A ampliação do conceito de excludente de ilicitude, previsto no Código Penal, teve a votação adiada da terça-feira (24/09) para a quarta-feira (25/09), às 14 horas, em razão do início da sessão do Congresso Nacional. Deputados do grupo de trabalho que analisa o pacote anticrime (PL 882/19 e outros) divergiram nesta terça-feira (24) sobre a proposta do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro, a ampliação do conceito permite que medo, surpresa ou violenta emoção sejam considerados como fatores para legítima defesa, em casos que o ameaçado atire ou golpeie primeiro que o suposto agressor.
O assunto ganhou visibilidade após a morte da menina Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, na última sexta-feira (20/09). Ágatha voltava para casa com a mãe em uma Kombi e acabou baleada nas costas durante uma operação em que policiais militares atiravam contra uma moto no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro.
O excludente de ilicitude estabelece que não são considerados crimes atos praticados em circunstâncias específicas, como no estrito cumprimento de dever legal (policial que atua para evitar assassinato), em legítima defesa e em estado de necessidade (roubar comida para alimentar os filhos).
A lei, entretanto, prevê que quem pratica esses atos pode ser punido se cometer excessos, como, por exemplo, o policial que imobiliza o assaltante e, mesmo assim, decide executá-lo. Nesses casos, o pacote anticrime permite ao juiz reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se esse excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.
"A legislação atual dá perfeita condição à defesa do policial. O policial pode e deve agir para proteger a sua vida e a de outrem. A legislação atual já permite. O que querem é uma sinalização de mais violência", disse o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ), ao criticar os novos limites previsto no projeto apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) criticou a ampliação das hipóteses em que o agente de segurança pública pode atuar em legitima defesa. Conforme o pacote, em caso de conflito armado ou risco iminente de conflito armado, não terá praticado crime o agente de segurança pública que agir para prevenir injusta e iminente agressão a direito ou risco de agressão à vítima mantida refém durante a prática de crimes.
"Queria que esse colegiado votasse finalmente e suprimisse a licença para matar, que é o excludente de ilicitude proposto pelo governo sob o argumento de que medo, surpresa e violenta emoção poderiam permitir extinção de punição, desconsiderando a gravidade da violência policial que mata preto e pobre da periferia do Brasil", comentou. "Ágata é apenas mais um exemplo."
A letalidade crescente da ação policial, com seis mil mortes por ano, foi invocada pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) como razão para evitar a ampliação do conceito do excludente de ilicitude. "Esse ano os homicídios baixaram, no geral, mas aumentaram os homicídios praticados por policiais. E por que? O uso da força está sendo feito sem critérios, sem cumprimento ds leis, da Constituição. E estão morrendo crianças, estão morrendo jovens. Como foi o caso da Ágatha, o caso do Evaldo, aquele músico que levou 80 tiros. Assim, nós temos que colocar o uso da força dentro da lei. O policial, quando ele sofre uma ameaça, se ele reage, ele faz em legítima defesa. Só que eles querem ampliar as hipóteses pra medo, supresa, violenta emoção, e também estender a todos os cidadãos. Isso vai aumentar o femincídio no País e nós não podemos admitir. Amanhã (quarta, 25/09) votaremos contra," concluiu.
Relator do grupo de trabalho, o deputado Capitão Augusto (PL-SP) rebateu as críticas e acusou parlamentares de oposição de serem levianos, demagogos e populistas ao relacionarem o pacote com o caso Ágatha. "Jamais o que está proposto aqui daria imunidade para um ato como esse", disse.
Segundo o relator, policiais não seriam beneficiados com redução de pena por alegar medo, surpresa ou violenta emoção. "O policial é treinado e preparado para o confronto."
Relatório seguirá para Plenário;Maia pede cautela para 'comandantes não perderem controle sobre as tropas'
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, informou na terça-feira (24/09) que o relatório final a ser aprovado pelo grupo de trabalho será levado diretamente para votação em Plenário. "O grupo vai fechar um texto, que vem como relatório para o Plenário. Quem não estiver satisfeito pode apresentar destaque para retirar aquilo que foi alterado", disse.
Maia se manifestou sobre possíveis alterações no excludente de ilicitude. "O excludente é perigoso. Tem de tomar muito cuidado com a redação, se deve ou não mexer, até para que os comandantes não percam o controle das suas tropas", argumentou. "As polícias têm de trabalhar muito mais integradas com o governo federal na prevenção e com inteligência, para que a troca de tiro não leve à perda de vidas de inocentes."
Fonte: Com Agência Câmara