A Justiça manteve a prisão preventiva de Erika Souza Vieira Nunes, de 42 anos. Erika foi presa em flagrante tentando fazer o idoso Paulo Roberto Braga, de 68 anos, concluir a liberação de um empréstimo. A gerente da agência bancária estranhou a falta de reação de Braga, que não conseguia se mexer nem respondia a perguntas. O SAMU foi acionado, constatou a morte do idoso. Com isso, a Polícia Militar foi chamada, prendendo Erika em flagrante. Como prevê o Código Penal, foi realizada a audiência de custódia nesta quinta-feira, no máximo 24 horas depois da detenção. A juíza Rachel Assad da Cunha negou o pedido da defesa de conversão da prisão preventiva em domiciliar.
Na decisão, a juíza invocou a gravidade do crime e apontou fragilidades na linha de argumentação da defesa da ré. A advogada Ana Carla de Souza Corrêa invocara a necessidade de cuidados especial para a filha deficiente de Erika, de 14 anos, e outros três filhos. A juíza lembrou que o primogênito de Érika, de 27 anos, cuidara da irmã quando a mãe deixou casa, por mais de uma vez, para tentar empréstimos, comprar celulares e levar o tio Paulo Roberto Braga à Unidade de Pronto Atendimento (UPA).
Érika responde por fraude e vilipêndio de cadáver, o que pode levá-la a uma sentença de 13 anos de prisão. Cabe recurso contra a decisão de manter a prisão preventiva, anunciada depois da audiência de custódia. As investigações buscam conferir se os laudos periciais atestam a versão da ré, que o tio chegou vivo à agência bancária. O corpor de Paulo Roberto Braga foi levado na própria quarta-feira ao Instituto Médico Legal, para que a necropsia complementasse as informações preliminares do SAMU. Pelo aspecto e a ausência do chamado rigor mortis, a rigidez cadavérica, os médicos e paramédicos do serviço de urgência sustentaram que Braga morrera, no máximo, duas horas antes da tentativa de fazê-lo assinar um empréstimo de R$ 17 mil. Eis a íntegra da decisão, de acordo com a ata da audiência de custódia.
Processo: 0808879-88.2024.8.19.0204
Classe: AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE (280)
AUTORIDADE: RIO DE JANEIRO SECRETARIA DE EST. DE SEGURANCA PUBLICA, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
FLAGRANTEADO: ERIKA DE SOUZA VIEIRA NUNES
Em 18 de abril de 2024, na sala de audiências deste Juízo, perante a MMª Juíza de Direito, Dr.(a). RACHEL ASSAD DA CUNHA realizou-se a Audiência de Custódia nestes autos, presentes o(a) i. Membro do Ministério Público, Dr.(a). ANDRE GONÇALVES MORGANO, bem como a custodiada ERIKA DE SOUZA VIEIRA NUNES, acompanhada pelo(a) i. Dra. ANA CARLA DE SOUZA CORRÊA – OAB/RJ 159.171. Justificada a manutenção das algemas na(s) custodiada(s) em virtude da situação recente de flagrância, dimensões da sala de audiências, bem como pela necessidade de preservação da integridade física dos presentes. Aberta a audiência, foram os presentes cientificados da utilização do registro fonográfico/audiovisual. Após a(s) Defesa(s) ter(em) se entrevistado reservadamente com a(s) custodiada(s), procedeu-se à(s) entrevista(s), conforme termo(s) e registro(s) audiovisual. As declarações hoje colhidas, gravadas, foram salvas no CD que acompanha esta assentada e será acautelado no Cartório da CEAC.
Desde já, fica consignado que a presente assentada fora digitada pelo secretário do juízo, detentor de fé pública, e assinada eletronicamente por esta Juíza de Direito, estando tais participantes de acordo com o que se encontra registrado na presente ata.
Pela custodiada foi dito que não sofreu agressões quando foi presa em flagrante.
Afirma que possui uma filha de 14 anos, de nome Beatriz, portadora de deficiência, ainda sem diagnóstico conclusivo. Afirma que a adolescente tem pai registrado. Acrescenta que mora em companhia de quatro filhos de 28, 27, 17 e 14 anos e o tio mencionado nesse procedimento. Sustenta que a filha Beatriz estava em companhia do irmão Lucas, de 27 anos.
O Ministério Público opina pela conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva para garantia da ordem pública, diante da prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Pela Defesa foi requerida a liberdade provisória, reiterando a petição juntada. Afirma que a custodiada possui uma filha portadora de deficiência e requer prisão domiciliar. Acrescenta que o laudo não consegue atestar que o Sr. Paulo já estava morto, afirmando que o idoso ainda estava vivo no momento da ação.
Pela MMª Juíza de Direito foi proferida a seguinte DECISÃO: Inicialmente, cabe ressaltar que não há nada que indique ilegalidade na prisão da custodiada, tratando-se de flagrante formal e perfeito.
Compulsando os autos, verifico que a custodiada foi presa em flagrante delito pela prática, em tese, do crime descrito no artigo 155, §4º, II c/c artigo 14, II, do Código Penal e no artigo 212 do Código Penal.
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Em relação à prisão, deve-se notar que se trata de medida de cautela processual, cabível, excepcionalmente, quando presentes e demonstrados, ainda que sucintamente, os pressupostos e requisitos insertos no artigo 312 do Código de Processo Penal.
Para a custódia cautelar deve ser demonstrada a coexistência de fumus comissi delicti e periculum libertatis que justifiquem o cárcere antes do trânsito em julgado de decisão condenatória.
No presente caso, atesta-se a presença do fumus comissi delicti pela prisão em flagrante da custodiada durante a ação, bem como, declarações prestadas em sede policial.
O periculum libertatis, definido como o risco provocado pela manutenção da acusada em liberdade, está igualmente presente: trata-se de crime grave, em que a custodiada subtraiu o patrimônio da vítima. Consta do auto de prisão em flagrante que a custodiada compareceu à agência bancária, em companhia daquele que alegada ser seu tio para tentar sacar quantia de empréstimo. Os funcionários perceberem que o idoso não apresentava qualquer reação e, por essa razão, acionaram o SAMU, que atestou a sua morte, acrescentando a informação de que ele já estaria morto há algum tempo. Policiais militares foram acionados e prenderam a custodiada em flagrante.
A gravidade da conduta é extremamente acentuada e justifica a necessidade da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva.
O ponto central dos fatos não se resume em buscar o momento exato da morte, informação que sequer o exame de necrópsia conseguiu apontar.
A questão é definir se o idoso, naquelas condições, mesmo que vivo estivesse, poderia expressar a sua vontade. Se já estava morto, por óbvio, não seria possível. Mas ainda que vivo estivesse, era notório que não tinha condições de expressar vontade alguma, estando em total estado de incapacidade.
Portanto, ainda que se alegue não ter a custodiada percebido a sua morte e não ser possível estabelecer o momento exato em que ela teria ocorrido, certo é que o idoso não respondia a qualquer estímulo, o que pode ser notado nos vídeos veiculados em todos os meios de comunicação.
Assim, não era possível ao Sr. Paulo, seja pelo motivo que fosse, assentir com o empréstimo, tudo a indicar que a vontade ali manifestada era exclusiva da custodiada, voltada a obter dinheiro que não lhe pertencia, mantendo, portanto, a ilicitude da conduta, ainda que o idoso estivesse vivo em parte do tempo.
O laudo de necrópsia não estabelece a exata hora da morte, mas também não afasta a possibilidade de que o idoso já estivesse morto ao ingressar na agência, descrevendo informação do SAMU de que o idoso já estava morto há algum tempo. A possibilidade de já ter sido levado morto torna a ação mais repugnante e macabra.
Assim, ainda que a custodiada não tenha notado o exato momento do óbito, era perceptível a qualquer pessoa que aquele idoso na cadeira de rodas não estava bem. Diversas pessoas que cruzaram com a custodiada e o Sr. Paulo ficaram perplexos com a cena, mas a custodiada teria sido a única pessoa a não perceber?
O que salta aos olhos e incrementa a gravidade da ação é que, em momento algum, a custodiada se preocupa com o estado de saúde de quem afirmava ser cuidadora. Os funcionários do banco que, notando aquela cena vexatória e cruel, acionaram o socorro. O ânimo da indiciada se voltava exclusivamente a sacar o dinheiro, chegando ao ponto de fazer o Sr. Paulo segurar uma caneta para demonstrar que estaria assinando o documento.
Conforme informações, o idoso havia recebido alta de internação por pneumonia na véspera dos fatos, com descrição de “estado caquético” no laudo de necrópsia. Assim, caberá à instrução probatória verificar, ainda, se a própria conduta não teria contribuído ou acelerado o evento morte, por submeter o idoso a tanto esforço físico, em momento que evidentemente necessitava de repouso e cuidados.
Assim, evidente a necessidade da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva como medida de garantia da ordem pública, sobretudo porque crimes como esse comprometem a segurança da cidade do Rio de Janeiro, objetivamente violada pela ação da custodiada, impondo-se atuação do Poder Judiciário, ainda que de natureza cautelar, com vistas ao restabelecimento da paz social concretamente violada pela conduta da custodiada.
Em relação ao Princípio da Homogeneidade, tal incidência depende de análise concreta da pena, o que se revela absolutamente prematuro nessa fase, quando sequer denúncia oferecida existe. Nesse sentido, compete ao juiz natural analisar a pena a ser aplicada em consonância com a acusação que será formulada, de forma que possa avaliar, com a dilação probatória, as circunstâncias do crime para mensurar a reprimenda.
A primariedade, por si só, não confere o direito à liberdade, ainda que comprovados residência fixa e atividade laborativa lícita.
No presente caso, a determinação de medida cautelar diversa da prisão, conforme art. 319 não seria adequada ou suficiente para a garantia da ordem pública e a aplicação da lei penal pelas razões acima expostas.
Indefiro a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, já que o fato de a custodiada possuir filha com deficiência não pode servir como salvo conduto para a prática de crimes.
Acrescente-se que a custodiada se desobrigou dos cuidados com a filha para praticar a conduta criminosa, uma vez que deixou a adolescente aos cuidados do irmão mais velho, de nome Lucas.
Nesse sentido, considerando-se que a prisão domiciliar do artigo 318 tem por finalidade assegurar a proteção da pessoa deficiente, esse intuito não é verificado no presente caso, já que a companhia da custodiada se mostra mais nociva do que benéfica à adolescente, especialmente pelos cuidados que foram dispensados à vítima deste procedimento.
Pontue-se, por fim, que a adolescente se encontra sob os cuidados do irmão Lucas, de 27 anos, com quem reside.
Por esses fundamentos, INDEFIRO A LIBERDADE PROVISÓRIA E CONVERTO A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PRISÃO PREVENTIVA, como forma de garantia da ordem pública, nos termos do artigo 312 do CPP.
EXPEÇA-SE MANDADO DE PRISÃO. Façam-se as comunicações de praxe.
Tendo em vista os laudos juntados aos autos, encaminhe-se a custodiada para atendimento médico.
Deve o cartório da CEAC enviar estes autos ao juízo competente por distribuição, bem como acautelar a mídia em local próprio. Cientes e intimados os presentes. Ressalte-se, como salientado acima, que a presente assentada somente vai assinada por esta Magistrada.
TERMO DE ENTREVISTA DO CUSTODIADO
Em 18 de abril de 2024, na sala de audiências deste Juízo, onde se achavam presentes a MM. Juíza de Direito, Dra. Rachel Assad da Cunha, o(a) Ilustre Promotor(s) de Justiça e o Custodiado abaixo qualificado, bem como sua Defesa, com a qual se entrevistou, reservadamente, antes de ser entrevistado. Pela MM. Dra. Juíza foi procedida à oitiva do custodiado, com a advertência de que não estava obrigado a responder às perguntas formuladas, no exercício do direito de silêncio, qualificando-o na forma abaixo:
Em seguida, foi o custodiado cientificado do Auto de Prisão e Flagrante/Registro de Ocorrência, bem como da utilização do registro fonográfico/audiovisual, ou seja, de que a entrevista será gravada em audiência. Não houve oposição do acusado quanto ao método utilizado para o registro de suas declarações. Ato contínuo foi procedida à entrevista do custodiado, conforme registro audiovisual salvo em mídia digital. Nada mais havendo, determinado o encerramento do presente. Eu, Madson André Duarte Angelim, Matr. 01/29.446, secretário de juiz, digitei, e eu, Escrivão, subscrevo.
RIO DE JANEIRO, 18 de abril de 2024.
RACHEL ASSAD DA CUNHA
Essa fonte é boa, hein.
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