O funcionário público B. Maciel, 53, morador do Fonseca, em Niterói; a Jornalista Arlete Nery, 44, do Méier; e o publicitário Rafael, 38, do Grajaú não se conhecem. Provavelmente, nunca se viram, mas o recrudescimento da violência no Rio de Janeiro nos últimos anos fez com que eles e suas famílias adotassem hábitos, vivenciassem situações, tivessem projetos e opiniões sobre o atual cenário muito parecidas.
B. Maciel e Arlete, por exemplo, não saem mais à noite; Rafael não mudou esse hábito, mas evita saídas noturnas quando está com o seu filho. Eles ou seus familiares foram vítimas de assaltos nos últimos anos, assim como estiveram, inesperadamente, em meio a situações de alto risco, como tiroteios. Para completar, os três pretendem se mudar do Rio em busca de segurança e adotaram alguma medida para se prevenir contra a violência, seja a instalação de sistema de segurança em casa ou o estabelecimento de simples códigos entre os familiares. "O Rio é violento desde a década de 80, quando vim morar aqui, mas do jeito que está hoje, jamais imaginaria", diz B. Maciel.
Rafael tem a mesma impressão. "Acredito que o momento de violência urbana que estamos passando é o pior de todos os tempos", diz o publicitário. Arlete tem opinião convergente: "Acho que de tempos em tempos a violência aflora no Rio. O que me parece diferente agora é que não temos mais perspectivas. Antes sempre vinham as soluções, milagrosas ou socialmente coerentes. Agora, parece que tudo já foi tentado. A solução definitiva teria que ser necessariamente a longo prazo, e essa ninguém quer bancar", analisa.
Coincidências? Ao que tudo indica, não. Coincidências se caracterizam pela casualidade, por coisas que acontecem por acaso. No Rio de Janeiro, o "acaso" é possibilidade real a que todos estão sujeitos quando se deslocam pela cidade - ou mesmo quando estão no aconchego do lar, vide o número de pessoas que são vitimadas por balas perdidas ou assaltadas dentro de casas -.
Tiroteios aumentam após a intervenção
De acordo com o aplicativo #FogoCruzado, uma plataforma digital colaborativa que registra a incidência de tiroteios e a violência armada, os números continuam a subir. De 16 de março a 15 de junho, quando a intervenção militar federal completou quatro meses, foram registrados 3210 tiroteios ou disparos com arma de fogo. Nos quatro meses anteriores à intervenção, a marca era de 2355. Apesar dos números de mortos ter diminuído de 568 para 516; e o de feridos 501 para 398 no período, a sensação de insegurança só fez aumentar. Isso porque são os assaltados e roubos a transeuntes os maiores responsáveis pelo sentimento de vulnerabilidade dos cariocas.
De acordo com o Observatório da Intervenção (www.observatoriodaintervencao.com.br), uma iniciativa do Centro de Estudos de Segurança Pública da Universidade Cândido Mendes (CeSeCUcam), que se dedica exclusivamente ao estudo da segurança no Brasil, de fevereiro a abril deste ano, foram registrados 39.668 roubos e 110 arrastões no Rio de Janeiro.
Ruas vazias e medo
Em Santa Teresa, no Centro do Rio e um dos mais badalados pontos turísticos da cidade, a situação tem afastado das suas ruas tanto visitantes como moradores, que evitam sair à noite. A professora universitária Jaqueline Prata, 36, que há oito anos morava no bairro, decidiu, há um ano, mudar-se. Mudou também alguns hábitos: pega táxi para se deslocar, mesmo quando a distância é pequena; evita sair à noite e quando sai, opta por lugares perto de sua casa; e não leva celular nem carteira. Jaqueline conta que o medo não fazia parte de sua rotina: saía e voltava para casa na hora que bem entendesse, também não se preocupava tanto com a sua segurança.
Seus hábitos mudaram depois de sofrer dois assaltados em menos de quatro meses. Um deles aconteceu ao meio-dia de um domingo, num bar onde os moradores de Santa Teresa costumam tomar café da manhã, principalmente nos fins de semana. "Estava tomando meu café, quando, de repente, dois homens em uma moto, assaltaram todos os que estavam no bar, apontando uma arma. Foi traumatizante", diz.
Madureira, na Zona Norte, templo do samba, berço de grandes escolas de samba e do hip hop carioca, também vê minguar sua vida noturna. O camelô Sílvio Gonçalves de Oliveira,46, morador de Guadalupe, Zona Norte, que trabalha naquele bairro, afirma que o movimento à noite já não é mais o mesmo. "O movimento caiu à noite. Depois das 7h ninguém aparece, não estamos vendendo nada", diz Silvio, que já foi assaltado duas vezes e também prefere não sair à noite, com receio de ser assaltado.