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Racistas não passarão

Por uma necessidade de mais dias de ativismo antirracistas.

Em 17/04/2022 às 17:26:30

Michel Foucault, em sua obra clássica Vigiar e Punir (p. 50, 2014), sobre a evolução histórica da legislação penal, nos ensina: (...) Mas o castigo é também uma maneira de buscar uma vingança pessoal e pública. Partindo desse entendimento, e considerando os casos explícitos de racismo estrutural, veiculados pela mídia, assim como a existência de outras ocorrências, em princípio desconhecidas pelo público, logo deduz-se aquilo que é comprovado pelas pesquisas científicas, de que o racismo se faz violento, adoece, mata, oprime e explora! Ainda assim, existem aqueles que dizem ser “mimimi”.

Em 21 de março de 1960, o Apartheid, regime racista presente na África do Sul, assassinou 69 pessoas e feriu 186, em uma brutal repressão, conhecida como “Massacre de Shaperville”. A ONU (Organização das Nações Unidas) considera essa data como sendo o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial.

No entanto, como neste mesmo mês, comemora-se o dia internacional das mulheres e, por um caráter de ação afirmativa, penso ser salutar parabenizar as mulheres, sobretudo e, em especial, as ancestrais, como Kizzy, filha de Kunta Kinte, personagens do livro Negras Raízes. Kizzy, aos 15 anos, fora estuprada por um homem branco, seu senhor, gerando um filho, fruto dessa relação, assim como muitas outras mulheres, escravizadas ou não.

Com Nelson Mandela, o homem que dissera certa vez, “eu nunca perco; ou eu ganho ou aprendo” – a África do Sul começou a mudar, caminhando para se tornar uma sociedade com equidade étnica, e isso é possível e necessário em toda parte do mundo, inclusive no Brasil, onde existe proposta de alguns setores para que a campanha 21 Dias de Ativismo Contra o Racismo reverbere durante todo o ano – uma iniciativa de várias organizações, entre universidades, movimentos sociais, sindicatos, ONG’s e pessoas de referência na luta contra o racismo, que se juntaram para criar uma agenda de atividades pacíficas, focadas na reflexão sobre o combate ao racismo.

Ideal seria se todos pudessem aderir à campanha, com iniciativas e proposições de atividades culturais e educacionais, sempre primando por reflexões, resgate da autoestima, etc. No entanto, percebe-se que, ano após ano, esse movimento vem crescendo, encampando agentes e educadores, que buscam contribuir para o bem-estar social de toda população.

A Lei nº 10.639/2003, que alterou a LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394/96, visa tratar do tema étnico-racial, ou seja, da história da África e dos negros no Brasil, no contexto da Educação. Sem dúvida, trata-se de uma medida de ação afirmativa.

Práticas como essas podem contribuir para amenizar o racismo estrutural brasileiro, mas dificilmente conseguirão eliminá-lo por completo. Assim, seu combate é um grande desafio para a sociedade, e deve ser enfrentado com seriedade, compromisso e rigidez por todos: brancos e negros, ricos e pobres, poder público e iniciativa privada. Como é sempre bom lembrar, Angela Davis nos ensinou que não basta não ser racista, é preciso ser antirracista.

Assim, por meio das agendas pautadas pelo Movimento Negro Organizado, que envolve cientistas-pesquisadores, entre outros atores sociais, conseguimos promover algumas melhorias e mudanças na estrutura do racismo, que, como aponta pesquisa feita por Petronilha Beatriz Gonçalves e Luiz Alberto, no século XX as desigualdades entre negros e brancos foram muito expressivas, apesar dos avanços tecnológicos. Esse fato atende ao que denominamos de branquitude e branquidade, que, em resumo, significam as vantagens que as pessoas brancas tiveram em relação aos negros e indígenas, principalmente com a escravização e suas consequências, com uma abolição inconclusa.

Lembra-se do conceito de branquitude e branquidade, assim como da eugenia? - Já escrevi sobre eles em artigos anteriores.

Fato é, negros, nessas últimas décadas, estão mais inseridos nos postos de trabalho e mais presentes nos bancos escolares, inclusive universitários. Os indicadores sociais demonstram uma ligeira mudança nas posições ocupadas por este segmento em relação ao acesso e ao rendimento escolar. Todavia, se considerarmos as taxas de eficiência dos alunos negros no sistema educacional, a distribuição salarial e os postos de serviços ocupados, negros permanecem, invariavelmente, em desvantagem.

Basta olharmos para os mais altos postos de trabalho deste país, sejam os da iniciativa privada ou pública, assim como as funções de poder, privilégio e decisão, para percebermos os contrastes. Qual a cor predominante daqueles que moram nos melhores endereços, como por exemplo, na zona sul do Rio de Janeiro?

Há décadas o Brasil possui especificidades históricas que fundamentam uma trajetória de desigualdade racial e social, principalmente pelo que se convencionou chamar de racismo à brasileira, colocando o país no topo do ranking dos mais desiguais do mundo. Sob a ideia de exclusão social calcada em critérios socioeconômicos, subjaz uma latente desigualdade racial que é retroalimentada cotidianamente.

Faz-se necessário romper com a invisibilidade e com a discriminação construídas ao longo do tempo, e que são gritantes e relegadas aos negros. É importante questionar o que foi cristalizado pela historiografia, uma vez que, na realidade, foi omitido que socialmente o acesso aos bens, serviços e educação superior, era mais precário ao negro, além de ter sido apontado como ser inferior. Os negros são pessoas, seres humanos que foram escravizados, que lutaram e resistiram a esse domínio. Por isso e por todos os maus tratos sofridos, destacamos a necessidade de se reparar socialmente todos os danos históricos causados ao povo negro. Políticas públicas específicas são imprescindíveis não em função de os negros serem santos, como alguns afirmam em tom irônico, mas por merecerem respeito e equidade, uma vez que, por séculos, direitos mínimos foram negados. Quais histórias escolheremos contar em nossas práxis de trabalho que podem ajudar no combate ao racismo atual? Quais são os cernes que entendemos enquanto enfrentamento ao racismo estrutural? Temos várias formas de enfrentamento ao racismo. Nesse sentido, entendo que a educação é o fio condutor, funcionando como o principal caminho para uma sociedade antirracista.

A educação precisa abrir mentes, inclusive as religiosas, e fazer com que o cidadão se aproprie de tudo que for cultural. É necessário suscitar saúde, esporte, etc., estimulando uma vida pela vida. Se os ex-escravizados, em sua maioria, de acordo com o último censo, continuam ocupando os piores endereços (olhe para as favelas e periferias), ou seja, estão sob a égide da falta de oportunidades, vale ressaltar que, melhorando a qualidade de vida dessas pessoas, toda a sociedade estará alçando índices qualitativos também, de modo que abrirá caminhos para o enfrentamento de outras opressões e discriminações do cotidiano, como que em uma olhadela no espelho. Quem sabe, assim, o racismo poderá ser visto, futuramente, por outro espelho, o do retrovisor?

No entanto, no Brasil, negros são 56% da população, ou seja, não são minoria, mas, sim, maioria, de acordo com o IBGE. No entanto, sub-representados nas telenovelas, no horário nobre da televisão, no corpo diplomático brasileiro, nos Ministérios, no Senado Federal, etc. Esse é o grupo que mais morre por causas exógenas, provocadas por violências, decorridas do próprio Estado ou por outras formas, como as disputas do tráfico de drogas e opressões das milícias. Outro ponto a ser destacado diz respeito aos dados apontados pela Segurança Pública, os quais evidenciam que os policiais brasileiros são os que mais morrem. Entre esses, os militares negros são os mais vitimados, principalmente porque estão entre os praças (soldados, cabos, sargentos e suboficiais), compondo, assim, invariavelmente, a polícia que mais mata e mais morre no mundo.

Da dignidade da pessoa humana

É importantíssimo lembrar que racismo no Brasil é crime. Está previsto na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, sendo classificado ainda como injúria racial no artigo 140 # 3º do código penal.

No campo social, resta-nos sempre suscitar a Constituição Brasileira de 1988, na qual a segunda parte do artigo 1º diz: constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, no inciso III - a dignidade da pessoa humana.

Por fim, o Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.

Adiante, trechos extraídos do livro Negras Raízes, escrito pelo jornalista e pesquisador estadunidense Alex Haley pp. 603-604:

“O ano era o de 1865, logo após o que se entende por “libertação dos escravizados norte-americanos”, ainda no Sul do país, que ofereceu uma resistência ainda maior e, inclusive, este episódio ocorrera após o assassinato do presidente Abraham Lincoln, que foi quem assinou a Lei:

- Ouvimos dizer que você (Tom, bisneto de Kunta Kinte) está pensando em abrir uma oficina de ferreiro aqui na cidade.

- Ele (Tom) respondeu: Sim, senhor. Estive dando uma olhada para ver qual é o melhor lugar.

Os três brancos se entreolharam e um deles disse: - Não vamos desperdiçar o teu tempo, garoto. Se quiser trabalhar na cidade, vai ter que ser na oficina de um branco, que será o dono dela. Estamos entendidos?

- Não, senhor, não entendi. Eu e minha família somos agora livres... queremos ganhar a vida, trabalhando duro e fazendo as coisas que sabemos fazer.

- Se não posso ter o que faço com as minhas próprias mãos, então este não é o lugar para a gente. Não quero causar encrenca em lugar nenhum... Eu gostaria de ter sabido antes, como vocês pensavam por aqui (grifo meu, e nos tratariam também). Assim, a minha família nem teria parado.

- Você é quem sabe o que vai fazer.

- Vocês vão ter que aprender a não deixar a liberdade subir à cabeça – disse o segundo homem branco.”

Isso significa que, na atualidade, quando matam um congolês refugiado em solo brasileiro, com requintes de crueldade, em um quiosque na Barra da Tijuca, é para não deixar a liberdade subir à cabeça; quando 56% de negros são sub-representados nos mais altos cargos de poder, é para não deixar a liberdade subir à cabeça; quando somos, enquanto população negra, os mais vigiados, os mais punidos, aqueles que possuem os piores índices de desenvolvimento humano, etc., é para não deixar a liberdade subir à cabeça.

Dá-se a tudo isso, academicamente, o conceito de racismo estrutural e contextual. Dessa forma, entende-se que o Estado brasileiro possui uma dívida histórica conosco, enquanto população negra. E como pagá-la?

Cidadã e cidadão, façam bom uso dos seus votos!

Ademain (Até breve),

Ozias Inocencio.




Fonte: Blog Ozias Inocêncio

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