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Reverberações diaspóricas: “Clamor” no CCBB RJ

Dança Além das Fronteiras, Por Cláudio Serra, Professor da Escola de Teatro da UNIRIO

Em 28/05/2024 às 16:23:24

Ao invés de iniciar esse texto preparando a percepção do leitor por meio de descrições e informações a respeito do evento ao qual me refiro, preferi começar pela questão central percebida na performance a que assisti. Trata-se de uma performance que reverbera. As reverberações aparecem materialmente e vão se transformando em conceito. Vejamos.

Os possíveis espectadores estão no foyer do CCBB e decidem se sentar nas cadeiras ali dispostas. O espaço é público, o teatro dramático europeu está, portanto, longe dali. Os artistas vão preparando a cena, antes propriamente do espetáculo começar, estão o tempo todo no espaço. O diretor dá indicações. Quer dizer, retiram as paredes virtuais existentes no espectador ocidental, programado para entender "espetáculo" como uma apresentação com certa solenidade, onde ele irá apenas observar. Há integrantes inclusive sentados junto aos espectadores. Uma circularidade se impõe ao espaço, que convida à interação mais direta e coletiva. Ou seja, toda essa preparação já é o acontecimento cênico.

Logo na primeira aparição de um corpo dançante – um “solo” diante da roda de cadeiras -, os integrantes que estão sentados se deixam reverberar pelos movimentos do parceiro em cena. O espectador vê não apenas um bailarino no centro da roda, mas prolongamentos desse corpo nos gestos de seus colegas. São braços, troncos, colunas, diversas partes do corpo que se movimentam de quando em quando junto com o bailarino no centro: não é um solo, é dança expandida.

Tal reverberação é como uma pedra jogada no lago: os círculos concêntricos vão se expandindo e propondo ondulações ao infinito. Aos poucos, a voz vai entrando em cena igualmente e reverberando pelos corpos dos integrantes. E, ainda, a plateia é convidada a dançar, o que significa a ruptura com a solenidade palco-plateia. Os gestos, as formas, as vozes e línguas vão se alimentando mutuamente. Os corpos não deixam de ter suas identidades, mas podem construir um único ritual.

Se digo que a matéria vira conceito é devido à forma que as dinâmicas diaspóricas produzem. A partir de um centro, vão dispersando seus indivíduos ao redor do mundo e reverberando inevitavelmente seus gestos e vozes. Como uma pedra no lago. A performance de “Clamor” (título do espetáculo) funciona como a forma condensada do conceito “diáspora”.

Um dos principais trunfos da encenação é a matéria diversa humana: há uma diversidade muito grande de corpos. Imagino que não tenha sido fácil ensaiar com tantas diferenças, mas está aí o elemento que capta a presença do espectador. Todo o elenco sai do espaço de cena e constrói uma entrada em linha, que se torna um desfile. O público olha cada um dos integrantes da performance, percebe as peculiaridades daqueles corpos e pensa não apenas na beleza da diversidade, mas também na violência que está na base de todas as diásporas: o desfile dos belos corpos diversos se torna uma fila de imigração, com carimbos, dedos apontados e proscrições.

A performance “Clamor” está inserida dentro da programação da mostra de cinema haitiano, um evento que se propõe a encontrar outras referências da migração e do Haiti, para além das guerras e da miséria. Aqui, em “Clamor”, há haitianos em cena e eles cantam. Os haitianos “clamam” cantando “Haïti chérie”. São diferentes idades, corpos e trajetórias. Vê-los compartilhando a cena com os artistas brasileiros é bastante potente.

A sonoridade do espetáculo é, também, construída de diversidade. Há uma paisagem sonora feita de reciclagens do mundo. O som do carrilhão de chaves remete a certa atmosfera onírica, ao passo que a lata é transformada em cajón, repique e outros instrumentos de percussão. As vozes faladas, as cantadas, os sons dos corpos no espaço e os instrumentos fazem do CCBB um palco de show. Seria preciso, entretanto, tomar um pouco de cuidado com algumas frases proferidas no eco, que podem ficar incompreensíveis. Poucas.

Um espetáculo heterogêneo como “Clamor” traz vida ao foyer do CCBB devido à alegria do canto e da dança, bem como ao enriquecimento das camadas perceptivas dos cidadãos fluminenses e turistas, que não encontram tanta diversidade em seus cotidianos. Seria interessante promover mais eventos como esse.

Ficha Técnica

Direção: Johayne Hildefonso

Diretor assistente: Raphael Rodrigues

Regente: Ricardo Vasconcellos

Música Original: Junior Bolinha

Direção de movimento: Raphael Rodrigues e Johayne Hildefonso

Direção musical: Junior Bolinha e Dada

Assistente direção de movimento: Glauce Canuto

Percussionistas: Junior Bolinha, Dada e Leonardo Silva

Elenco: Glauce Canuto, Paula Mandala, Yas Rodrigues, Johnny Paulo, Rodrigo Barizon, Raphael Rodrigues, Miguel Kalahary , Nardo , Samyra Paz e Nuno Queiroz .

Coral: Ana Maria Dal Monte, Barthelemy Prevert Dossavi, Calin Jean Pierre, Evens Ervilus, Germane Delva, Gilbert Estal, Marie florence Thelusma e Simone Marinho, Mikerland Papayer ,Laphontan Papayer, Maria Celeste Barizon Moreira e José Artur Carneiro

Figurino : Overland/Airton Gayoso de Miranda Barravento

Realização: People's Palace e Projects do Brasil

Gerenciamento do projeto: Jan Onoszko

Produção: Brenno Erick e Elquires Sousa

Realização: MIDEQ, Uniperiferias, Museu do Pontal e CCBB Rio.

Agradecimentos especiais: Paul Heritage

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