Mais uma vez, um forte temporal atingiu o Rio de Janeiro e, novamente, o caos tomou conta da cidade. Desde o final da tarde da segunda-feira (8) até a manhã desta terça (9), de acordo com o Climatempo, em alguns lugares do município choveu o dobro da média que é esperada para o mês de abril. Desse modo, depois do alto índice pluviométrico, qualquer chuva que volte a cair na região representa um grande risco para as áreas de encosta. Por isso, o Rio continua em estado máximo de atenção.
Ontem, às 18h35, de acordo com a Defesa Civil (DCRJ), a capital carioca entrou em estágio de atenção. Por volta das 20h, a situação evoluiu para estágio de crise, o último nível utilizado pelas autoridades para alertar a população. Até o início da manhã, segundo a DCRJ, 45 sirenes em 26 comunidades haviam sido acionadas. Desde então, já foram notificados inúmeros pontos de alagamentos e, pelo menos, sete mortes até o momento. Entre os bairros com maior incidência de ocorrências estão Copacabana (18), Itanhangá (9), Leme e Campo Grande (8).
Ainda pela manhã, em uma coletiva de imprensa, realizada no Centro de Operações, o prefeito Marcelo Crivella anunciou que o protocolo de acionamento das sirenes deve ser revisto. Isso porque, no Morro da Babilônia, no Leme, as sirenes não foram acionadas. No local, houve um desabamento e duas mortes. Ao ser questionado sobre a necessidade de remoção das pessoas em áreas de risco, o prefeito admitiu a urgência, mas alegou que não há recursos suficientes para a ação.
Durante a entrevista, Crivella também reclamou da concentração de recursos na União e da ausência de programas federais de financiamento para casos desse tipo, para a habitação popular e instalação de planos diretores que prevejam a desocupação de áreas sujeitas aos deslizamentos de encostas e desabamentos de construções.
Rastro do Caos
Segundo informações da Prefeitura, divulgadas pelo Centro de Operações do Rio, em muitas localidades, a população avisou sobre os eventos Veja a seguir algumas das principais ocorrências:
Afundamento de pista na Avenida Itaóca, 2751, no bairro de Bonsucesso.
Afundamento de pista na Rua Marcos de Macedo e na Rua Acrísio Mota em Guadalupe.
Afundamento de pista na Avenida Professor Manoel de Abreu, 150, no Maracanã.
Incêndio em Imóvel na Rua Maria Joaquina, 500, na Pavuna.
Operação policial no Complexo do Lins.
Acidente entre um veículo e um poste na Avenida Coronel Phidias Távora na Pavuna.
Bolsão d'água na Rua Jardim Botânico, na Rua Professor Saldanha e na Pacheco Leão noJardim Botânico.
Bolsão d'água na Avenida Epitácio Pessoa, altura do Corte do Cantagalo, e na Rua Vinícius de Moraes, altura da Avenida Epitácio Pessoa em Ipanema.
Bolsão d'água na Rua Real Grandeza, altura da General Polidoro em Botafogo.
Lâmina d'água na Rua Humaitá, 380, em Humaitá.
Queda de árvore na Rua Bolívar, altura da Rua Barata Ribeiro em Copacabana
Lâmina d'água na Rua Conde de Bonfim, na altura da General Rocca, na Tijuca.
Bolsão d'água na Avenida Borges de Medeiros, n altura da Mario Ribeiro, na Lagoa.
Bolsão d'água na Rua José Higino, altura da Barão de Mesquita, na Tijuca.
Bolsão d'água na Avenida Maracanã, altura da Rua Uruguai, na Tijuca.
Bolsão d'água na Rua Voluntários da Pátria, altura da Rua Nelson Mandela, em Botafogo.
Alagamento na Avenida Maracanã, altura da Rua Soares Filho, na Tijuca.
Bolsão d'água na Rua Conde de Bonfim e Rua Uruguai na Tijuca.
Bolsão d'água na R. Voluntários da Pátria, altura Praia de Botafogo, em Botafogo.
Bolsão d'água na Avenida Atlântica, na Rua Siqueira Campos, em Copacabana.
Bolsão d'água na Avenida Abelardo Bueno, altura da Avenida Ayrton Senna, em Jacarepaguá.
Bolsão d'água na Autoestrada Engenheiro Fernando MacDowell próximo a Rocinha.
Além dos registros oficiais, dezenas de vídeos circularam pelas redes sociais revelando outros pontos de alagamentos espalhados por todo território da capital. A DCRJ confirmou que 127 chamadas foram solicitadas ao órgão. Também houve interdição de vias, túneis, linhas de trem e do metrô.
Cronologia das inundações
Historicamente, o Rio de Janeiro é marcado por grandes enchentes. Desde o ano de 1711, há registros de inundações na metrópole fluminense. Posteriormente, no mês de abril de 1756, outro temporal causou estragos pela cidade. Há relatos de que canoas foram avistadas pelo centro e os desabamentos provocaram inúmeras mortes.
No século XIX, em 1811, enchentes voltaram a atingir o Rio. Neste ano, entre os dias 10 e 17 de fevereiro, um catástrofe chamada de "Águas do Monte", devido a força da água que descia dos morros devastou o município. Na ocasião, o extinto Morro do Castelo teve vários desmoronamentos e acabou arrastando casas e matando algumas pessoas. Além disso, foi a primeira vez que estudos começaram a ser feitos sobre as causas do desastre.
Em 1906, 1924, 1940, 1942, 1966 e 1967, outra vez, as chuvas voltaram a assombrar a cidade maravilhosa. Inclusive, no século XX, ocorreram os maiores registros de inundações. Foi em 2 de janeiro de 1966 que um maiores de todos os temporais entraria para a história das tragédias cariocas.
No período, chuvas fortes duraram uma semana. Houve caos no transporte público, no sistema elétrico e de emergência. Aproximadamente 250 pessoas morreram e 50 mil ficaram desabrigadas. Nos anos seguintes, os cariocas voltariam a sofrer com os mesmos problemas, em 1988 cerca de 500 pessoas faleceram e 20 mil acabaram sem suas casas. Em 1991, foram 25 vítimas fatais. Em 1999, mais 41 mortos. Apesar das estatísticas e de tantos problemas relacionados às chuvas, nos últimos anos, o investimento em medidas de prevenção contra as enchentes diminuiu.
Para a Coordenadora do Laboratório de Geo-Hidroecologia e Gestão de Riscos do departamento de Geografia-UFRJ, Ana Luiza Coelho, é importante conceituar a diferença entre desastre e fenômeno natural em momentos como este. Para ela, as chuvas intensas são fenômenos naturais e típicos da região. Assim como, as chuvas médias não espelham as condições climáticas. Isso porque, tal condição é determinada por eventos frequentes ou extremos. Estes episódios incluem tanto as chuvas intensas quanto as estiagens.
"Nossos estudos com séries temporais longas sobre as precipitações têm demonstrado claramente um aumento da frequência das chuvas extremas. Bem como, vêm aumentando os períodos de estiagem. Sendo assim, desde o século passado, estamos vivenciando uma variação dos regimes de chuva. Agora, se por um lado as chuvas intensas representam um fenômeno da natureza, mas o desastre não é natural. Ele é uma consequência ambiental, social, econômica e política. São as perdas e os danos. Naturalmente, a pior delas são as mortes", explicou Ana.
A especialista ressalta que o volume de água da última noite não é anormal. Segundo a geógrafa, em 2010, os índices foram parecidos, mas os efeitos foram diferentes, pois as precipitações ocorreram em outros locais.
"Dessa vez, vimos a água jorrando das encostas. Muita água! Isso provou que o sistema de drenagem praticamente zerou. De fato, a magnitude da enchente foi impressionante, mas ela não é somente uma consequência da chuva. É, principalmente, o resultado da ausência de um sistema de drenagem capaz de absorver os volumes de água já esperados no verão. Embora em abril não sejam comuns, chuvas assim não são impossíveis. A verdade é que em muitos bairros a drenagem das ruas internas é muito ruim. O Jardim Botânico, por exemplo, tem muitas ladeiras. Logo, a água se transforma em enxurrada e facilmente ganha muita força. Consequentemente, tivemos fluxos muito intensos que somados a deficiência do escoamento da água e ao lixo urbano potencializaram os danos. Agora, ou a cidade investe em medidas preventivas se preparando para os eventos naturais ou continuaremos a assistir a repetição das tragédias", afirmou a geógrafa.
CPI das Enchentes
Segundo a CPI das enchentes da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, desde 2017, Prefeitura do Rio de Janeiro cortou 90% das verbas destinadas à prevenção de enchentes e 70% dos recursos para contenção de encostas e de áreas de risco geológico.
Para o movimento Baía Viva, a expressiva redução dos investimentos públicos destinados ao Controle e Prevenção das enchentes é o principal responsável pelo caos urbano provocado pelas inundações que se abateu sobre o Rio de Janeiro. Se tais medidas de planejamento e de gestão, tivessem sido adotadas preventivamente parte dos impactos, das perdas humanas inestimáveis, dos prejuízos econômicos em larga escala que afetaram a infraestrutura da cidade, destruíram bens materiais da população e do comércio, poderiam ter sido minimizados, reduzidos e até mesmo, evitados. Afinal, as tragédias anunciadas contribuem para o maior empobrecimento de quem é diretamente atingindo.
O Baía Viva acredita que apesar de um longo histórico de inundações e da conhecida vulnerabilidade da cidade em função da sua geografia formada por morros com encostas íngremes e da existência de pontos permanentes de alagamentos em diversos bairros que há tempos não tem limpeza e manutenção, pode-se afirmar que inexistem, ou melhor , existem apenas o papel, os planos e projetos voltados à prevenção e mitigação dos danos oriundos de eventos climáticos extremos.
A CPI recém instalada, já identificou que há um processo de desmonte dos órgãos e programas voltados para o controle dos problemas relacionados a tempestades e enchentes. Segundo dados divulgados pela Comissão Parlamentar de Investigação, além dos cortes já citados, em 2018 mais de duas mil famílias ficaram desabrigadas devido aos temporais.
No mesmo período, ao apresentar o plano plurianual para o orçamento dos próximos anos, Crivella cortou do programa Controle de Enchente, as ações voltadas para o controle, a fiscalização da ampliação do sistema de drenagem e a gestão e fiscalização para o desenvolvimento de projetos de drenagem urbana. Em 2019, entre janeiro e abril deste ano, o município não gastou com a manutenção da drenagem urbana da cidade e não investiu recursos em obras de contenção de encostas.
"Em um contexto de crise ambiental climática que tem se caracterizado por eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, o trabalho desta CPI das enchentes é fundamental para assegurar a obrigatoriedade de que os recursos destinados, anualmente, no orçamento do município não sejam garfados, ou cortados a bel prazer pelo prefeito. Até hoje, apesar de sua histórica vulnerabilidade, o Rio de Janeiro não dispõe de programas de prevenção e mitigação dos efeitos das inundações e de planos de contingência orientados pelos princípios da precaução e da prevenção. Soma-se aos baixos investimentos na prevenção e controle das frequentes cheias, um déficit histórico de habitação destinado às populações de baixa renda e a ausência de saneamento básico. A gestão do lixo é bastante limitada: apenas 2% das quase 10 mil toneladas de lixo produzidas diariamente pelos cariocas é reciclado: grande parte acaba nos rios, canais e valões que deságuam nas baías de Guanabara e Sepetiba e nas lagoas, o que aumenta os impactos das inundações", afirmou Sérgio Ricardo, do movimento Baía Viva.
Dessa maneira, o movimento ambientalista vai propor a CPI que seu relatório final indique como investimentos prioritários algumas das seguintes ações: a retomada dos investimentos em programas de habitação de interesse social voltados às famílias mais pobres, com prioridade para a urbanização das favelas. A implantação do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) que, apesar de ser obrigatório de acordo com a Lei Federal no. 11.445/2007 até hoje não saiu do papel. Além da adoção de um plano de prevenção e adaptação às mudanças climáticas e de resiliência urbana, com participação das universidades e comunidades.
O que diz a Prefeitura?
A reportagem do portal Eu,Rio! procurou a prefeitura para questionar sobre o corte nos gastos com prevenção e ações de combate as enchentes, mas até o fechamento desta matéria, não obteve nenhuma resposta.