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IMPORTUNAÇÃO SEXUAL CONTRA A MULHER NO CARNAVAL

Em 21/02/2020 às 18:44:10

É notório que a sociedade está em constante mudança e, no que se refere aos direitos das mulheres, há grandes conquistas a serem comemoradas. Contudo, com a proximidade do Carnaval, período de extrema hiperssexualização do corpo das mulheres, principalmente de mulheres negras, é inevitável uma atenção redobrada ao combate de práticas que caracterizam algum tipo de abuso contra a mulher, sobretudo aquelas de cunho sexual.

Desta maneira, além de uma maior conscientização por parte dos homens em saber que o limite de uma cantada é o consentimento, podemos contar com uma legislação que coíbe todo e qualquer tipo de violência sexual contra a mulher, de acordo com a circunstância do ato.

Não é raro as pessoas confundirem o crime de assédio sexual com o crime de importunação sexual, principalmente pela conotação sexual da conduta do ofensor contra a vítima que, na maior parte das vezes são mulheres, em ambos os tipos penais.

Contudo, juridicamente, são práticas distintas dadas as circunstâncias em que cada crime ocorre.

Para configuração de assédio sexual é necessário que o agente prevaleça de sua “condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” para constranger a vítima com o intuito de obter vantagem sexual, conforme dispõe o art. 216-A do Código Penal.

Exemplo disso é o caso do chefe que assedia uma funcionária que ocupa cargo hierarquicamente inferior ou um professor que se vale do cargo para obter vantagem sexual de uma aluna.

Quanto à punição ao ofensor, o Código Penal prevê pena de detenção de 1 a 2 anos, que poderá ser aumentada em até um terço se a vítima for menor de 18 anos.

Antes da promulgação da Lei nº 13.718/18, que estabeleceu como crime de importunação sexual “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, tal conduta era considerada como mera contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, sendo punida apenas com multa.

Um exemplo de importunação sexual é o episódio ocorrido na última semana, em São Gonçalo, onde um terceiro sargento da Marinha, de 35 anos, foi preso em flagrante ao ejacular no braço de uma mulher dentro de um ônibus.

A conduta do sargento da Marinha se enquadra no crime de importunação sexual por caracterizar a prática de ato libidinoso contra alguém, de maneira não consensual, independentemente de haver ou não contato físico. A pena a ser aplicada é de reclusão de 1 a 5 anos, se o ato não constituir crime mais grave, conforme estabelece o art. 215-A do Código Penal.

Importante lembrar, que o ato popularmente conhecido como ‘beijo roubado’ no carnaval ou aquela passada de mão, também são considerados importunação sexual. Não importa se pegou pelo braço ou se pegou pela mão, a partir do momento que não houve consentimento e que a vítima manifesta que não tem interesse ou que está sendo violado o seu espaço individual, já configura o crime.

Um outro caso que chamou atenção na última semana foi o de uma adolescente de 17 anos que gravou e divulgou um vídeo nas redes sociais, onde um motorista de aplicativo a importunava dizendo que namoraria com ela se ela não tivesse namorado. A jovem respondia dizendo: "Mas tu tem idade para ser meu pai". E ele insistia: "Eu faria coisas que teu pai não faria. Pode ter certeza".

Ao prestar esclarecimentos na delegacia, o motorista tentou ‘justificar’ o assédio dizendo que a jovem "estava com um short do 'tipo Anitta', uma mini blusa, com as pernas abertas no banco, chamando atenção". Ou seja, ele culpou a vítima pelas suas investidas de cunho sexual.

A culpabilização da vítima em casos de assédio ou de importunação sexual nada mais é que um reflexo da cultura machista ainda muito predominante em nossa sociedade, colocando a mulher como responsável pela conduta criminosa do ofensor.

Segundo pesquisa realizada em 2019 pelo Instituto Locomotiva e pelo Instituto Patrícia Galvão1, 97% das mulheres entrevistadas informaram já ter sido vítima de assédio nos meios de transporte, o que evidencia o grau de vulnerabilidade das mulheres no transporte. Ainda de acordo com a pesquisa, restou constatado que 55% das mulheres entrevistadas informaram ser mais fácil denunciar casos de assédio no transporte por aplicativo.

Ocorre que, mesmo diante de uma maior facilidade de denúncia através dos transportes por aplicativo, isso não parece inibir a ação de motoristas que se aproveitam do momento da prestação de serviço para importunar passageiras, como este caso do motorista de aplicativo.

Portanto, inobstante a existência de uma legislação que coíba a prática deste tipo de violência contra a mulher, se faz necessária uma mudança cultural em nossa sociedade, de modo a desconstruir o pensamento que a vítima de algum modo possa provocar a agressão sofrida.

Em 2020 será o segundo carnaval em que a lei de importunação sexual estará em vigor, razão pela qual muitas campanhas têm sido lançadas no sentido de ilustrar como certas práticas, como o “beijo roubado”, o toque não consentido, a ofensa verbal e/ou física pela rejeição de uma cantada, dentre outras, são consideradas como importunação sexual.

Além disso, muito se tem discutido acerca da culpabilização das vítimas, servindo ainda estas campanhas para conscientizar que a vestimenta ou comportamento da vítima jamais será justificativa para a agressão sofrida.

Vale dizer, que segundo dados coletados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), através do Disque Direitos Humanos (100) e da Central de Atendimento à Mulher (180), em 2019, casos relacionados à denúncia por violência sexual contra crianças, adolescente e mulheres aumentam em até 20% no período do Carnaval, revelando o quanto é imprescindível redobrar a atenção para esse tipo de crime neste período do ano.

O pior de tudo é saber que, mesmo diante destes dados oficiais do governo federal, há quem se utilize de cargo público para deslegitimar a violência sofrida pelas mulheres, como o deputado estadual Jessé Lopes, do PSL de Santa Catarina, que afirmou que medidas de combate à importunação sexual são “inveja de mulheres frustradas por não serem assediadas nem em frente a uma construção civil”.

Além de desconhecer a legislação, já que o assédio se configura em outro contexto, como já mencionado neste artigo, o discurso do parlamentar revela o quão distante estamos de uma sociedade segura para as mulheres.

A lição que fica é que, mesmo em tempos de retrocessos, recuar jamais será uma alternativa. Sigamos utilizando as ferramentas legais a nosso favor e provocando as mudanças necessárias para a construção de uma sociedade cada vez mais segura e consciente dos direitos das mulheres, não somente durante o Carnaval, mas durante o ano inteiro.

Jessica Silva de Oliveira. Advogada Civilista. Direito Antidiscriminatório e da Mulher

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