Realmente esse foi o Oscar da COVID. Poderia não ter acontecido, mas prova que podemos nos adaptar, em um país que já foi o desespero da moléstia e agora tem uma vacinação em massa recorde. Ele mostrou também o quanto um governo influencia na cerimonia. Se antes tivemos posturas racistas e polêmicas no período Trump, agora temos a diversidade de minorias, línguas, raças tendo o justo valor de uma competição cinematográfica. Com essa vitória, com esse colorido especial, com o equilíbrio que como tempos não se via, dá para pontuarmos algumas questões.
Um dia antes, tenho costume de assistir uma maratona de filmes indicados ao Oscar, para conseguir acompanhar a competição em boas condições. Um desses casos foi justamente ter assistido Two Distant Strangers, vencedor de melhor curta-metragem. Um bom filme, com a fórmula segura da distopia temporal para retratar o racismo estrutural nos Estados Unidos e que podemos transladar para o Brasil também. De cara, você lembra de George Floyd e sua agonia com policiais brancos. No discurso, Travon Free, roteirista do filme, fala sobre essa realidade de mortos sociais pela polícia e pede: "Não sejam indiferentes". São três mortos diários no país. Kevin Durant e Mike Conley foram produtores executivos. Aqui no nosso país são 2,79 por dia e 79% de vítimas negras. Realidades muito parecidas, com a diferença das revoltas coletivas nas ruas por lá e aqui com lutas individuais. Para alguns, a bebida, ameniza essa realidade. Viola Davis Interpretando um shot de tequila no Red Carpet, já chegou merecendo esse prêmio.
Na melhor curta de animação levou: Se algo acontecer...Te amo. Um desenho animado com trabalho tradicional, triste, mas com a mensagem vítimas de tiroteios em escolas. Sensível e atual, mostrando essa realidade americana de violência gratuita, devido à população armada. Uma realidade que está em nossas sombras atuais com esse governo de Bolsonaro e que não tem solução nos EUA. Nem nunca vai ter. Para longa de animação, levou o imbatível Soul.O filme tem o melhor gráfico de um filme de animação em anos, com uma trilha sonora maravilhosa (tanto que ganhou Melhor Trilha Sonora Original ) e um tema sobre o ciclo dos espíritos. Alice Braga faz a voz do Zé, que mostra a diversidade também chegando aos desenhos animados. É aclamação que chama?
A Dinamarca levou o melhor filme internacional com também aclamado Druk – Mais uma rodada. O sucesso da história, a participação memorável de Mads Mikkelsen e o discurso de Thomas Vinterberg homenageando a filha que faleceu antes do filme ser iniciado vale mesmo com um tema forte como a bebida e jovens. Também merecido o prêmio de melhor documentário com Professor Polvo, com a relação do homem com a natureza. É possível!
Daniel Kaluuya, por Judas e o Messias Negro, foi o vencedor de ator coadjuvante. Ele que surpreendeu em Run, volta para casa com a estatueta do homenzinho dourado, com um filme necessário sobre os Panteras Negras. Interpretou Fred Hampton, revolucionário negro, que pregava a união de lutas, com ativistas negros, porto-riquenhos e brancos. O de ator principal levou, aos 83 anos, Anthony Hopkin, com uma atuação de ator verdadeiro. Com um roteiro para ator de verdade. Mesmo Hopkin falando que Chadwick Boseman poderia ter levado o prêmio póstumo, nada poderia tirar dele esse prêmio.
O grande vencedor da noite foi Chloe Zhao, que se tornou a segunda mulher na história da premiação a vencer na categoria de Melhor Direção e a primeira chinesa. A chinesa ganhou como diretora e melhor filme com Nomadland e se prepara para lançar em breve o aguardado projeto Os Eternos da Marvel. Merecidíssmo. Mais para além das lupas, olhando para a cerimônia e a diversidade dos temas atuais, foi uma das melhores cerimonias de Oscar dos últimos tempos. Que esses tempos de diversidade contaminem o nosso país e nos traga sorriso no rosto mais uma vez.