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Sem querer, querendo

Em menos de 48 horas, Bolsonaro recua de privatização na Saúde

Governo anula parcerias em atenção primária no SUS, mas presidente admite reapresentar decreto


Bolsonaro disse que, caso haja entendimento, o decreto poderá ser reeditado no futuro Reprodução Twitter

Deputados da oposição comemoraram o anúncio do presidente Jair Bolsonaro no fim da tarde de quarta-feira (28/10) de que revogaria o Decreto 10.530/20, que incluiu a política de fomento ao setor de atenção primária do Sistema Único de Saúde (SUS) no programa de concessões e privatizações do governo, o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). O decreto havia sido publicado na terça-feira (27/10) e foi duramente criticado pela oposição, que acusou o governo de tentar privatizar o SUS.

Vários projetos de decreto legislativo (PDLs) foram apresentados para sustar os efeitos da iniciativa. O primeiro deles foi o PDL 453/20, da deputada Maria do Rosário (PT-RS). Após a divulgação de que o decreto seria revogado, ela reforçou a importância da pressão popular na defesa do SUS. "Para cada ato insano desse governo, nós devemos pressionar. É a pressão legítima dos meios de comunicação, das redes sociais, que faz o governo recuar." No Twitter, a rejeição à medida chegou a 86,5%, a maior já registrada por qualquer iniciativa de Bolsonaro, um dos políticos mais influentes nas redes sociais em todo o planeta.

Pelo Facebook, o presidente Jair Bolsonaro negou que o decreto tivesse o objetivo de privatizar o SUS. Segundo ele, o espírito do decreto visava o término de obras e a possibilidade de os usuários buscarem a rede privada com despesas pagas pela União. "Temos atualmente mais de 4.000 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e 168 Unidades de Pronto Atendimento (UPA) inacabadas. Faltam recursos financeiros para conclusão das obras, aquisição de equipamentos e contratação de pessoal", informou. Bolsonaro disse ainda que, caso haja entendimento, o decreto poderá ser reeditado no futuro.

A bancada do Psol, que apresentou o PDL 456/20 com o objetivo de sustar a iniciativa, também atribuiu o recuo do governo à pressão social. "Bolsonaro sentiu a força da nossa mobilização e, por isso, anunciou recuo", disse em suas redes sociais a líder da bancada, deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP).

O líder da Minoria, deputado José Guimarães (PT-CE), também apresentou projeto nesse sentido (PDL 460/20). Ele considerou uma "vitória do povo brasileiro" a revogação do decreto pelo governo.

A bancada do PCdoB assinou conjuntamente outra proposta que sustaria o decreto (PDL 457/20). Para a líder do partido, deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), privatizar as unidades de saúde é retirar da Constituição garantias legais de saúde pública e gratuita. "Mesmo com hospitais e unidades de saúde lotados, o que tem garantido o atendimento gratuito da população nesses tempos difíceis de pandemia é o SUS", afirmou.

A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) destacou a importância das UBS, segundo ela, a “porta de entrada” para o SUS. “Ali que se recebe a população de todas as idades, onde se fazem as primeiras consultas, onde se fazem as vacinas e todo processo da medicina preventiva”, ressaltou.

A deputada questionou qual seria o retorno financeiro para quem investir em uma unidade desse tipo que recebe recursos escassos. “Na tabela do SUS, um exame de glicemia vale menos que um picolé de chocolate.” Ela acredita que a intenção do governo era cobrar por esses serviços. “A tendência é a cobrança de voucher, de taxa da clientela, e a clientela é a população mais pobre do Brasil.”

Pelo Twitter, o deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), autor do PDL 455/20 contra o decreto do governo, afirmou que o SUS é uma conquista histórica da população brasileira. “Não podemos, jamais, deixar que isso seja destruído. O SUS salva vidas, especialmente nesta dramática pandemia.”

Mais cedo, o Ministério da Economia garantiu, em nota, que os serviços de saúde seguiriam 100% gratuitos para a população e informou que a decisão de incluir as UBS no PPI foi tomada após pedido do Ministério da Saúde, com apoio do Ministério da Economia.

A avaliação conjunta das duas pastas é que é preciso incentivar a participação da iniciativa privada no sistema para “elevar a qualidade do serviço prestado ao cidadão, racionalizar custos, introduzir mecanismos de remuneração por desempenho, novos critérios de escala e redes integradas de atenção à saúde em um novo modelo de atendimento”.

O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) lamentou o recuo do governo e destacou que a gratuidade do SUS não poderia cair por decreto. Ele lembrou ainda que a iniciativa privada já é presente no SUS através da atuação das Organizações Sociais e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. "Mais da metade dos gastos com procedimentos médicos do SUS vem da iniciativa privada, aproximadamente 54%", ressaltou. Kataguiri citou o exemplo do município de Jundiaí (SP) onde uma unidade que foi premiada pela atenção à saúde da família é operada pela iniciativa privada.

A íntegra da nota divulgada pelo Ministério da Fazenda, antes de o presidente anular o decreto, enfatizava a existência de precedentes para a participação privada na operação e gestão de serviços públicos, como a iluminação e a própria saúde. A linha de argumentação era muito semelhante, portanto, à de Kataguiri, e não fazia supor que o governo recuaria tão rapidamente:

NOTA À IMPRENSA

"A decisão de incluir Unidades Básicas de Saúde (UBS) no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) foi tomada após o pedido do Ministério da Saúde com apoio do Ministério da Economia. A avaliação conjunta é que é preciso incentivar a participação da iniciativa privada no sistema para elevar a qualidade do serviço prestado ao cidadão, racionalizar custos, introduzir mecanismos de remuneração por desempenho, novos critérios de escala e redes integradas de atenção à saúde em um novo modelo de atendimento.

De acordo com o Ministério da Saúde, a participação privada no setor é importante diante das restrições fiscais e das dificuldades de aperfeiçoar o modelo de governança por meio de contratações tradicionais. Atualmente, há mais de 4 mil UBS com obras inacabadas que, de acordo com o Ministério da Saúde, já consumiram R$ 1,7 bilhão de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Os estudos que o PPI foi autorizado a fazer devem visar a capacidade técnica e qualidade no atendimento ao sistema público de saúde. Devem ser focados em arranjos que envolvem a infraestrutura, os serviços médicos e os serviços de apoio, de forma isolada ou integrada sob a gestão de um único prestador de serviços, o que possibilita estabelecer indicadores e metas de qualidade para o atendimento prestado diretamente à população. Os serviços seguirão sendo 100% gratuitos para a população.

A Secretaria do PPI já colabora com municípios e estados com a modelagem de diversos outros projetos de parcerias, a exemplo das Parcerias Público-Privadas (PPPs) de creches e iluminação pública."





Agência Câmara de Notícias e Ministério da Fazenda

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