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'A Justiça é lenta. Mas chega'

Seis anos depois do crime, Júri condena assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes

Atirador, Ronnie Lessa, pega 78 anos e 9 meses de prisão, Élcio Queiroz, motorista do carro de onde partiram os disparos, pega 59 anos e 8 meses


A juíza titular do 4º Tribunal do Júri da Capital Lúcia Glioche e o juiz Gustavo Kalil durante a leitura da sentença. Foto: Ascom TJRJ

O 4º Tribunal do Júri da Capital condenou, nesta quinta-feira (31/10), os ex-policiais militares Ronnie Lessa a 78 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa, e Élcio Queiroz a 59 anos e 8 meses de reclusão e 10 dias-multa, pelas mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes e por tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves.

Os réus também terão que pagar uma pensão ao filho de Anderson, Arthur, até que ele complete 24 anos, além de uma indenização, por danos morais, no valor de R$ 706 mil, à filha de Marielle, Luyara Santos; à mãe da vereadora, Marinete da Silva; à viúva de Marielle, Mônica Benício; à viúva de Anderson, Ágatha Arnaus; e ao filho do casal, Arthur.



O julgamento, iniciado às 10h30 de quarta-feira (30/10), durou mais de 20 horas, sendo concluído depois das 18h de quinta-feira (31/10). A juíza Lúcia Glioche iniciou a leitura da sentença, às 18h20.

"A sentença não serve para tranquilizar as vítimas que são os familiares. Homicídio é um crime traumatizante. A pessoa que é assassinada deixa um vácuo que palavra nenhuma descreve. Toda a minha solidariedade, do Poder Judiciário, às vítimas". Ainda de acordo com a juíza, a sentença se dirige aos acusados e a vários Élcio´s e vários Ronnie´s que existem no Rio de Janeiro. As famílias se emocionaram no plenário, após a leitura da sentença.

Ouça no Podcast do Eu, Rio! a reportagem da Rádio Nacional sobre a condenação dos assassinos da vereadora do PSOL Marielle Franco e do motorista do mandato, Anderson Gomes.

Ao anunciar o resultado, a juíza Lúcia Glioche agradeceu aos jurados, “que representaram toda a população da Cidade do Rio de Janeiro” e destacou que a sentença se dirige aos vários Ronnies e aos vários Élcios que existem na cidade.

“Fica aqui para os acusados presentes e para os vários Ronnies e vários Élcios que existem por aí ainda soltos a seguinte mensagem: a Justiça, por vezes, é lenta, cega, burra, injusta, errada e torta. Mas ela chega. A Justiça chega mesmo para aqueles que como os acusados acham que jamais seriam atingidos pela Justiça. Com toda sua dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o bem mais importante depois da vida: a liberdade. A Justiça chegou para os senhores Ronnie e Élcio”, disse a magistrada.

Desfecho ficou próximo com prisão de supostos mandantes, Chiquinho e Domingos Brazão

Marielle Franco tinha pouco mais de um ano de mandato como vereadora quando foi assassinada, no bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, na noite de 14 de março de 2018. Ela voltava de um encontro de mulheres negras na Lapa, quando seu carro foi alvejado, atingindo fatalmente também o motorista dela, Anderson Gomes. A assessora de imprensa da parlamentar Fernanda Chaves, que estava ao lado de Marielle no carro, foi ferida por estilhaços. Os 13 tiros disparados naquela noite cruzaram os limites da cidade, e a atenção internacional voltou-se para o Rio de Janeiro. A morte de uma representante eleita pelo povo foi entendida por setores da sociedade como um ataque à democracia.

O crime deu início a uma complexa investigação, envolvendo várias instâncias policiais. Depois de muitas reviravoltas, chegou-se à prisão dos ex-PMs Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. Mas o desfecho do caso só começou a ser vislumbrado em 2024, com a prisão dos suspeitos de serem os mandantes, os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, além do chefe da Polícia Civil na época da morte, o delegado Rivaldo Barbosa. O processo que envolve os supostos mandantes está no Supremo Tribunal Federal.

Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram denunciados pelo GAECO/MPRJ por duplo homicídio triplamente qualificados, um homicídio tentado, e pela receptação do Cobalt utilizado no dia do crime, ocorrido em 14 de março de 2018.

"É um momento histórico para o Ministério Público ter a primeira denúncia de homicídio acolhida integralmente aqui pelo IV Tribunal e importantíssimo para que nós possamos levar adiante o cumprimento do acordo dos réus e que, caso, esperamos que não, mas caso eles descumpram, venham a cumprir a pena integralmente imposta a esse crime", afirmou o coordenador da FTMA/MPRJ, promotor de Justiça Eduardo Morais. Além de Eduardo Morais e Mário Lavareda, Paulo Mattos da FTMA/MPRJ, Fabio Vieira e Audrey Marjori, das Promotorias que atuam junto ao Tribunal do Júri da Capital, atuaram no julgamento.

Juíza destaca limites da Justiça, que não tem condão de trazer mortos de volta

Eis a íntegra da sentença da juíza Lúcia Glioche:

"O júri é uma democracia. Democracia esta que Marielle Franco defendia.

Aqui prevalece a vontade do povo em maioria. Aqueles que atuam como os jurados nada recebem; prestam um serviço voluntário, gratuito, representando a vontade do povo no ato de julgar o semelhante, que é acusado de ter praticado um crime tão grave que é querer tirar a vida da outra pessoa.

Portanto, senhores jurados, obrigada em nome do Poder Judiciário. Obrigada em nome da população da cidade do Rio de Janeiro.

A sentença que será lida, agora, talvez não traga aquilo que se espera da Justiça. Talvez justiça que tanto se falou aqui fosse que o dia de hoje jamais tivesse ocorrido. Talvez justiça fosse Marielle e Anderson presentes. Como se justiça tivesse o condão de trazer o morto de volta.

Então dizemos que vítimas do crime de homicídio são aqueles que ficam vivos, precisando sobreviver no esgoto que é o vazio de permanecer vivo sem a vida daquele que foi arrancado do seu cotidiano.

A sentença não serve para tranquilizar as vítimas, que são Marinete, mãe de Marielle; Anielle, irmã de Marielle; Mônica, esposa de Marielle; Luyara, filha de Marielle; Ágatha, esposa de Anderson, e Arthur, filho de Anderson.

Homicídio é um crime traumatizante — finca no peito uma dor que sangra todo dia, uns dias mais, uns dias menos, mas todos os dias.

A pessoa que é assassinada deixa uma falta, uma carência, um vácuo. Que palavra nenhuma descreve. Toda a minha solidariedade e do Poder Judiciário às vítimas.

A sentença que será dada agora talvez também não responda à pergunta que ecoou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo: Quem matou Marielle e Anderson?

Talvez ela não responda aos questionamentos dos 46.502 eleitores cariocas que fizeram de Marielle Franco a 5ª vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro nas eleições municipais de 2016 — e que tiveram seu direito de representação ceifado no dia 14 de março de 2018.

Todavia, a sentença que será lida agora se dirige aos acusados aqui presentes. E mais: ela se dirige aos vários Ronnies e vários Élcios que existem na cidade do Rio de Janeiro — livres por aí.

Eu digo sempre que nesses 31 anos que eu sirvo ao sistema de Justiça, nenhum de nós do povo nunca saberá o que se passou no dia de um crime. Quem não estava na cena do crime, não participou dele, nunca sabe o que aconteceu.

Mesmo assim, o Poder Judiciário e hoje os jurados precisam julgar o crime com as provas que o processo apresenta, e trazer às provas para o processo, para os jurados é árduo.

Porém, com todas as dificuldades e todas as mazelas de investigar um crime, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou os acusados. Eles foram processados e tiveram garantido o seu direito de defesa — e foram julgados.

Por anos exercendo a plenitude do direito constitucional de autodefesa, os acusados juraram inocência, pondo a todo o tempo em dúvida a prova trazida contra eles. Até que um dia, no ano passado, 2023, por motivos que de verdade a gente jamais vai saber, o acusado Élcio fez a colaboração premiada. Depois o acusado Ronnie a fez também.

Os acusados confessaram a execução e a participação no assassinato da vereadora Marielle Franco.

Por isso, fica aqui para os acusados presentes e serve para os vários Ronnies e vários Élcios que existem por aí, soltos, a seguinte mensagem:

A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega.

A Justiça chega mesmo para aqueles que, como os acusados, acham que jamais vão ser atingidos pela Justiça. Com toda dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o bem mais importante depois da vida, que é a liberdade.

A Justiça chegou para os senhores Ronnie Lessa e Elcio de Queiroz. Os senhores foram condenados pelos jurados do 4º tribunal do júri da capital:

a 78 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa para o acusado Ronnie;

a 59 anos de prisão e 8 meses de reclusão e 10 dias-multa para o acusado Élcio.

Saem os 2 condenados a pagar até os 24 anos do filho de Anderson, Arthur, uma pensão.

Ficam os 2 condenados a pagar, juntos, R$ 706 mil de indenização por dano moral para cada uma das vítimas — Arthur, Ághata, Luyara, Mônica e Marinete.

Condeno os acusados a pagarem as custas do processo e mantenho a prisão preventiva deles, negando o direito de recorrer em liberdade.

Agradeço as partes, a Defensoria Pública, às defesas dos 2 acusados. Agradeço aos serventuários da Justiça, aos policiais militares. Renovo o agradecimento aos jurados.

Encerro a sessão de julgamento e quebro a incomunicabilidade.

Tenham todos uma boa noite".

Procurador-Geral de Justiça destacou caso como prioridade para o Ministério Público

"Desde que cheguei na Procuradoria-Geral de Justiça, esse caso é uma prioridade para nós. Tivemos todo o nosso empenho e criamos uma Força-Tarefa envolvendo vários colegas. Hoje estive aqui, ao lado dos promotores, nesse momento crucial, atuando para a aplicação de uma pena adequada e realização da verdadeira Justiça nesse caso”, afirmou o procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos, que esteve no plenário nesta manhã.

Durante as falas da acusação, de frente para os sete jurados, o promotor de Justiça Mário Lavareda pediu que o Conselho de Sentença desse uma resposta à sociedade. “O Ministério Público e as vítimas, que aqui contam com uma dupla representação, muito bem executada pela bancada da assistência, vêm pedir, vêm postular, que os senhores condenem, que deem uma resposta, que deem um recado, que digam que isso não é admitido, que digam que isso não é aceitável no Rio de Janeiro”, sustentou o promotor.

O segundo dia de julgamento começou com as alegações finais. Os promotores do GAECO/FTMA entregaram ao Conselho de Jurados um kit contendo um caderno com 207 páginas do processo e um envelope com imagens do local do crime. Na quarta-feira (30/10), primeiro dia do julgamento, foram ouvidas nove testemunhas. As sete indicadas pelo MPRJ foram a jornalista Fernanda Chaves, que estava no carro no momento do crime; Marinete Silva, mãe de Marielle; Mônica Benício, viúva da vereadora; Ágatha Arnaus, viúva de Anderson; Carolina Linhares, perita criminal e os agentes da Polícia Civil Luismar Cortelettili e Carlos Alberto Paúra Júnior. Também foram ouvidos, como testemunhas de defesa de Ronnie Lessa, o agente federal Marcelo Pasqualetti e o delegado da Polícia Federal Guilhermo Catramby.

Ainda no primeiro dia, os réus foram ouvidos por videoconferência. Ronnie está preso no Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo; e, Élcio, no Complexo da Papuda, presídio federal em Brasília. Eles foram presos na operação Lume, deflagrada pelo MPRJ e pela Polícia Civil, em março de 2019. O processo que levou à condenação de Lessa e Queiroz contou com 13.680 folhas, 68 volumes e 58 anexos.

Processo: 0072026-61.2018.8.19.0001


Tribunal de Justiça e Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

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