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Somos todos humanos

Por que falar de consciência negra e dedicar um dia como o 20 de novembro?

Em 19/11/2020 às 14:24:10

Como ponto de partida, temos na sociedade brasileira o racismo estrutural, institucional e outras classificações contextuais. E, o Estado possui uma dívida histórica com a população negra. Outro, porque o conhecimento tende a sensibilizar, libertar e, é preciso desconstruir o senso comum, daqueles que apresentam argumentos contrários à existência do racismo no Brasil, e são avessos às ações afirmativas para este segmento.

Aprendemos desde criança que somos humanos, da espécie Homo Sapiens. Todos da mesma espécie, mas, com cores e traços diferentes. Quanto à raça, dizemos que ela é a humana, e não a amarela, negra ou branca. Porém, para o contexto social, como ensina Kabenguele Munanga e outros, ela é adotada como sentido popular também.

O regime escravagista encerrou-se, mas não as suas consequências. O 20 de novembro é uma lembrança e homenagem a Zumbi dos Palmares, porque foi nessa data que ele morreu e, precisamos entender que cada membro da família é diferente, bem como esta data é um momento de chamada de atenção e reflexão. Todos devem ser tratados com a mesma dignidade! Por que os judeus podem lembrar-se sempre do holocausto? Grupos alemães, suíços, japoneses etc, no território nacional brasileiro, não realizam suas datas comemorativas?

A nossa mestiçagem contou com tensionamentos; e não o romantismo decantado por Gilberto Freire, no livro “Casa Grande e Senzala”.

O racismo institucional existe. A escravidão foi justificada por teoria científica que dizia que os negros eram de raça inferior e podiam ser escravizados. Isso ocorreu com bastante violência, abaixo de tortura - algo que presenciamos nos dias atuais, na violência praticada pelo Estado, através da polícia, contra o grupo mais vulnerável historicamente, conforme os autos de resistência e laudos cadavéricos apontam, sobretudo, principalmente sob o argumento do combate ao tráfico de drogas, baseando-me em estudos do Instituto Ethos.

A estruturação da marginalização do negro brasileiro ocorre, inclusive, de forma legislativa.

Um ato do Império, de 1834, impedia que negros estudassem. Já em 1850 – Lei de Terras, em outro Ato do Império -, impedia que os escravizados obtivessem posse de terras através do trabalho. Ainda, previa subsídios do governo à vinda de imigrantes brancos, em detrimento e desvalorização do trabalho das negras e negros, para serem contratados no país.

Quero esclarecer que a Lei Áurea, embora tenha sido importante, em 1888, deveria ter sido elaborada com uma série de outras medidas para combater o fosso que já existia. Esse abismo, de acordo com os pesquisadores Luiz Alberto e Petronilha Beatriz, aumentou durante o século XX, apesar de ele ter sido considerado o período dos avanços tecnológicos.

Atribui-se a Denzel Washington, homem negro mundialmente conhecido por seu talento como ator e, por elegância ímpar, bem como cidadão norte-americano consciente do racismo estrutural, esta frase: “Como fazer inimigos? – Seja inteligente, elegante, sincero, honesto e feliz. Prospere... E você verá!”

Alguns sabem, mas, muitos outros desconhecem que Denzel ajudou, e muito, o ator principal do filme Panteras Negras, o também ator Chadwick Boseman, com o pagamento de seu curso universitário. Uma ação afirmativa, em prol de um jovem e promissor artista, e negro, que, talvez, sem o auxílio, teria sua trajetória perdida pelo caminho. Bom seria incutirmos este exemplo nas mentes brasileiras! Praticar ação afirmativa, promover equidade, auxiliar na travessia “de uma ponte”, são gestos de amor ao próximo.

E, para uma nação cristã, como a brasileira, um lembrete que vem de um livro best seller, a Bíblia Sagrada, Atos dos Apóstolos, capítulo 10, versículo 34: Deus não faz acepção de pessoas.

A autora Vilma Piedade nos lembra que há a Dororidade, o somatório de todas as dores de mulheres negras, o mesmo sentimento que é capaz de uni-las. E, Conceição Evaristo, outra talentosa escritora negra, nos brinda com estas reflexões: “Minha escrita é contaminada pela condição de mulher negra (...) E, pedimos que as balas perdidas percam o nosso rumo e não façam do corpo nosso, os nossos filhos, o alvo”.

Barack Obama foi o primeiro presidente negro da maior potência mundial, os EUA, correto? No entanto, ele somente tornou-se presidente e existiu por causa do Brasil. Isso mesmo! Conta-se que sua mãe, que era uma mulher branca, em um estado bastante racista, assistiu à primeira versão do filme brasileiro ‘Orfeu’ – que tratava da história romântica de um homem negro e uma mulher branca – e, algum tempo depois, ela, já sensibilizada e tendo sido desconstruída de preconceito e racismo, envolveu-se com o pai de Obama, numa universidade. Permaneceu com ele poucos anos. Tempo suficiente para que o futuro presidente e brilhante orador estadunidense nascesse.

Sobre o resultado do pleito de 15 de novembro último, espera-se que os eleitos sejam comprometidos com o com o bem viver da população e o combate ao racismo, a fim de somarem com o projeto de Nação, do qual os brasileiros tanto necessitam.

Sobre o título Diversidade Racial nas Eleições, Renato Ferreira, advogado e doutorando-pesquisador pela UFF, escreveu em seu artigo publicado no jornal Correio Braziliense: “O racismo estrutural consolidou-se como pilar da formação social, econômica e política brasileira. Passados mais de 100 anos da Abolição, o país ainda não havia adotado políticas públicas para promover a diversidade racial das pessoas negras...”

Essa ausência do Estado Brasileiro chama-se racismo institucional. Chamo a atenção para o ano de 1890, quando Marechal Deodoro da Fonseca, presidente, que chegou ao poder através de um golpe que derrubou a Monarquia, com seu decreto, regulamentou a entrada de brancos oriundos da Europa nos portos brasileiros e proibiu a entrada de imigrantes negros, oriundos da África e, índios, oriundos da Ásia. Então, o projeto era embranquecer o país.

Aos negros, recém-saídos das senzalas, restava a busca pela sobrevivência. Perceba: até o ano de 1888, nós negros, enquanto escravizados, trabalhávamos. A partir daí, ratificados pelo Decreto do Marechal, entre outras medidas, passamos ser rotulados como preguiçosos, pessoas que não gostavam (que ainda não gostam, na percepção preconceituosa de alguns) de trabalhar, vadios e, outros pejorativos, conforme percebemos em algumas reportagens e declarações explícitas, nos tempos atuais, nos telejornais, mesmo contando com um arcabouço jurídico contra injúria e discriminação raciais.

Logo após a Abolição, percebe-se, como telenovelas retrataram, a chegada de italianos, alemães... alguns, recebendo dinheiro, terras e animais. Em contrapartida, a população negra ficou sem terra, sem educação e sem trabalho. Um pouco mais adiante, em 1941, a Lei contra a vadiagem foi publicada. Quem eram os vadios?

No entanto, em qualquer lugar do planeta terra, onde nascer um ser humano, o coração será igual, assim como o estômago e o esôfago, para ficar somente nesses exemplos. Contudo, a diferença será sempre o lado exterior.

É importante salientar que vivemos na sociedade, um pensamento reinante de que a educação precisa ser voltada para o trabalho, ou seja, o materialismo influenciando de que é desnecessário preocupar-se com o ‘SER’, o despertar para o senso crítico (normalmente contido em sólidas leituras e disciplinas transversais), bastando que o indivíduo busque somente o ‘TER’.

Assim, os dados estatísticos e indicadores oficiais, ainda hoje, são fartos e inequívocos, quanto aos que formam a maioria da população demográfica brasileira, negros e mulheres, estão em desvantagens, há décadas, séculos, em relação aos brancos. Reforço isso, com os escritos de mais um homem negro, Ahyas Siss, professor-pós-doutor, da UFRRJ: o acesso da população negra ao ensino superior, sempre foi precarizado e subalternizado. Justificando, assim, as medidas compensatórias para a população negra brasileira, ainda que quase tardiamente. E sobre tardar, o saudoso jurista Rui Barbosa ensinava: “Justiça tardia não é justiça, mas injustiça qualificada. Soma-se que, 80% da malha universitária estão nas mãos da iniciativa privada. Quero dizer, somente 20% estão nas universidades públicas, que, na avaliação do MEC, são essas últimas, as melhores avaliadas na aplicação do ensino superior brasileiro, incluindo o incentivo às pesquisas.

O poder de polícia no Brasil, visa o ‘status quo’ do padrão “branquitude” e ” branquidade”, porque quem exerce, em sua grande parte, os cargos de privilégio e decisão no país, são desse padrão. No inverso, quando olhamos para o cárcere: negros (pretos e pardos) são 61,7%; brancos, somam somente 37,22%. Na população geral, negros são 53,63% e, 45,48% branca. Pode-se deduzir que isso é ideológico e filosófico, por parte do grupo que comanda o país há séculos.

Então, Se a norte-americana Angela Davis nos ensinou que não basta somente não ser racista, mas que é preciso ser antirracista, concluo que a abolição dos escravizados no Brasil está inconclusa, na qualidade de pesquisador, amparado por referenciais teóricos sérios, concluo que a abolição dos escravizados no Brasil está inconclusa, bem como, se alguém possui a chance de combater, não o faz, é porque faz parte dele. É assim que eu penso a República Federativa do Brasil.

À demain!

Ozias Inocencio ([email protected])

* Mestre Acadêmico pela UFRRJ, pesquisador étnico-cultural; Juiz de Paz – TJ/RJ e professor universitário. Autor dos livros: “Justiça Social & Igualdade Racial; Diversidade Étnica”; coautor do livro “Impunidade na Baixada Fluminense”. Pós-graduado em Segurança Pública e Justiça Criminal – UFF; pós-graduado em docência do ensino superior e médio – UCAM; graduado em Direito – UGF; Membro da ABPN – Associação Brasileira de Pesquisadores Negro(a)s.


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