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Patrimônio cultural e imaterial do Brasil: sua majestade, o Forró

Até 2020, o arrasta-pé vai entrar para a lista dos patrimônios culturais brasileiros

Por Jonas Feliciano em 27/06/2019 às 21:05:38

Imagem: ACBN

Ainda este ano, o forró pode virar Patrimônio Cultural do Brasil e o Rio de Janeiro é um dos locais contemplados pela pesquisa do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). De acordo com Instituto, o estudo deve investigar a complexidade das Matrizes Tradicionais do Forró. Desse modo, a contemplação do estado fluminense é apenas uma das etapas do processo de registro que avaliará a possibilidade do ritmo ser enquadrado na lista de patrimônios culturais.

Segundo o IPHAN, o marco do processo ocorreu em maio deste ano com o seminário "Forró e Patrimônio Cultural". No evento, forrozeiros, artistas, músicos, artesãos, dançarinos, gestores públicos e culturais, produtores e pesquisadores do Nordeste e de outros estados contribuíram com uma maciça presença para discutirem sobre o assunto.

Ainda de acordo com o órgão, tudo começou em setembro de 2011, quando a Associação Cultural Balaio do Nordeste (ACBN) encaminhou o pedido de registro das Matrizes Tradicionais do Forró como Patrimônio Cultural do Brasil. A partir da solicitação, o órgão tem trabalhado em parceria com a Associação, o Fórum Nacional Forró de Raiz e outras instituições.

Vale destacar que a ACBN nasceu em 2008. Desde a sua criação, a entidade atua na promoção cultural do forró e de todas as atividades ligadas ao ritmo. Entre os seus resultados mais relevantes destaca-se o nascimento da Orquestra Sinfônica Balaio Nordeste que surgiu por meios das oficinas de acordeon promovidas em colaboração com a FUNJOPE (Fundação Cultural de João Pessoa).

Além disso, seus integrantes também fundaram a Escola de Música Mestre Dominguinhos para atender os associados e o público em geral que se interessa pela música, mas que por razões socioeconômicas não podiam frequentar as aulas. Ao longo de uma década, o trabalho da ACBN já beneficiou, de forma direta e indireta, mais de 13 mil pessoas.

Em maio de 2015, a entidade realizou o Encontro Nacional com o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Economia Solidária e Educação Popular - NUPLAR/UFPB, a Secretaria de Cultura do Estado da Paraíba, a Universidade Estadual da Paraíba, do IPHAN-PB e do Departamento do Patrimônio Imaterial. Na ocasião, o movimento fortaleceu a sociedade civil com o intuito de registrar as matrizes do forró e de propor políticas públicas para o fomento e a valorização do ritmo.

Cerca de 250 participantes, de diversas comunidades forrozeiras do país, também se reuniram no II Fórum Forró de Raiz para uma Audiência Pública da Comissão de Desenvolvimento Regional e de Turismo do Senado(CDR). Na época, os shows manifestos contaram com a participação de 50 artistas. Depois de 14 fóruns estaduais foi possível finalizar a elaboração de uma carta com as diretrizes relacionadas à valorização do forró em todo o Brasil. Sempre levando em consideração as condições de trabalho, as aspirações e as dificuldades que os músicos vivenciam em seus respectivos municípios e estados.

Para o professor André Piva, colaborador da Associação Cultural Balaio Nordeste e docente em jornalismo, o trabalho é realizado com muita persistência e com a ajuda de alguns dos seus alunos. Com orgulho, ele ressaltou as conquistas da ACBN.

"Somos uma entidade protagonista e líder na campanha de tornar o forró patrimônio cultural imaterial do Brasil. Um objetivo que deverá ser conquistado ainda este ano. A celebração dos cem anos de nascimento de Jackson do Pandeiro, com vários eventos comemorativos em toda a Paraíba, no Nordeste e em outros estados do País vai ser um argumento precioso para reforçar a campanha do registro do forró como um patrimônio cultural. Com certeza, a teia comunicacional e simbólica sobre os cem anos de Jackson dotará as apresentações da nossa Orquestra de um glamour especial", celebrou André.

De pai para filho

Trio Severino e sua Gente / Imagem: Divulgação

Em 1974, quando seu Severino do Ingá saiu da cidade de Ingá do Bacamarte, no interior da Paraíba, ele tinha um sonho: tocar com nomes como Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. A paixão pelo forró lhe trouxe para o Rio de Janeiro e, enquanto batalhava por um espaço, deixou a esposa e dois filhos no Nordeste.

Na capital carioca, em suas andanças e shows, conheceu alguns conterrâneos universitários. Entre eles, Tânia Alves, Elba Ramalho e Lourival Lemes. De 1974 a 1978, se juntou ao grupo de forró pé-de-serra "Forrobodó". Depois disso, decidiu voar mais alto e criou o próprio nome: Severino e sua gente. Com garra e muito amor ao ritmo se tornou um artista popular reconhecido no Rio. Apesar de nunca ter tido a oportunidade de gravar um disco, se apresentou na Feira de São Cristóvão, no Teatro Rival e na Sala Cecília Meirelles.

Em 2012, seu Severino faleceu, mas felizmente deixou suas raízes. Joday Damásio, 38, seu filho mais novo, deu continuidade ao trabalho de amor e resistência que há tantos anos norteou a vida do nordestino guerreiro. Ele contou como foi o processo de aproximação com o forró e como isso mudou a sua vida.

"Na verdade, eu era rockeiro. Por admiração e amor ao meu pai, sempre o acompanhei nos shows. Foi assim que aprendi a tocar triângulo e passei a participar das apresentações. Nós vivemos o boom do forró universitário na década de 90. Percebemos como o estilo musical se destacou no Sul e Sudeste. Participamos de momentos incríveis na Cantareira, em Niterói, com centenas de pessoas curtindo o nosso som e o de outros forrozeiros. Tive o prazer de viver isso ao lado dele", relembrou Joday.

Após a morte do pai, ele disse que pensou em desistir e voltar a trabalhar como engenheiro, a sua formação original. Passaram-se seis meses e a saudade bateu. Incentivado por sua esposa Camila Araújo, Joday começou a fazer aulas de acordeon com o maestro Waldemir Duarte, um grande amigo do seu Severino. Logo, não demorou muito para que fãs e amigos pedissem o retorno do grupo.

"As pessoas começaram a me ligar e o maestro Waldemir me intimou. Ele me disse que pelo meu pai não poderíamos parar. Assim como, que seria o novo sanfoneiro do Severino e sua gente. Daí, o amor ao forró falou mais alto e não resisti. Voltamos", disse Joday.

Desde então, o grupo "Severino e sua gente" segue na estrada e com a mesma formação de sete anos atrás: Joday Damásio, no triângulo e voz, Camila Araújo, na zabumba e voz, e o maestro Waldemir Duarte na sanfona.

Hoje, o filho daquele sanfoneiro de Ingá do Bacamarte, diz que se emociona ao saber que o forró pode se transformar em Patrimônio Cultural e Imaterial do Brasil. Para ele, vai ser uma das maiores justiças feitas pelo ritmo que já lhe trouxe tantas alegrias.

"O forró é uma paixão, uma música que está muito além do som. Ele é o retrato de um povo e de uma cultura que, há décadas, tem levado o nome do Brasil para outros lugares do mundo. Um universo que abraça e balança o coração dos seus amantes. Tenho muito orgulho de viver do que faço. Eu me sinto feliz em saber que vencemos preconceitos e conquistamos tanto espaço. Valeu a resistência do meu pai e de tantos outros grandes artistas espalhados pelo país. Esse reconhecimento é mais uma vitória", comemorou o músico.

Do pé-de-serra ao estilizado: o forró é de todo mundo

Rita de Cássia / Imagem: Divulgação

Há 31 anos, a cantora e compositora, Rita de Cássia, é uma das maiores representantes do forró eletrônico. Na sua trajetória de sucesso, já são 400 canções gravadas e mais de 500 compostas. Entre elas, clássicos do grande auge que viveu o estilo como "Meu vaqueiro, meu peão", "Tatuagem", "Saga de um Vaqueiro" e muitas outras consagradas pelo público forrozeiro.

Nascida no interior do Ceará, em Alto Santo, terra do poeta Bráulio Bessa, Rita também cresceu em um meio de forrozeiros. O avô, o pai e o irmão tocavam sanfona. Por isso, a paixão foi inevitável. No início da carreira, começou tocando na banda "Som do Norte" e foi no grupo que compôs as suas primeiras canções.

"A minha primeira experiência profissional com o forró aconteceu em família mesmo. Por meio do meu irmão, eu entrei na banda e comecei a mostrar as minhas músicas. A primeira, por exemplo, eu nem dizia que era minha, mas colocamos no repertório. As outras bandas ouviram, aprenderam e elas passaram a fazer sucesso. Acabei sendo descoberta como compositora e iniciei meu trabalho com o grupo Somzoom, compondo para grandes bandas como a Mastruz com Leite", relembrou.

Para Rita de Cássia, o reconhecimento do estilo como patrimônio cultural é algo que já poderia ter acontecido. Afinal, o forró une gerações, regiões e milhares de seguidores, independentemente da sua vertente.

"O forró é rico em cultura e uma paixão não só do Nordeste, mas de quase todo país. Grandes nomes já edificaram o ritmo através do tempo. Tanto que a aceitação, hoje em dia, é bem maior. De fato, existe uma divisão entre aqueles que curtem o forró do mestre Luiz Gonzaga e os que gostam do estilizado. Os arranjos mais modernos são muito consumidos pela juventude. Isso porque, as letras se aproximaram da realidade e da linguagem dos jovens. Eu sempre prezei pela poesia, pela declaração de amor, sem apelações. Acho que é o caminho para conquistar mais espaço no coração das pessoas e fazer com que elas queiram ouvir o forró", afirmou.

O grupo Somzoom citado pela cantora é um dos grandes percussores do "rala-bucho" estilizado. No início dos anos 90, inovou acrescentando ao forró as guitarras, o baixo, a bateria e outros instrumentos incomuns ao ritmo. O resultado foi o estouro em todo o Nordeste. À frente do conglomerado de bandas, o empresário cearense Emanoel Gurgel deu uma nova roupagem ao som tradicional e trouxe bandas como Mastruz com Leite, Cavalo de Pau e Capital do Sol para o mercado fonográfico.

Polêmicas à parte, a inovação e a coragem de Gurgel deu fôlego ao tradicional arrasta-pé. Foram milhares de CD's e Dvd vendidos, além da criação de uma rádio, uma TV e diversos outros meios que produziram forró em massa e permitiram que a música feita na região viajasse pelo país e no mundo afora.

Hoje, Gurgel também celebra a força do forró e o seu possível reconhecimento como um patrimônio cultural brasileiro.

"Acredito que o forró tem todos os atributos para se tornar um patrimônio cultural. Inclusive, por nascer como uma forma de expressão e ainda hoje continuar, mesmo com todas as nuances, sendo a fala de um povo. A voz de uma comunidade. O tempo vai passando e cada vez mais a tecnologia e as mudanças repentinas de comportamento do público faz com que esse feito tenha que ser considerado. Isso porque existe uma história em volta do forró. Desde Luiz, passando pelo Mastruz, até os nomes mais recentes que estão em evidência no mercado. É algo que naturalmente vive sua imortalidade e que culturalmente merece o reconhecimento formal e constitucional", destacou Emanoel.

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