Queridos familiares:
Semana 1 do confinamento. Estou escrevendo para acalmar todos. Vamos combinar videoconferências para conversarmos vendo um ao outro. Matar saudades. Temos agora 24 horas para dedicarmos um tempinho para cada um, que tal? É como segurar a mão de cada um pela internet. Sábado bateu um baita solzão e a vontade de ir à praia, faz como? No primeiro sábado foi um sofrimento. Lutando contra a vontade, contra ver aquele marzão sem fim, de ficar sem fazer nada na areia. Parece que ficar sem fazer nada em casa não é a mesma coisa. A crise de ansiedade, leva a comer um pouco mais de pão com manteiga. Eu sei. Não pode transferir para a comida essa sensação, mas vai dizer isso para o corpo. Ele conspira, mas situações mais difíceis.
Aí, na hora que a coisa tava indo, tem o momento em que vamos para a televisão. Mais de 100 canais, youtube, Streaming, aplicativos, mas você vai cair sempre no noticiário. Reparou como tudo foi apertando, apertando para nos distanciar das ruas, mas você sempre precisa ver se é mesmo? Tipo São Tomé? Por que eu estou cumprindo minha parte no confinamento à risca. Sou um pouco assim. Não tem a ver com libriano. Aliás, nada a ver com libriano. Talvez seja TOC. Mas olhando pela janela e vendo alguns velhinhos, que são os que não deveriam de maneira nenhuma estar na rua, andando sem preocupação, assobiando, chutando pedrinhas, deixa uma ponta de debate no cérebro. E como é difícil fazer duas coisas ao mesmo tempo, o cérebro ganha. É sempre assim. Não sabemos assobiar e chutar bola ao mesmo tempo.
Confesso que meu tempo na internet aumentou, assim como o meu tempo de leitura está maior. Parece que o tempo e o espaço são diferentes. Um tempo maior. Preciso ler um pouco mais de Einstein. Deveria me regozijar desse tempo. Sim, verdade. Estamos em um período de encontro com nós mesmos, de reencontro com os amigos e de reorganizar nossas vidas. É perfeito. Ou seria perfeito se não estivesse chegando perto das contas para pagar. Olha a vibe negativa sempre chegando para estragar a paz interior! Ao invés de Gozijar mais de uma vez no dia, damos espaço para preocupação, principalmente por que pensar que o dinheiro não chegará não dá sossego. Mas sou persistente. Regozijar vem do espanhol regocijo, que vem anteriormente do latim gaudire. No francês vem de jouir quedeu no inglês rejoice. No final, tudo acaba em alegria. E me propus isso para eliminar essa tensão da chegada do dia primeiro de abril.
Mas sabe o que me dá mais tensão? É a distância imposta de todos para salvar todos. O sacrifício que fazemos por todos, enquanto alguns ainda querem fazer festas e provocar contatos, minimizando a força da pandemia. Até o meio da semana, muitos estavam trabalhando, se encontrando em bares e tudo mais. Não era para ser quanto mais cedo nos recolhermos, mais cedo sairemos? Pois então? Parece que a gente era besta, a gente era bobão. Mas o futuro sempre acerta as contas, não é verdade?
Leio e releio livros que antes estavam de lado por falta de tempo, ou com a desculpa de falta de tempo. Rejoyce, de Anthony Burgess, uma releitura de Joyce, é um exemplo que imaginem, tem coincidências interessantes. Em Finnegans Wake, mostra o tempo reduzido a um dia, história da humanidade reduzida, numa redução de um texto. Esse sim foi um regozijo da vida. Todos os ciclos reiterados que transformam qualquer quarentena num arquétipo universal, reduzida a sua moradia de 60 metros quadrados. Olha que bom! Somos um universo dentro de um universo, com suas complexidades que são interessantes também. Veja como pude viajar e esquecer os problemas do boleto, com bônus de exercitar a mente.
Dessa vez ninguém vai me fazer ficar contra o compromisso de melhora interior e exterior, por conta de uns e outros que querem esticar a quarentena. É verdade que me faz muita falta as minhas corridas de 10km, três vezes por semana, mas e o apelo da família para ficar em casa, como fica? Fico! Suar em casa é diferente, mas o compromisso com tudo e todos é maior. O compromisso é de todos, assim como a mudança interior é de cada um! Sairemos muito melhores do que entramos, eu acredito.
Bênção,