No momento em que falar de direitos humanos "saiu de moda" ou é taxado como "coisa de gente de esquerda", vamos falar um pouco da história desses direitos. Um dos pontos a ser esclarecido: os movimentos sociais ou cidadãos que se posicionam contra toda a forma de exclusão e opressão, referem-se a todos os indivíduos, incluindo aqueles que possuem pendências com a justiça. No entanto, não são favoráveis ao crime, à bandidagem, à vida marginal e não possuem conluios com meliantes.
Mas, antes, desejamos lembrar que foi possível assistir no teatro Maison de France -RJ, ao espetáculo Josephine Baker – sobre a vida e obra da cantora norte-americana que optou por naturalizar-se francesa. Uma mulher negra, vibrante em seu cunho social e afetivo, que chegou a ser mãe adotiva e, inclusive, visitar o Brasil.. Morreu aos 68 anos de idade. Contudo, queremos registrar as estrofes de outro artista, um nacional brasileiro, Chico Buarque de Hollanda: (...) meu pai era paulista, meu avô pernambucano... – para muitos descendentes de africanos, torna-se difícil, quase impossível, devido ao apagamento e às crudelezas da escravidão, conseguir falar com precisão de seus ascendentes, conforme a linha genealógica.
E, que, o advogado Mahatma Gandhi, pacifista, que sem dar um único tiro, e sendo um homem "resiliente", conseguiu no ano de 1947, a libertação da Índia da colonização inglesa, disse certa vez: "Eu quero o teu Cristo, mas não aceito o cristianismo. O que estraga o cristianismo não é o Cristo, mas os cristãos, porque se eles vivessem o que o Cristo ensinou, eu seria cristão".
O que desejamos dessas citações? Associar o quanto o conhecimento poderá libertar um indivíduo e que a cultura é sensibilizadora, inclusiva e aliada na propagação dos direitos humanos.
No dia 10 de dezembro, comemora-se o Dia Internacional de Direitos Humanos, que enuncia os direitos fundamentais de todos os indivíduos. Vale notar que essa data foi instituída através de uma construção social dos chamados direitos humanos, que consolidou-se após a Segunda Guerra Mundial, ganhando força principalmente após o genocídio legalizado na Alemanha por Adolf Hitler, com a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa data foi instituída em 1948, através do esboço criado, principalmente, pelo canadense John Peters Humphrey, contando também, com o auxílio de diversos colaboradores de todo o mundo, junto à ONU.
Grandes potências europeias assinaram, EUA, países latino-americanos, mas efetivamente esses direitos humanos consolidaram a ideia de um homem, de um sujeito universal possível, com todas dicotomias atreladas. E o Brasil é signatário. Note-se bem, os direitos humanos foram consolidados dentro de uma organização internacional que representa o mundo ocidental, na sua origem, a ONU – Organização das Nações Unidas, embora pretenda agregar e incluir, com o discurso de observar e garantir os direitos e liberdades, sem distinção de raça, de sexo ou de religião, nesse sentido, não se pretendem de direita ou de esquerda, mas sim, liberais.
O artigo 5º da nossa Constituição Federal, traz as garantias individuais fundamentais. É preciso lê-lo e lembrar-se sempre de seus incisos. Os direitos humanos dos tratados internacionais são os direitos fundamentais da Constituição Brasileira e, sucessivamente, acrescidos quando ocorrem a devida recepção dos tratados internacionais dos quais o Brasil ratificou. A questão da construção social de um sujeito universal, é interessante para se destacar direitos básicos que deveriam ser respeitados em todo planeta Terra, como a liberdade e o direito à vida. No entanto, nem todas as culturas a valorizam da mesma maneira. Trata-se de uma construção social que representa uma visão de mundo liberal e burguesa e dispersa as especificidades dos vários homens e mulheres que este homem universal uniformiza.
"Não existe uma definição única de direitos humanos, mas comum a todas as abordagens é a convicção de que eles são fundamentais para vivermos com dignidade como seres humanos" (Anistia Internacional, 2019). Com isso, existem aqueles que dividem os direitos humanos em gerações, e outros que prefiram as dimensões, para não sobrepor uma geração de direitos em relação a outra, tendo em vista o tempo de sua assinatura. O direito ao meio ambiente equilibrado está no mesmo patamar do direito à liberdade, embora estejam em dimensões diferentes. E sobre meio ambiente, Luiz Eduardo Soares, em Segurança Pública Tem Saída, aponta que ele possui influência para uma sociedade violenta, quando não tratado da forma séria enquanto política pública.
Como brasileiros, o mais adequado é tratarmos esses direitos humanos como fundamentais, dispostos e incorporados constitucionalmente. Mais uma vez, quem os defende, não está à margem da Lei ou com os criminosos, como se fala nas expressões de senso comum.
Em nosso país, é comum usar-se discursivamente que os direitos humanos são de esquerda, mas se analisarmos a raiz, desmistificamos isso, como apontado.
A problemática e o recorte étnico-racial. Carlos Moore, como conceituado e respeitado autor acadêmico, diz que o racismo é um problema para os brancos resolverem, tendo em vista que, no nosso entendimento, baseado nas pesquisas científicas, foram eles que o criaram, enquanto sistema. Isso nos faz lembrar, no dia 19 de novembro de 2020, véspera do dia da Consciência Negra, mais um brasileiro "chamado João" foi brutalmente assassinado pelo racismo estrutural, em um supermercado. Dia 28 de novembro de 2020, mais uma vez, no Morro da Serrinha, outra vítima, Liliane, assassinada por conta do racismo. Assim, ele é estrutural, mas não natural!
"A borboleta que esbarra em espinhos rasga as próprias asas." (Provérbio africano).
Da norte-americana Mellody Hobson, mulher negra e executiva de sucesso, em entrevista à BBC, depreende-se de sua fala, que, daqueles com influência eurocêntrica e contrários às compensações e reparações à população negra, são todos top de linha - nos altos cargos ou nas renomadas instituições de ensino, o que não é verdadeiro. Na prática, estudos apontam que as pessoas brancas são vistas e melhor interpretadas, com valores positivos na sociedade.
Para ela, puro preconceito, difícil de ser quebrado, pois é mais fácil quebrar um átomo, lembrando a frase atribuída ao físico Albert Einstein. Mellody foi perseverante e, com isso, brilhou como estudante na universidade elitizada, a prestigiada Princeton University, em Nova Jersey - EUA, bem como na escola de igual padrão.
Pessoas brancas precisam saber que têm o privilégio da pele branca. Chama-se isso, no conceito acadêmico, branquitude e branquidade. Desde o simples hábito de um jovem branco poder sair às ruas usando uma blusa com capuz, sem ser incomodado - enquanto o negro provavelmente será observado, vigiado, importunado, se não for abordado -, ao acesso aos bens, consumo, educação, mobilidade social, ser integrante de oligarquias etc.
A fim de evitarmos a sub-representação, é preciso superar o percentual de apenas 5% de negros que ocupam cargos executivos nas empresas brasileiras, conforme pesquisa Ethos, entre as 500 (quinhentas) empresas de maior faturamento do Brasil.
Já pensou em convidar alguém que não se parece contigo, para uma simples conversa, para almoçar, tomar café? É preciso ter coragem. Porém, poderá ser uma experiência enriquecedora. E Denzel Washington, talentoso artista norte-americano, foi além. Ele pagou a faculdade do ator principal do filme Panteras Negras, o Chadwick Boseman. Uma ação afirmativa e tanto! Que esse exemplo de auxílio para "atravessar uma ponte", como gesto de amor ágape (aquele que não espera algo em troca e é incondicional) seja seguido por muitos brasileiros.
A sociedade não é homogênea. Sendo assim, ela precisa promover a diversidade no mercado de trabalho, principalmente e, em todas as funções, pois as referências precisam existir nas funções de tomadas de decisões.As ações afirmativas, restritas equivocadamente, na verdade, são medidas que visam assegurar a igualdade de oportunidade e tratamento para todos. Visam, inclusive, eliminar desigualdades acumuladas historicamente e que são decorrentes de várias formas de discriminação racial,étnica, religiosa, de gênero ou por deficiência.
De acordo com o diretor-presidente do Ethos, ao site G1, em 10/09/2019, "se a melhoria continuar nesse ritmo, nós só teremos a equidade demográfica - com 54% de pessoas negras na sociedade, homens e mulheres, com a mesma referência dentro das empresas em todos os seus níveis hierárquicos - daqui a 100 anos.
Nessa afirmação, ele estava referindo-se à evolução das medidas que ampliam a representatividade dos negros no mercado de trabalho caminham de forma muito vagarosa ainda, lamentavelmente, no que é prejudicial para a economia brasileira, contar com tantas pessoas excluídas, em plena idade produtiva.
Racismo, ainda que contextualmente, fere a dignidade humana. E o principal grupo discriminado entre os brasileiros possui a tez mais escura, fenótipo do negro. Sobre isso, a nomenclatura do IBGE diz que negros autodeclarados são pretos e pardos. Contudo, o crime de injúria racial está inserido no artigo 140, #3º, do código penal, e prevê de 1 a 3 anos de reclusão.
Vale lembrar, que na Injúria, ocorre o insulto; atinge-se a honra subjetiva de alguém (da vítima) com palavras depreciativas. Por conseguinte, os crimes raciais, que são imprescritíveis e inafiançáveis, por exemplos: impedir o acesso de uma pessoa a determinado local, por causa da raça, etnia, orientação sexual e religião; negar atendimento em lojas, hotéis, salões de beleza, posse em cargo ou função; até mesmo negar promoção funcional.
A ação penal é pública, condicionada à representação da vítima, nos casos de injúria e, é prescritível, cabendo pagamento de fiança. Já o crime de racismo, não cabe fiança, e, além de tratar-se de uma ação penal pública incondicionada, ou seja, independe da representação da vítima, não prescreve seu prazo.
O que deduz-se sobre o que ocorre aqui no Brasil, é o seguinte, muitos não falam ser racistas ou preconceituosos, mas agem assim no íntimo. Daí, o entrave para a sociedade brasileira: uma enorme dificuldade para qualificar negros e negras, a fim de gerar equidade. E, quando alguns atingem a preparação/qualificação exigida – a custo de muito sacrifício e renúncias, às vezes até da saúde, diga-se de passagem, esbarram no racismo, seja o estrutural, epistemológico, injurioso, institucional etc. Entretanto, o racismo à brasileira existe. Ele costuma ser mais disfarçado que nos Estados Unidos da América. Entretanto, sua finalidade é a mesma: para fins de dominação de um indivíduo ou grupo étnico sobre o outro.
Fica a necessidade de incluir esse enorme contingente do segmento populacional negro, que, após feito, trará bem estar social. Muito provavelmente, não teremos o etnocídio que ocorre atualmente no Brasil.Em dezembro de 2020, completa um ano que em Paraisópolis – SP, jovens mestiços e sem conexões com as classes dominantes, que estavam em um baile funk, morreram após intervenção policial. Era uma manifestação popular e cultural, conhecida como funk, violentamente interrompida pela PM: o caso do baile de Paraisópolis, que resultou em 9 vítimas fatais. Deduz-se, o teor da necropolítica vigente na sociedade. Ou seja, o Estado escolhendo quem deverá morrer ou viver, banalizando vidas, baseando-se em preconceitos e discriminações para conflagrar determinados espaços e territórios.
É preciso ter mais respeito com o próximo. Demonstrar humanização e dignidade. A ausência desses princípios, poderá gerar o sentimento de ódio e revolta.
Todas as polícias servem, ou deveriam servir, para proteger o cidadão, seguir protocolos que preservem o bem maior, a vida. Não é possível fazer concessões, no campo da razoabilidade, diante do senso comum, em uma sociedade que pode estar doente, concordar com lideranças políticas que queiram o policial que mata em serviço e sendo livre de quaisquer investigações, bem como o Projeto Escola Sem Partido, que planeja ter o professor que ensina a pensar livremente, denunciado e punido. Para isso, cabe lembrar o saudoso, sensacional intérprete e compositor Renato Russo: - que país é esse?
Do pensamento de Foucault, vem o incentivo para que tenhamos esperanças e sejamos persistentes, diante de um cenário tão contraditório, que não sejamos aqueles que desistem do mel, ao receberem as picadas das abelhas. Quem pôde assistir ao filme Coringa, produção hollywoodiana, percebeu que ele é um "tapa na cara" da sociedade, pois apresenta narrativas de um personagem maltratado, zombado, abandonado, desprezado, nos diversos lugares pelos quais passou, incluindo o seu local de trabalho, que ele perde, por puro preconceito e discriminação. E quando o Estado falha, nesse caso específico, o risco de descambar para a marginalidade, torna-se maior. Foi o que houve.
Direitos Humanos ou Humanos Direitos? - A ordem dos fatores não importa. O que poderá valer, para servir como mandatário desse exercício, é estar sob a influência da suavidade poética de Carlos Drummond de Andrade, Amor... pois de amor andamos todos precisados! Em dose tal que... nos reumanize...
Afirmamos que gostamos desta frase: faça o que puder, onde estiver, e com os recursos que tiver. Isso significa que, no novo ano, em 2021, você não precisará esperar até ter mais dinheiro, não deverá esperar até ter mais tempo, até atingir maior influência para fazer a tua parte. Mesmo que não ocupe posição de poder e não tenha como dar emprego a alguém, comece por si próprio, nas mudanças, resiliências, atitudes...
Dom Helder Câmara, homem que se empenhou no combate ao regime político-militar, como defensor dos direitos humanos, uma frase emblemática: quando eu distribuo aos pobres, o pão, me chamam de santo. Quando eu questiono, por que são pobres? – Me chamam de comunista". Isso vem de encontro com Arendt (2004): A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos e isso se dá a partir da cidadania plena que só é capaz de acontecer na democracia.
Nossa mensagem final (ou inicial) para este novo ano: tente acreditar mais em si. Não espere acontecer. Então, dê o primeiro passo! Que 2021 seja o melhor ano da tua vida, até 2022 chegar!
À demain!
Escreveram-lhe com uma fleuma gentil, Mirtha Dandara Baltar ([email protected]) & Ozias Inocencio Ferreira
Mirtha Dandara
*Advogada e Pesquisadora, Doutoranda pelo Programa de Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense; Presidente da Comissão de Direito Ambiental na 29ª subseção da OAB/RJ. Membro da Comissão de Igualdade Racial na na 29ª subseção da OAB/RJ. Secretária-Executiva da Reserva
Biológica de Guaratiba (Inea/RJ). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito na Universidade Federal Fluminense . Atuou como professora-substituta no Programa de Direito da Universidade Federal Rural do Estado do Rio de Janeiro.
**Juiz de Paz – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Escritor e Pesquisador. Mestre pela UFRRJ. pesquisador étnico-cultural; Professor universitário. Autor dos livros: Justiça Social & Igualdade Racial; Diversidade Étnica; co-autor do livro Impunidade na Baixada Fluminense. Pós-graduado em
Segurança Pública e Justiça Criminal – UFF; pós-graduado em docência do ensino superior e médio – Universidade Cândido Mendes; graduado em Direito – Universidade Gama Filho; Membro da ABPN – Associação Brasileira de Pesquisadores Negr@s.