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Saudades de Henfil

Em 07/01/2019 às 15:07:40

Como um cartunista pode fazer tanta falta nos dias de hoje? Conheci Henfil anos atrás, quando fazia ativismo político escrevendo livros, artigos e gravando para TV. Era uma pessoa iluminada. Era uma pessoa que como falam os mineiros, preenchia o lugar. Já tinha uma certa admiração pelo quarteto fantástico (Henfil, Ziraldo, Jaguar e Millôr) na época gloriosa do humor gráfico, mas conhecer cada um deles pessoalmente foi uma vitória maravilhosa, e olha que já conheci outros pilares do humor, como Nássara, Dercy Gonsalves, Fortuna, Luis Fernando Veríssimo e Laerte. Ele era uma figura apaixonada e colocava também seus medos e taras nas tirinhas. Cheguei a ter uma charge publicada no Jornal do Brasil, da década de 70, com traço maravilhoso, que tive que vender para pagar dívidas e enfrentar períodos ruins na minha história.

O ano se inicia com a lembrança de 31 anos da morte de Henfil. Parece muito tempo. Recentemente o filme com o mesmo nome do artista, dirigido por Angela Zoé, ganhou o prêmio de melhor filme no Festival Cine PE do ano passado. O ativista se tornou mainstream rapidamente depois que surgiu nas páginas do antigo Pasquim. Enfrentou com muita inteligência o período mais duro do Brasil, no golpe militar, criando os famosos Fradins. Em um período em que não era possível falar abertamente sobre o regime militar, enfrentou o mundo editorial (que até hoje é um mundo complicado de se enfrentar) para criar essa pérola de quadrinhos independente, com os quadrinhos da graúna e uma maravilhosa seção de cartas que quando pequeno, não entendia, mas com o tempo foi uma das melhores coisas da revista. Se não bastasse ter criado a Graúna, um personagem simples, mas que era capaz de demonstrar, com poucos traços, todas as emoções possíveis, criou as cartas para a mãe. Depois virou livro e o gosto deu de presente mais alguns, inclusive um que guardo com todo carinho, autografado, com graúna e meu personagem juntos. O livro Diretas já!, de 1984.

Ele tinha algo que transcendia apenas o labor do traço. Tinha a necessidade de se comunicar. Ultrapassar as barreiras do papel, falar para um público cada vez maior, enfrentando a TV e o cinema, como enfrentou a hemofilia. Era um verdadeiro cronista do humor. Os cartuns que ficaram famosos: O cemitério dos Mortos-vivos, onde enterrava figuras famosas que defendiam a ditadura, eram cartuns que provocavam e debatiam sobre figuras públicas e seu viés ideológicos a favor da tortura. Algumas estão vivas até hoje e merceiam um revival, um reboot das famosas charges, até com novas pessoas da atualidade. Tentou carreira nos EUA, mas ficou no mundo underground. Continuava escrevendo para o Fradim de lá, que rendeu a experiência em um Livro (Diário de um Cucaracha) e um filme (Deu no New York Times).

Um homem pode mudar. Pode até mudar radicalmente. De vida, estilo, postura, discurso, orientação sexual e intelectual – Até mesmo, como um amigo meu, migrando de Karl Marx para Stephen Hicks. O que pode até parecer exagerado, mas me pergunto aos meus botões – que normalmente não me respondem, por que não falam com qualquer um – Se discursos em prol das baionetas atual, faria com Henfil se estivesse vivo até hoje. Como reagiria alguém vendo o desmonte e o país entrando numa era de ultradireita? Talvez, mais velho, poderia se entregar ao cansaço da vida. Como nos casos dos últimos pilares vivos como Ziraldo e Jaguar. Ou ele possivelmente estaria vivo e intenso nas redes sociais, criando novas formas de ativismo. Talvez essa última possibilidade seria mais real, pois apesar de estar com AIDS (devido a transfusão de sangue), com os dias contados, nunca deixou de lutar e defender os ideais de liberdade e qualidade de vida para todos. Até seu irmão, o Betinho, que teve o mesmo destino, lutou por um programa conta fome que ajudou muita gente, até a canetada extinguindo o programa depois de mais de 30 anos. Cheguei a ajudar no começo a propagar o programa, quando morava em Minas, fazendo cartuns em sacos de pão.

Henfil sempre dava atenção aos seus sonhos e certamente, se estivesse vivo, seria admirado da mesma forma.

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