Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, na última quarta-feira (22), o chamado "assédio judicial" contra jornalistas e veículos de imprensa. Com a decisão, a Corte confirma a ilegalidade do ajuizamento de inúmeras ações judiciais para constranger ou dificultar o exercício da liberdade de imprensa.
Pelo entendimento, as ações nas quais pessoas citadas em matérias jornalísticas buscam indenizações devem ser julgadas pela Justiça da cidade onde o jornalista mora. Atualmente, quem processa pode escolher a cidade em que a ação vai tramitar, pulverizando os processos contra a imprensa.
Os ministros também acrescentaram na decisão que a responsabilização de jornalistas e veículos de imprensa deve ocorrer somente em caso de dolo ou culpa grave, ou seja, por negligência profissional, com a intenção de prejudicar a pessoa citada em uma reportagem.
O julgamento foi motivado por ações protocoladas pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
A questão foi decidida com base no voto do ministro Luís Roberto Barroso. O ministro citou casos de 100 ações ajuizadas ao mesmo tempo em diversos estados contra jornalistas. As ações são movidas por pessoas citadas em reportagens para buscar indenização por danos morais.
Durante a sessão, Barroso disse que o Brasil possui um "passado que condena" em questões sobre liberdade de imprensa.
"A história do Brasil teve censura à imprensa, com páginas em branco, receita de bolo, poemas de Camões, todas as músicas tinham que ser submetidas ao departamento de censura, o balé Bolshoi foi proibido de ser encenado porque era [considerado] propaganda comunista", comentou.
A ministra Cármen Lúcia acrescentou que o assédio judicial contra jornalistas é uma forma de perseguição.
"Se nós vivemos a década de 1970, com toda forma de censura, hoje nós temos outras formas de censura particulares. Nós não queremos defender e dar guarida a novas formas de censura, estamos falando de liberdade", completou.
IAB se manifesta
O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) divulgou, nesta quinta-feira (24), nota de comemoração à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhece como assédio judicial o ajuizamento de inúmeras ações simultâneas sobre os mesmos fatos, em locais diferentes, para constranger jornalistas ou órgãos de imprensa e dificultar ou encarecer a sua defesa. A entidade atuou como amicus curiæ nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7055, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), e 6792, da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
A nota, assinada pela presidente nacional do IAB, Rita Cortez, e pelo procurador do Instituto, Fernando Orotavo Neto, classifica a decisão como uma grande vitória judicial. “Num mundo em que cada vez mais reina a intolerância no campo das ideias, é preciso dar voz aos jornalistas, sem medo ou intimidações, mas com responsabilidade”, ressaltou Cortez. Já Fernando Orotavo Neto destacou a importância histórica do julgamento: “O Direito não pode ser utilizado como ferramenta de guerra para consagrar perseguições ou para deslegitimar a proteção aos direitos fundamentais, especialmente os direitos à liberdade de expressão e de imprensa”.
Por divergência aberta pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, quando for caracterizada a prática do assédio judicial, a parte acusada poderá pedir a reunião de todas as ações no local onde reside.
Leia a nota na íntegra:
"IAB ATUA COMO AMICUS CURIÆ EM DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E OBTÉM HISTÓRICA VITÓRIA NO STF CONTRA O ASSÉDIO JUDICIAL A JORNALISTAS
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 6.792 e 7.055 , tendo nele funcionado os ministros Rosa Weber e Luís Roberto Barroso, entendeu por acolher parcialmente os pedidos formulados pela ABI – Associação Brasileira de Imprensa, fixando tese no sentido de que:
"1. Constitui assédio judicial comprometedor da liberdade de expressão o ajuizamento de inúmeras ações a respeito dos mesmos fatos, em comarcas diversas, com o intuito ou o efeito de constranger jornalista ou órgão de imprensa, dificultar sua defesa ou torná-la excessivamente onerosa;
2. Caracterizado o assédio judicial, a parte demandada poderá requerer a reunião de todas as ações no foro de seu domicílio;
3. A responsabilidade civil de jornalistas ou de órgãos de imprensa somente estará configurada em caso inequívoco de dolo ou de culpa grave (evidente negligência profissional na apuração dos fatos)".
O caso de grande repercussão na ocasião gerou manifestação de indignação do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), por agredir um dos pilares do Estado Democrático de Direito, que em razão disto resolveu pedir ingresso nas ações como amigo da corte (amicus curiæ), em requerimento subscrito por sua então e agora atual presidente nacional, Rita Cortez.
Conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 53 do Código de Processo Civil, o pleno da Corte determinou que, havendo assédio judicial contra a liberdade de expressão, caracterizado pelo ajuizamento de ações a respeito dos mesmos fatos em comarcas diversas, com o notório intuito de prejudicar o direito de defesa de jornalistas ou de órgãos de imprensa, as demandas devem ser reunidas para julgamento conjunto no foro de domicílio do réu; e (ii) relativamente aos arts. 186 e 927, caput, do Código Civil, estabeleceu que a responsabilidade civil do jornalista, no caso de notícias que envolvam pessoa pública ou assunto de interesse social, dependem de o jornalista ter agido com dolo ou com culpa grave, afastando-se a possibilidade de responsabilização na hipótese de meros juízos de valor, opiniões ou críticas ou da divulgação de informações verdadeiras sobre assuntos de interesse público.
O advogado Fernando Orotavo Neto, que assumiu nesta nova gestão a Procuradoria da Casa de Montezuma, ressalta a importância histórica do julgamento: “O combate ao lawfare é muito importante porque o direito não pode ser utilizado como ferramenta de guerra para consagrar perseguições ou para deslegitimar a proteção aos direitos fundamentais, especialmente os direitos à liberdade de expressão e de imprensa, tão ostensivamente caros ao Estado Democrático de Direito”.
Ambos concluem que em boa hora, o STF definiu como abuso de direito o assédio judicial a jornalistas sem esquecer de definir os limites éticos que envolvem a atuação da imprensa.
A decisão do STF foi publicada em 24.04.2025 e é um marco no que se refere à não responsabilização civil de jornalistas na hipótese de mero juízo de valor, de opiniões ou críticas, ou fundadas na divulgação de informações verdadeiras sobre assuntos de interesse público.
Nas palavras de Kenneth Paulson, um dos maiores defensores da liberdade de imprensa, todo cidadão tem o direito de dizer “eu não acredito no que você acredita”. Num mundo em que cada vez mais reina a intolerância no campo das ideias, é preciso dar voz aos jornalistas, sem medo ou intimidações, mas com responsabilidade. E foi isto que fez o STF: nada mais, nada menos!
Sem dúvida, uma grande vitória judicial.
Rio de Janeiro, 24 de abril de 2025.
RITA CORTEZ
Presidente nacional do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)
FERNANDO OROTAVO NETO
Procurador do IAB".