A Portaria nº 13/2021, da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos do Ministério da Saúde, que incorpora ao Sistema Único de Saúde (SUS) o implante subdérmico de etonogestrel, como forma de prevenir gravidez não desejada em grupos específicos de mulheres, foi contestada nesta sexta-feira (16), em audiência pública na Câmara dos Deputados. Presidida pela deputada Erika Kokay (PT-DF) e promovida pelas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher, a de Legislação Participativa e a da Seguridade Social e Família.
Representantes do Ministério da Saúde defenderam a importância da inclusão do método contraceptivo para atender a mulheres em situação de vulnerabilidade social e justificaram limitações orçamentárias para estender a todas as mulheres. Integrantes de entidades feministas, por sua vez, denunciaram a falta de consulta popular e transparência, alegando que o texto enviado pelo governo é discriminatório e uma forma de controle social sobre os corpos femininos.
De acordo com o documento, poderão receber o contraceptivo mulheres em idade fértil em situação de rua; com HIV/AIDS, usuárias do antirretroviral dolutegravir; mulheres que usem o medicamento talidomida; privadas de liberdade; trabalhadoras do sexo; e em tratamento de tuberculose com uso de aminoglicosídeos.
O diretor do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde, Antônio Rodrigues Braga Neto, disse que a proposta é um ganho. “Várias vezes tentou-se essa incorporação, nos últimos dez anos. Mais de 40 cidades brasileiras têm um programa similar, este é voluntário. No futuro, mais mulheres poderão ser beneficiadas. Foi possível tornar o impacto aceitável para o SUS quando começaram a pensar em populações específicas que pudessem inicialmente se beneficiar mais do uso desse implante. O uso não é obrigatório”, explicou.
Luciene Fontes Bonan, outra representante do Ministério da Saúde, garantiu que a decisão não foi ideológica.“A primeira recomendação foi desfavorável à incorporação do implante, justamente pelo impacto orçamentário, que numa perspectiva de cinco anos, para essa população não limitada de mulheres, chegava a R$ 1,2 bilhão. Com a população específica, o impacto é de R$ 17 milhões”, disse.
Representante da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), Emilly Marques, considera que se trata de uma forma de controle social sobre as mulheres. “A AMB está atenta às inúmeras tentativas de retrocesso contra os direitos reprodutivos das mulheres, das negras, indígenas e pobres. Reivindicamos o fortalecimento de todo o SUS e do Sistema Único de Assistência Social, o SUAS. Ao invés de nos depararmos com avanços na saúde da mulher, vemos essa Portaria. Ao selecionar um determinado público, de um segmento que é universal, intenciona um serviço de controle de caráter eugênico, que afronta a nossa autonomia reprodutiva. Esse PL visa fortalecer o mercado farmacêutico, que lucra com a desinformação do nosso público”, observou.
Para Santuzza Alves de Souza, vice-presidente da Federação Única das Trabalhadoras Sexuais, a iniciativa foi mal-elaborada e ela pede que seja revista. “Muito nos surpreende. Uma representante diz que houve consulta popular. Mas, uma consulta a uma sociedade que sempre nos calou. Nós, enquanto trabalhadoras sexuais, não participamos desta consulta popular. Mesmo assim, fomos colocadas como público-alvo. Quanto mais possibilidades de fazer planejamento familiar, melhor, mas que seja colocado de forma transparente e que sejamos consultadas. Temos que discutir se isso realmente é um benefício para nós. A Portaria diz que não é obrigatório, mas não diz que não é. A gente pede que seja revista”, afirma.
Thais Machado Dias, membro da Sociedade Brasileira de Medicina da Família e da Comunidade, reconheceu a importância da inclusão do método no SUS, porém reclamou do caráter seletivo e discriminatório. “A gente reconhece a importância da ampliação do acesso ao método contraceptivo, que pode, sim, ser um benefício para muitas mulheres, que estão em situação de vulnerabilidade social. A melhor forma de melhorar este debate é trazer esta tecnologia para todas as mulheres brasileiras e não apenas as em situação de vulnerabilidade. O que o Ministério coloca aqui é que é uma questão orçamentária. Aqui no Brasil, a gente sabe que é uma questão de prioridade", ressaltou.
Falando em nome do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, Corina Helena Mendes concordou que o documento é uma forma de controle reprodutivo sobre as mulheres. "Expressa uma tutela do Estado sobre os corpos precarizados. Todas as mulheres devem ter direito a escolher o melhor método contraceptivo".
Lígia Cardieri, da Rede Feminista de Saúde, reclamou da forma como a consulta pública foi feita. "A gente só ficou sabendo um dia antes de ser encerrada. Existem várias entidades representativas que não foram consultadas. É uma Portaria com texto preguiçoso, que esqueceu uma história autoritária dos anos 1980 para cá de controle da natalidade, de CPIs mostrando como mulheres negras foram objeto de laqueaduras sem serem consultadas. O método é uma aquisição importante, precisa de atenção básica e acompanhamento que escute a mulher. É preciso revogar essa Portaria e fazer outra, com fundamentação e todos os alertas", recomenda.
A deputada federal Jandira Feghali (PC do B-RJ), uma das parlamentares que pediu a realização da audiência pública e é autora do PDL 176/21, que susta a Portaria 13, sugeriu uma série de encaminhamentos, entre eles uma tentativa de conversa no Ministério da Saúde, para que reveja a decisão. Outras sugestões são a suspensão da inclusão do texto na pauta de votações da Câmara e uma ação no STF.
"A ação está pronta e nós deveríamos fazê-la chegar aos ministros do Supremo Tribunal Federal. É estigmatizadora, inconstitucional e não possibilita que universalmente as mulheres possam tomar uma decisão consciente e informada por esse método", disse a parlamentar.
Assista ao vídeo com a íntegra da audiência pública, disponível no canal da TV Câmara no YouTube.