A relação entre juízes, promotores, advogados e delegados dominou parte dos debates na audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, na quarta-feira (19). O ex-magistrado rebateu a acusação de que agiu de forma parcial na Operação Lava Jato com números. Segundo ele, foram 90 denúncias, 45 sentenças e 44 recursos interpostos pelo Ministério Público. De 291 acusados, 211 foram condenados e 63 absolvidos, o que demonstra não ter havido convergência de ações. Na quarta que vem, Moro volta a ser sabatinado, desta vez na Câmara dos Deputado, a convite da Comissão de Trabalho e Administração Pública.
— Qual o conluio? Qual a convergência? O que havia no fundo era muita divergência. Também existe parcial convergência: não quer dizer que, se absolvo alguém, tenho conluio com advogado. E também não quer dizer que, se condeno alguém, tenho acordo com o Ministério Público. A Lava Jato não era de atuação exclusiva minha. Aliás, nunca um juiz teve tanto recurso contrário às suas decisões como eu, por que os casos eram difíceis e envolviam pessoas poderosas. Quem foi condenado foi condenado nas provas que cometeu corrupção. E grande corrupção — explicou.
Ainda segundo o ministro, são normais na Justiça brasileira as conversas entre integrantes do processo, e o aplicativo Telegram usado era apenas para agilizar a troca de informações. Ele disse que também recebia advogados, como comumente outros juízes fazem.
— Eu recebi advogados em minha sala. Conversávamos informalmente. Não é adiantamento de decisão, não é conselho, mas uma interlocução normal em qualquer fórum de Justiça. O dado objetivo é que não há nenhuma espécie de conluio [...] O aplicativo foi apenas uma troca mais rápida de conversa, se é que são de todo autênticas. Não tem nenhum aconselhamento, apenas uma interlocução. Não tem comprometimento da impessoalidade. Onde está o comprometimento da imparcialidade? — indagou.
Líder do governo sustenta que conversas com juiz no curso do processo são 'despachos auriculares'
O líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) defendeu o ex-magistrado e disse que Moro foi vítima de autores de crimes cujos autores precisam ser identificados. Ainda segundo o senador, quem conhece o sistema jurídico brasileiro sabe que conversas no curso do processo acontecem, são os famosos "despachos auriculares".
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), por sua vez, lembrou que a maioria das operações anteriores contra a corrupção no Brasil foram sepultados em brechas jurídicas ou estratégias políticas. E, segundo ele, as decisões da Lava Jato foram objeto de centenas de recursos interpostos pelos melhores advogados e pelas bancas mais caras e, ainda assim, resistiram incólumes.
— Tem gente condenada em quatro instâncias. Os melhores advogados do Brasil. E cabe perguntar: pagos, não se sabe como. E ninguém pode fingir inocência em não saber o nível de acesso dos advogados aos tribunais. Mesmo assim, a maioria das decisões foi mantida. As provas foram absolutamente sólidas. O que restou aos condenados e ao grupo político ferido de morte é uma batalha de narrativas políticas. Nesse caso, as instituições brasileiras foram testadas a exaustão. Recursos infidáveis. E o que sobrou foi isso — opinou.
Os senadores Marcos do Val (Cidadania-ES) e Soraya Thronicke (PSL-MT) também saíram em defesa do ministro Moro. Para ele, os vazamentos das conversas — as quais, segundo ambos, não se pode atestar a veracidade — deixa claro a tentativa de se barrar a luta contra a corrupção no país.
Oposição acusa Moro e Dallagnol, flagrados em acertos da deflagração de operações, de violarem isonomia
O senador Weverton (PDT-MA) fez questão de ressaltar que não se trata de discutir a luta da sociedade brasileira contra a corrupção, mas a conduta de um ex-juiz num processo. Para ele, os brasileiros merecem e precisam saber a verdade. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que foi delegado de polícia, não tem a mesma certeza. Para ele, o comportamento de Sérgio Moro e do procurador Deltan Dallagnol violou o que há de mais "sagrado no processo penal": a isonomia e o tratamento igual entre as partes.
— Se eu tivesse contato por WhatsApp com advogado de contra quem instaurei inquérito, acho que sairia preso da delegacia do qual era titular. O juiz está para o processo assim como o delegado para o inquérito — afirmou.
Já o senador Rogério Carvalho (PT-SE) quis saber se Moro manteve contatos regulares com desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF-4). Ele também quis saber se a esposa do ex-juiz advoga ou já advogou para empresas internacionais do setor petrolífero, se o juiz havia pago R$ 170 mil para um curso de media trainning para ir ao Senado prestar esclarecimentos e sobre a dosimetria das penas impostas.
— Essas perguntas são para saber que relação o senhor tinha com outros membros da operação, já que o senhor o tempo todo disse como o Ministério Público deveria agir. O senhor não guardou distância — alegou.
O ministro disse que a mulher dele nunca trabalhou para petrolíferas e sequer atua nas áreas cível e penal e negou ter feito curso de mídia. Ainda segundo ele, no curso da Lava Jato, houve fake news dizendo que ela atuaria para a Shell e que ele estava a serviço do serviço de inteligência americano.
— Esse fato não existiu. O senhor está fantasiando. Desde que ocorreram os fatos, procuramos parlamentares para esclarecer, e o único auxilio que tenho recebido é da assessoria de imprensa do Ministério da Justiça. Não preciso de mídia para vir aqui falar a verdade — afirmou.
Sérgio Moro disse ainda nunca ter dirigido atuações dos tribunais superiores e nunca ter conversado sobre dosimetria de pena em juízo recursal. Ainda segundo ele, é normal o quantitativo das penas serem revistas.
O senador Cid Gomes (PDT-CE) pediu a instalação de uma CPI para propor medidas para dar mais segurança ao sigilo das comunicações e investigar um possível acordo entre o juiz e o Ministério Público.