Do alto de sua mansão de 500 mil metros quadrados, a notória condessa sentindo-se incomodada com os sons que chegavam ao seu recinto, pergunta ao seu mordomo que acabara de trazer o breakfast, todos em tons pastel e hortênsias, que sempre combinam muito bem com o dia e dão aquele ar de frescor, potes de bambu, champanheira com as bebidas geladas e um charmoso filtro com suco de laranja. Eis que, percebendo o semblante da madame levemente levantado, desequilibrando o alinhamento natural das sobrancelhas, Jarbas pergunta:
- O que a incomoda?
- Acho que ouvi comentários que livros são um lixo…tem muita coisa escrita......
- Como?
- E que o Ministro da Educação teria escrito errado mais vezes que meu sobrinho.
- Certamente foi algum canal de filmes de ficção. Jamais esses erros crassos seriam proferidos por um eminente Ministro. Impensável!
- Ouvi tiros.
- Tiros?
- Sim, tiros.
- Bacamarte, madame. Certamente caçando raposas. Com a economia forte, não temos milhões de desempregados e a cidade não é violenta. As pessoas estão eufóricas. Confie em mim. Bacamarte.
- Ouvi protestos, no meio da noite, falando palavras de ordem contra as queimadas criminosas na Amazônia.
- Protestos? Impossível?
- Impossível?
- Impossível. No máximo pândego.
- Mas...
- Não há contra o que protestar. Veja a Austrália! Está queimando por inteiro. No Brasil foi o mesmo. Tem a boa intensão do presidente para transformar toda a floresta em pasto. A economia vai decolar como nunca. Governa a alegria. Confie em mim. Pândego.
- Mas havia gritos!
- Gritos?
- Sim, gritos!
- João de Barro. São criaturas fascinantes. Trabalhando dia e noite, assim como o povo. Trabalhadores audazes. Indústria produzindo. Todos dormindo satisfeitos com o governo com seu primeiro ano sem nenhum escândalo. Confie em mim. João de Barro.
- Mas Jarbas, me levantei e vi pessoas portando cartazes e faixas.
- Cartazes? Não! Guarda chuvas.
- É?
- As chuvas foram muito fortes e todos estão se prevenindo destes temporais de verão. Confie em mim. Guarda chuvas…queria aproveitar para lembra-la do meu pagamento, madame.
- Pagamento?
- Sim, pagamento. Hoje já dia 13 e nada foi depositado.
- Mas acabaram os direitos trabalhistas. Levante as mãos para os céus. Você agora trabalha para mim, em troca de alimentos e moradia. O que você está sentindo é fome. Peça para Maria preparar um suco de laranja e um brioche.
- Fome?
- Confie em mim. Jarbas.