Investimentos para reduzir emissões poluentes, no quadro mais provável, soma US$ 2 trilhões até 2050. Brasil precisa retomar rapidamente o esforço de fiscalização que permitiu a queda do ritmo de desmatamento em 78%, entre 2005 e 2012. Sem essa guinada, mantido o cenário atual de capacidade decrescente de aplicação das leis ambientais, o País corre sério risco de ter que investir US$ 2 trilhões a mais até 2025 na adaptação de seu modelo energético. A advertência é do professor André Lucena, da Coppe/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
O investimento adicional em tecnologias de controle de emissão, motores mais eficientes e restrições a modelos poluentes de caldeiras industriais ou automóveis, todas tecnologias ainda de alto custo, vai tornar-se maior ainda, mais que dobrar, caso o cenário atual, já desfavorável, siga se agravando. Como um sinal das pressões externas que podem sobrevir a um desmatamento mais intenso, a Noruega cancelou fundo de conservação ambiental da Amazônia, orçando em US$ 1 bilhão.
“No pior quadro, em que pelas normas do Acordo de Paris o país que excede os limites de emissão tem que pagar no mercado de carbono aos que tem margem para emitir, o desembolso extra do País chegaria a US$ 5,2 trilhões até 2025. É dinheiro que deixa de ir para a Saúde, a Educação, o Saneamento. Controlar o desmatamento traz um retorno social mais amplo do que o controle ambiental, que já não é pouco”, argumenta.
As projeções do artigo, por mais que possam soar assustadoras, adotam premissas cautelosas, conservadoras. Nos cálculos das emissões geradoras de efeito-estufa, que comprometem a camada de ozônio e com isso aumentam a quantidade de raios solares que adentram a atmosfera sem filtro naturam, foram desconsiderados fatores de pressão que não pudessem ser estimados com precisão extrema.
“Por isso, não foram colocadas emissões da Pecuária e da Agricultura. Se fossem, causariam um espaço ainda menor para emissão de resíduos poluentes. Estão excluídos os efeitos das sanções comerciais impostas a produtores que não sigam padrões rígidos de controle, exemplifica Lucena.
Lucena e mais cinco professores e pesquisadores da Coppe estudaram os efeitos do retrocesso que identificam nas políticas ambientais do País. Em artigo para a atual edição da Nature Climate Change, os seis avaliam os riscos para o cumprimento das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs)”.
Essas metas foram assumidas pelo Brasil para que fosse alcançado o objetivo acordado em 2015 por mais de 190 países em Paris para limitar o aquecimento global. A meta é de limitar a um grau e meio o aumento da temperatura média anual no planeta até 2030, evitando consequências graves como o derretimento de geleiras, o aumento das marés e a perda de áreas litorâneas.
A própria elaboração do artigo “The threat of political bargaining to climate mitigation in Brazil (A ameaça da barganha política para a mitigação climática no Brasil)”, ilustra a complexidade do desafio a ser enfrentado. O artigo é assinado pelos professores da Coppe/UFRJ Roberto Schaeffer, Alexandre Szklo e André Lucena, os pesquisadores Pedro Rochedo, Alexandre Koberle e Regis Rathmann, também da Coppe/UFRJ; o professor Eduardo Viola, de Ciência Política, da UnB, e pelos professores Britaldo Soares-Filho, Raoni Rajão e a pesquisadora Juliana Leroy Davis, da UFMG. A equipe multidisciplinar estudou da evolução das emissões poluentes ao comportamento da produção agrícola, dos modelos de computador necessários ás simulações envolvendo milhares de variáveis, dos mecanismos de decisão política predominantes no Brasil às práticas legais (ou ilegais) da posse de terra no país.
Redução no desmatamento fortaleceu diplomacia econômica do País
A redução do desmatamento em 78% foi o fator decisivo para que o País reduzisse em 54% suas emissões de gases de efeito estufa (GEE), entre 2005 e 2011. Esse ritmo dispensou o País de um esforço adicional de substituição dos combustíveis fósseis, como gasolina, querosene de aviação e gás de cozinha.
Mesmo sem um programa ousado de substituição de tecnologias ou de adoção de fontes de energia renováveis, que exigisse desembolsos inviáveis em usinas eólicas ou carros elétricos para toda a frota até 2030, como a França, o Brasil estava em um bom ritmo de redução de emissões de gases provocadores de efeito estufa.
“O desafio brasileiro não é apenas limitar as emissões a 1,3 GigaToneladas em 2025, o ponto de chegada que equivale ao volume emitido em 2005. As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC's), fórmula essencial para o sucesso do acordo por serem decididas dentro de cada país, prevêm as acumulações de emissões ao longo tempo, em diferentes cenários. O orçamento de carbono alocado ao Brasil, o quanto na prática ele pode crescer sua indústria e sua produção sem comprometer seus limites de emissão, não é baseado só na chegada, mas no caminho”, compara.
Os bons resultados na proteção de biomas como o Cerrado e a Amazônia credenciaram o país a uma atuação diplomática importante no Acordo de Paris, que determina os esforços necessários aos países para limitar o aquecimento da Terra.
O problema é que o processo foi revertido internamente, tanto que de 2012 a 2017 a cobertura florestal no País reduziu-se significativamente. O acumulado no período chegou a 80%, o que anulou em parte os ganhos do período anterior.
A aprovação do novo Código Florestal, em 2012, foi O fator decisivo para a reversão do quadro, de acordo com os autores do artigo publicado na edição atual da Nature Climate Change, dedicada às mudanças climáticas e seus efeitos. Sob a argumentação de incentivar a produção de alimentos e desburocratizar a produção agropecuária, o novo Código trouxe um retrocesso gradual na governança ambiental, já durante o governo de Dilma Rousseff.
O retrocesso ganhou velocidade de 2016 em diante, com a barganha política entre a bancada ruralista e o governo federal para a aprovação de projetos de interesse.
Os deputados e senadores ligados ao agronegócio e aos grandes proprietários de terra conquistaram fatias crescentes no Congresso. "A bancada ruralista teve crescimento de 116 em 2006 para 142 em 2010 e depois 207 nas eleições mais recentes, em 2014. Representação não corresponde à maioria da população, que hoje é urbana, mas reflete o poderio econômico do segmento e sua capacidade de financiar campanhas, e, principalmente, influenciar políticas públicas nos diferentes níveis de governo," explica André Lucena.
Decisões recentes de controversas, como a aprovação em comissões de normas mais frouxas na rotulagem de produtos transgênicos e nos limites de uso dos agrotóxicos, são a face mais visível desse poderio. Nem de longe, contudo, são essas as medidas de maior impacto de curto prazo no desmatamento.
Em paralelo à pressão crescente por normas mais flexíveis, o lobby das grandes empresas agroindustriais e a atuação dos parlamentares ligados ao agronegócio reduziram o montante de recursos para os órgãos de fiscalização e controle.
“Dois fatores se combinaram para produzir o retrocesso, a flexibilização das normas e o enfraquecimento da vigilância. Acompanhamos indicadores como pessoal empregado e multas aplicadas, em ambos verificamos redução expressiva. Faltou enforcement, a capacidade de fazer cumprir a lei”, argumenta Lucena.
Essa redução recente teve forte impacto sobre o desmatamento. O chamado Enforcement personnel (funcionários do Ibama e órgãos afins) sofreu uma redução de quase 14% desde 2012. Assim, sempre de acordo com Lucena, houve uma queda na qualidade da fiscalização, agravada pela diminuição de verbas de custeio e investimento.
Sistemas de sensoriamento remoto se tornaram indispensáveis para monitorar com eficiência práticas como o desmatamento ilegal, pela intensidade e pela amplitude, dada a própria dimensão da fronteira agrícola, explica o professor da Coppe, um dos principais centros de pesquisa do País.
A origem política dos cortes de verbas nas instituições de controle e da imposição de normas menos estritas de controle é muito parecida, pois atende a interesses da bancada ruralista, da monocultura exportadora e do agronegócio em geral.
Nem sempre há ligação direta entre esses cultivos e o desmatamento. O impulso principal é fundiário. As leis atuais de uso do solo estimulam o desmatamento ilegal. Mesmo assim, antes de reunir forças para mudar as regras, é o caso de primeiro fazer valer o aparato disponível. A combinação tem que ser de cumprir processos e evitar retrocessos, receita o pesquisador.
Receita para defender principais biomas é retomar forte fiscalização
Reeditar os melhores momentos da política ambiental está longe de ser inviável. Um cenário em que o País retoma a queda de desmatamento, com uma cobrança forte como a que aconteceu antes de 2012 no Cerrado e mais ainda na Amazônia, é um cenário pouco provável no momento, na avaliação de Lucena. Tudo porque a derrubada da cobertura florestal é encarada como uma prova de beneficiamento do terreno para fins de registro fundiário. Mesmo que não plante uma única semente, o posseiro ou grileiro que desmate a área da qual pretende obter a posse tem a derrubada de árvores como elemento de prova.
Corta-se uns jacarandás, uns ipês, uns jequitibás, muitas vezes sem atenção sequer ao valor comercial maior ou menor das árvores derrubadas. Muitas das vezes sequer se transportam os toros, deixados a apodrecer no meio da mata se a distância for muito grande ou as condições da estrada precária, situação particularmente comum na Amazônia.
“Coloca-se um boi, umas poucas vacas, vigilância, e temos mais uma propriedade rural no mercado, sem a menor garantia de retorno social ou mesmo de viabilidade econômica. Garantido o registro, entretanto, torna-se uma reserva de valor e um ativo para especular, à espera do aumento da procura, anos à frente. Os mecanismos legais de registro e tributação da terra precisam mudar urgentemente. Hoje são um incentivo à acumulação improdutiva, num País de enorme concentração de renda e de terras, conclui. Não é uma história nova, a que o Brasil jamais tenha se acostumado. Só que pode tornar-se uma conta impossível de ser paga, com o advento das novas regras, que obrigam quem polui além da conta a pagar mais caro”.