente, não é encaminhada ao tratamento mais adequado", completa.
Há quatro anos convivendo com a doença, a estudante de jornalismo Marina Lima, 20 anos, conta que cresceu numa igreja evangélica de doutrina rígida que impedia mulheres de usar calça, por exemplo: "sofri bulling na escola por só usar saias e a partir dos 16 anos começou minha vida depressiva - repeti de ano duas vezes por falta de concentração e por matar aula. Pra piorar tive um relacionamento abusivo e todas as vezes em que meu ex-namorado me fazia passar por situações de sofrimento, eu me dopava com os remédios de tratamento para AVC (acidente vascular cerebral) do meu avô. Também fui parar no hospital por tentar me matar com chumbinho (veneno para ratos)".
Mas com uma terapia iniciada há 3 meses com um psicólogo, Marina já sente diferença no seu comportamento e explica como está lidando com a depressão atualmente: "Ela se reflete na minha baixa auto estima, ganhei 15 quilos no último ano e às vezes tenho crises de ciúmes com o meu atual namorado mesmo ele não dando motivos para isso, só insegurança mesmo". A terapia tem ajudado ela a viver uma rotina menos conturbada: "acho que a doença é bem silenciosa. Então de certa forma eu vivo, estudo, trabalho, saio, namoro e meu psicólogo ainda não identificou a necessidade do uso de medicamentos"
A Doutora Barcellos, já mencionada nesta reportagem, analisa que pessoas que tem depressão apresentam determinados sintomas quase que diariamente, a maior parte do dia, por um período mínimo de duas semanas. Esses sintomas incluem pelo menos um dos seguintes:
Emocionais: tristeza, fossa, baixo astral, ansiedade, irritabilidade, anedonia;
Psicológicos: culpa, desesperança, desamparo ou desvalia;
Cognitivos: pensamentos obsessivos e ruminações, memória diminuída, concentração diminuída, ideação suicida;
Sociais: isolamento, disfunção no trabalho;
Neurovegetativas: energia diminuída, agitação ou inibição psicomotora, insônia ou inibição psicomotora, libido diminuída, alteração no apetite, variação diurna do humor;
Para ela e depressão é a doença do século porque estamos vivendo num mundo imediatista no qual tudo é para ontem, o que aumenta as cobranças sociais sobre o indivíduo. Além disso, existe outro agravante que a faz concluir: "não estamos ensinando o 'não' às crianças. Pais que precisam trabalhar fora acabam sendo mais permissivos, dando pouco limite aos filhos, que crescem achando que podem ter tudo. Essas crianças crescem e encontram o mundo do 'não', das frustrações amorosas, do desemprego, do sem dinheiro".
Questionamos a assessoria do Deputado Federal Pastor Marcos Feliciano sobre motivação e intenção da enquete mas até à publicação desta matéria não recebemos a resposta