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"Pipas": as verdades que as comunidades trazem

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 15/07/2023 às 10:51:17

“Um menino de 11 anos morreu baleado, nesta quarta-feira (12/07), na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Ele estava de uniforme, a caminho da escola. A imagem revela o lado mais cruel da violência no Rio. O corpo de uma criança cercado por vizinhos desesperados. Djalma de Azevedo tinha só 11 anos e estava indo para a escola com a mãe. Foi baleado na frente de casa, em um conjunto habitacional em Maricá, na Região Metropolitana". (G1)

Essa é um coluna teatral ou policial?

“Parecia que tinha um pé onde estavam os menos favorecidos financeiramente, que é de onde veio, e outro na aristocracia. Molière sabia lidar com essas questões e ainda conseguia ser respeitado. Ele inventou de forma inteligente uma nova maneira de fazer teatro e conseguia fazer isso contrariando o poder, sem ser censurado”.

Segundo Moreira, Molière usava muito da improvisação, elaborava cenas de aproximação dos artistas com a plateia, permitia uma fala mais coloquial, fazia uma comunicação crítica com brincadeiras, contextualizando as questões sociais”. (Jornal de Teatro)

Essa é uma coluna teatral, explicando a função do teatro desde o seu começo.

"Pipas" não é um teatro com uma estética linda, longe disso! Mas é a verdade da cidade do Rio de Janeiro. Eu não vivo em uma cidade cercada somente de arquiteturas elitizadas. Muito pelo contrário, vivo também em uma cidade onde pessoas bebem água misturadas a fezes. “Esquecidos: moradores do RJ sem acesso a saneamento contam que bebem água até com fezes e sofrem com doenças” (G1, 29/03/2023).

Esse espetáculo nasce de uma região como essa, o Complexo do Alemão, onde os serviços de saúde, educação, limpeza e abastecimento de água não atendem às necessidades locais. Ah! Também é a favela mais perigosa do Rio de Janeiro.

A companhia de teatro tem 10 anos. Não pensem que tem sido fácil para eles se manterem no mercado. Desde o início da sua história, os perrengues rondam esses artistas, que heroicamente teimam em fazer arte!

“O grupo foi criado depois que seus integrantes perderam o curso de teatro em que atuavam, devido a um incêndio criminoso na sede da ONG onde as aulas eram oferecidas. Por isso o nome do grupo, "Contrabando": fazer teatro mesmo sem autorização”.

O espetáculo não é uma obra-prima, mas tem verdade, a verdade fidedigna da barraca da Claudia, onde o pai vende pipa. Lembra aquelas barracas cheias de bugigangas que estão na entrada da comunidade da Rocinha, as que conhecemos, mas que fingimos não ver, quando atravessamos a Zona Sul para chegarmos à Barra da Tijuca?

O figurino também não é aquela indumentária que estamos acostumados a ver nos palcos. São exatamente como aquelas que assistimos quando algumas notícias chegam de lá, informações nem sempre muito boas.

Portanto, senhores, o cenógrafo e figurinista entenderam o propósito do espetáculo, que era levar ao Sesc Tijuca a existência de um lado da cidade em que tentam fingir sua inexistência, mas são apenas tentativas frustradas. Querendo ou não, eles estão chegando e mostrando a forma de vida que cabe a eles. A verdade chega em forma de arte também.

Segundo a fala do diretor do espetáculo, Rohan Baruck, a estética não poderia ser diferente da que foi montada. "Se falamos de uma comunidade, é ela que quero mostrar”.

O texto defende a vida dos moradores das comunidades, que a todo tempo é julgada. Dentro da favela há vida, há poesia. “A pipa tem carne, osso e pele, tem linha que corta. Assim é a vida: voamos e também caímos. É uma reflexão textual que estará eternizada em mim. Portanto, há poesia também"

O texto apresenta um compilado de vivências da atriz que, além de atuar, também é dramaturga, Nilda Andrade. Com um conjunto de marcas linguísticas usuais das comunidades.

“É muito difícil você cantar 'o barquinho vai, a tardinha cai’ (fazendo referência à Bossa Nova) se você nunca viu essas coisas. O funkeiro canta a realidade dele. Se ele acorda, abre a janela e vê gente armada e se drogando, gente se prostituindo, essa é a realidade dele" (depoimento da cantora Anitta em entrevista na Universidade de Harvard).

Há intelectualidade na dramaturgia, pois é possível entender o espetáculo. Que intelectualidade há quando mensagens não chegam ao público, descumprindo a função do teatro?

Nilda começa o espetáculo com muita simpatia através da sua personagem Claudia. Ela quebra a quarta parede no início do espetáculo. Ela fala de Catia Cilene, que vende Romanel. Mais suburbano que isso, é impossível! Em uma das cenas, ela vê o seu pai narrando a história do avô para o neto, o filho dela. Um momento muito belo, que nos faz mergulhar em nossas histórias, algo bem familiar mesmo. Embora tenham cenas como essas, o drama está mais presente durante a peça. Algumas vezes ouvi "fungadas" da plateia.

Existe uma demanda de questões introduzidas ao texto que merecem análises, uma delas o aborto. Esse tão necessário, que inclusive já é um direito conquistado em países desenvolvidos. Aqui também, mas somente para mulheres com maior poder aquisitivo (risos).

“Mulheres ricas pagam, mulheres pobres morrem”

Eu parabenizo o Sesc, que é uma instituição voltada à sociedade. Quem conhece a instituição sabe dos conceitos que a constroi. O Sesc atua com o propósito de levar bem-estar e qualidade de vida.

Portanto, todos os artistas estarão em seus palcos, independente de onde venham. Se esse tipo de espetáculo não agrada a uns espectadores, existem outras peças no próprio Sesc.

É necessário entendermos que, enquanto fecharmos os olhos para essa parte da sociedade, estaremos fadados ao que vivemos diariamente: o desconforto da violência, que reflete em nossas vidas, independente das arquiteturas faraônicas que a outra pequena parte da sociedade vive.

“As grades do condomínio/São para trazer proteção/Mas também trazem a dúvida/Se é você que tá nessa prisão” (O Rappa).

Valorizar a arte do Alemão, apoiar os poucos que conseguem resistir ao preconceito, que atravessam as barreiras quase intransponíveis do "poder fazer arte onde estão", que trazem a sua cultura, que enfrentam atravessamentos sórdidos do Governo do Estado, sempre será prazeroso para esse Portal.

Se alguém me questionar sobre a beleza do espetáculo, serei honesta. Direi que não se trata de uma obra onde sonhamos de olhos abertos. Não mesmo! Mas apresenta a verdade que precisamos entender para cobrarmos mais políticas públicas, trazendo mais estrutura para a periferia, e não promovendo a exclusão social, como é feito há anos, e muito menos alimentando o conceito que são vazios de conteúdo, esterilizados e pobres. Mas como não são? Se a crítica começa com uma matéria sobre cidadãos que bebem água com fezes? Respondo: depende da forma que você vê a pobreza. Como posso julgar pobres os cidadãos Machado De Assis, Cartola e Seu Jorge?

A questão toda é a estrutura, que só funciona para uns, um verdadeiro derradeiro de injustiça social…

SINOPSE

A personagem fictícia Cláudia, mulher periférica, vive as alegrias e amarguras da vida na favela ao lidar com situações que colocam em xeque seus direitos como mulher. Baseada em histórias reais, de figuras femininas que inspiram a comunidade do Complexo do Alemão, a trama revive a trajetória da protagonista, partindo do momento em que ela tem todas as suas perspectivas e sonhos frustrados por uma gravidez indesejada aos 15 anos.

FICHA TÉCNICA

TEXTO E ATUAÇÃO: NILDA ANDRADE

DIREÇÃO ARTÍSTICA: ROHAN BARUCK

CENÁRIO: TIAGO COSTA

FIGURINO: CÁTIA VIANNA

ILUMINAÇÃO: ANA LUZIA MOLINARI DE SIMONI

OPERADOR DE LUZ: RODRIGO SANTOS

OPERADOR DE SOM: RAFA DOMI

PRODUÇÃO MUSICAL: DÂNDI

COMPOSIÇÕES: DÂNDI E WALLACE VALADÃO

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: RBARUCK | ROHAN BARUCK

PRODUÇÃO EXECUTIVA: LEANDRO FAZOLLA

ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: FRAN DUTRA

IDEALIZAÇÃO E GESTÃO DE PROJETO: NILDA ANDRADE | CONTRA BANDO DE TEATRO

CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA: 14 ANOS

SERVIÇO

PIPAS

Teatro II do Sesc Tijuca (Rua Barão de Mesquita, 539)

Até 30/7, de quinta a sábado (19h) e domingo (18h)

Ingressos: R$ 30, R$ 15 (meia), R$ 7,50 (associado do Sesc) e gratuito (PCG)






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