O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) encaminharam recomendação conjunta ao Conselho Regional de Medicina no Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) pedindo a revogação ou revisão da Resolução Cremerj nº 293/2019. A norma "dispõe sobre a proibição de adesão, por parte de médicos, a quaisquer documentos, dentre eles o plano de parto ou similares, que restrinjam a autonomia médica na adoção de medidas de salvaguarda do bem estar e da saúde para o binômio materno-fetal". O Cremerj tem o prazo de 15 dias para responder a recomendação, assim como apresentar as medidas eventualmente adotadas para seu cumprimento.
O MPF e a DPU argumentam que a norma cria restrição ilegal e inconstitucional à autonomia de vontade da mulher quanto ao próprio corpo, proibindo que o médico observe e respeite o plano de parto, documento no qual a gestante registra suas preferências em relação a todo o processo de parto. O MPF e a DPU também sustentam "que não cabe a conselhos profissionais, sob o pretexto de elaborar normas supostamente relacionadas à ética profissional, exercer seu poder regulamentar estabelecendo verdadeiras políticas públicas diversas daquelas já legitimamente instituídas por diretrizes e convenções internacionais e pelos órgãos públicos".
A recomendação, assinada pelo procurador da República Alexandre Ribeiro Chaves e pelo defensor público Federal Thales Arcoverde Treiger, aponta a necessidade de adequação da resolução à Constituição Federal, à Lei Estadual 7.191/2016, que assegura o plano de parto no Estado do Rio de Janeiro, ao Código de Ética Médica e às Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto do Ministério da Saúde bem como às recomendações da Organização Mundial de Saúde para assistência ao parto. Segundo o procurador e o defensor, tal resolução anula o conteúdo ético-normativo da dignidade da pessoa (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal) relativo à autonomia de vontade da parturiente sobre o próprio corpo; infringe o princípio da legalidade (artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal); viola o artigo 3º, inciso III e IV, da Lei Estadual 7.191/2016, que garante à gestante a oportunidade de escolha dos métodos natais; e contraria a regra de prevalência da vontade e do consentimento da gestante nas decisões sobre seu corpo e sua pessoa, conforme os artigos 22 e 24 da Resolução CFM n° 2.217/2018 do Código de Ética Médica.
O Brasil é considerado um país onde predomina o modelo intervencionista de parto, com índice de cesarianas que representa 55,5% dos nascimentos, chegando a 84,6% na rede de saúde suplementar. "Ressaltam-se como violência obstétrica condutas comuns na assistência ao parto no Brasil, como a realização de cesáreas sem indicação contra o desejo da gestante, seja por conveniência médica, seja por dissuasão durante o pré-natal, trazendo danos físicos e emocionais para as mulheres", afirma a recomendação. A Portaria MS/SAS n. 353/2017 lista procedimentos que não devem ser adotados como rotina durante o parto, como lavagem intestinal, raspagem dos pelos pubianos, rompimento precoce de bolsa, aplicação não indicada de ocitocina, entre outros, questões normalmente abordadas no plano de parto.