No dia de hoje (08/01/2024), a classe política e vários setores da sociedade estão se reunindo para lembrar dos atos antidemocráticos ocorridos há um ano, com o objetivo de rejeitar novas ameaças e reafirmar a condenação ao que for perpetrado. À época, centenas de pessoas, influenciadas por notícias falsas, discursos de ódio e toda sorte de informações controversas, tomaram as ruas do Distrito Federal e promoveram inúmeros atos de vandalismo contra as casas dos poderes constitucionais, tudo sob a bandeira de um golpe de Estado.
No dia 22 de dezembro também de 2023, a menina Jéssica Vitória Dias Canedo cometeu suicídio em decorrência de profundo quadro depressivo após uma onda de prints de uma falsa conversa circular nas redes sociais associando a moça ao comediante Whinderson Nunes. Como disse na última frase, a conversa era falsa, pura “Fake News”. Entretanto, foi compartilhada por diversas páginas populares nas redes sociais e se tornou um viral, destruindo a paz e a vida da jovem de 22 anos.
As duas circunstâncias descritas de forma muito sucinta acima podem parecer desconexas ao leitor menos atento, mas tratam de um assunto gravíssimo, sinal dos nossos tempos: a disputa da hegemonia no controle das informações e da formação de opinião da sociedade através da manipulação da comunicação nas redes sociais e as consequências desse movimento.
Embora seja uma informação amplamente conhecida, cabe recordar que, em 2018, Bolsonaro tornou-se Presidente da República beneficiado por uma ampla rede informacional solidificada nas redes sociais, com ênfase nos grupos de Whatsapp e Telegram. Nesses ambientes, várias notícias falsas circulavam com o objetivo de detratar oponentes políticos do presidenciável. Após sua eleição, a mesma rede de intrigas continuou ativa, mirando agora na construção de um consenso social em torno da desestruturação das instituições e da legitimação de um golpe de estado. Objetivando a desarticulação dessa trama, foi instaurado o Inquérito 4.781, pelo Supremo Tribunal Federal, mais conhecido como “Inquérito das Fake News”, que objetivava a identificação e punição dos responsáveis pela propagação de desinformação. À época, várias páginas e blogs foram retirados do ar e disparadores de mensagens falsas foram presos ou processados. Essa ação enfraqueceu sobremaneira esse grupo político e desarticulou toda uma rede de Fake News que se mostrava potente e eficiente nos seus objetivos.
Agora, em dezembro de 23, com o catastrófico suicídio da menina Jéssica Vitória Dias Canedo, vítima de uma onda de Fake News propagada por páginas de fofocas nas redes sociais, uma nova discussão se iniciou quanto à extensão da dominação dos meios comunicacionais por atores privados, como agências de publicidade, movidos por interesses econômicos ou e também, algumas vezes, políticos. No caso específico de Jéssica Vitória, observou-se que uma página de conteúdo de entretenimento presente no Instagram, com mais de um milhão de seguidores, foi responsável pela primeira publicação da falsa notícia envolvendo Jéssica Vitória e o comediante Whinderson Nunes. A informação foi rapidamente replicada por outras páginas de fofoca, cada uma com milhões de seguidores o que provocou um efeito viral na rede, tornando essa notícia o assunto mais debatido nas redes no momento da explosão do tema. Em função da rápida propagação da falsa notícia, Jéssica Vitória, acometida de profunda depressão e incapaz de se defender da onda de comentários maliciosos, cometeu suicídio no dia 22 de dezembro.
Após o suicídio da jovem, deu-se início a uma investigação nas redes sociais, revelando que a falsa notícia foi vinculada e replicada por páginas de entretenimento controladas por influenciadores agenciados por uma determinada agência do que chamam hoje de “Marketing de Influência”. Essa agência em questão, teria, em tese, a função de aproximar anunciantes de influenciadores, fazendo a ponte para a produção de publicidades para os públicos numerosos dos influenciadores agenciados. Entretanto, identificou-se que a agência em questão, que possui mais de 400 influenciadores sob seu guarda-chuva, 34 páginas de fofoca, cerca de um bilhão de seguidores (somados todos os perfis de seus agenciados) e que teve receitas na casa dos 550 milhões de reais em 2023, também realiza a gestão das mídias sociais de seus agenciados, tendo então livre acesso a produção de conteúdo dos mesmos, o que garante amplo acesso a formação de opinião e condução de pautas virais. Resumindo a história e buscando facilitar para o nosso leitor, uma única agência de marketing de influência, detém, em grande medida (em função do número de seguidores de seus agenciados) a capacidade de vincular uma informação por uma de suas páginas, tornando essa informação altamente massificada através da replicação do mesmo conteúdo por outras páginas ou por influenciadores membros da mesma rede, causando a falsa impressão para a população de que determinado assunto teria maior relevância em determinado momento, conduzindo assim, a “pauta” do debate nacional.
Observando os períodos históricos presentes aqui nessa narrativa, constatamos inicialmente a capacidade de manipulação da informação nas redes sociais, algo obviamente já levado a cabo pelos canais de tv, rádio ou jornais, mas que agora se materializa em um ambiente que pretendia-se mais “democrático”. Por meio de fofocas e de entretenimento de péssimo gosto, observamos o sequestro da atenção de toda uma população que, desprovida de um ensino sólido e capaz de fornecer ferramentas promotoras do senso crítico e do livre pensar, se converte em refém de um pequeno círculo de indivíduos interessados em ganhos exponenciais com publicidade, mas que também não se furtam em difundir opiniões ou comportamentos ideológicos em doses homeopáticas através dos seus influenciadores agenciados.
A trama do uso do espaço virtual em ferramenta lucrativa e promotora de valores é complexa. Se antes, o whatsapp e telegram eram os instrumentos de difusão de grosseiras mentiras e de propagandas odientas voltadas ao ataque à democracia, nesse momento a manipulação se utiliza da sutileza, escondida atrás das cortinas do entretenimento vulgar e que se revela em pequenos e sórdidos ensaios, tão capazes de produzir escravização mental quanto os movimentos das tias do zap.
Esse breve artigo, fragmento de um conjunto de pesquisas, tem por objetivo questionar as fragilidades da nossa democracia perante a desinformação. Não é possível a construção de um ambiente de liberdade real, pautado na cultura de direitos, em uma sociedade que formula suas reflexões através de textos curtos, por meio de vídeos rasos ou que se permite a reprodução sem qualquer filtro de opiniões construídas por terceiros.
Os atos de 8 de janeiro de 2023 e o suicídio de Jéssica Vitória exemplificam, de forma objetiva, o quanto nossa população está indefesa frente às telinhas dos celulares, sujeita completamente à manipulação de opiniões e dos seus desejos. A nossa brutal falha em criar um sistema de ensino nacional voltado à produção do pensamento crítico nos deixa hoje reféns, mas ainda há esperança. Nem toda manipulação é eterna e, se você chegou até aqui nessa leitura, é porque as portas do conhecimento te encantam e não serão as lentes medíocres impostas por seguimentos da sociedade que te impedirão de tomar em tuas mãos o teu poder mais sagrado: o teu livre-arbítrio!