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Prefeito de Barra Mansa quer reformar parque público sem ouvir população

Projeto de restauração exclui a construção do prometido Museu do Trabalho e dos Direitos Humanos

Por Anderson Madeira em 28/07/2021 às 19:30:52

Foto: Divulgação

A notícia da anunciada reforma do Parque da Cidade deveria ser boa para os cidadãos do município de Barra Mansa. O local, que tem uma grande área verde e está localizado às margens do rio Paraíba do Sul, está abandonado há vários anos e sem qualquer atenção por parte do poder público. Recentemente, despertou o interesse de empresários que querem explorar uma área do local. A prefeitura apresentou projeto de reforma que exclui a construção do prometido Museu do Trabalho e dos Direitos Humanos, compromisso assumido em um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Federal em 2020, para assegurar o direito à memória da população. O projeto foi feito sem qualquer consulta popular.

No último dia 1º de julho, o prefeito Rodrigo Drable apresentou o projeto de readequação urbana do Parque da Cidade para autoridades do Estado, como o deputado estadual Ronaldo Anquieta (MDB) e o secretário estadual de Infraestrutura e Obras, Max Lemos. Anquieta pretende destinar uma área do parque para a construção de uma pista de kart. O projeto de reforma inclui ainda pista de skate, área de eventos, anfiteatro, teleféricos, bares, restaurantes, estacionamento, quiosques, playground, escola inclusiva, banheiros, área administrativa e um lago.

Na área onde se pretende construir a pista de kart funcionou o antigo 1º Batalhão de Infantaria Blindada do Exército de Barra Mansa, onde ocorreram violações aos direitos humanos durante a ditadura. Desde o ano passado estava previsto para ser construído naquele local o Museu do Trabalho e dos Direitos Humanos.

Segundo investigações da Comissão Municipal da Verdade de Volta Redonda, com apoio de trabalhos desenvolvidos por um grupo de pesquisa do campus da Universidade Federal Fluminense na cidade, o 1º BIB foi criado em 1950 para “assegurar a ordem pública” na região. Forças repressivas atuaram em torno do batalhão e perseguiram trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e os diretores do Sindicato dos Metalúrgicos da região, provocando a demissão de trabalhadores e dificuldades para conseguir emprego no entorno.

A comprovação de que militares haviam torturado 15 soldados do próprio batalhão, o que resultou na morte de quatro deles, levou à condenação judicial dos envolvidos por determinação da própria Justiça Militar. Em 1973, a Justiça Militar condenou sete militares, sem distinção de patentes, e encerrou as atividades do 1° BIB. É o único caso em que militares foram responsabilizados e punidos por suas práticas durante a ditadura pela própria Justiça Militar.

De acordo com Geralzélia Streva, irmã do soldado Geomar Ribeiro da Silva, assassinado pelas forças do 1° BIB em janeiro de 1972, os registros e a resignificação daquele espaço são essenciais para que o povo brasileiro não apague da memória toda a crueldade da ditadura. ''Muitos não sabem o que aconteceu, que o sangue de muito inocente rolou no chão deste país, fazendo da época 'dias de morte', onde militares corruptos e assassinos agiam livremente", desabafou Geralzélia.

Em 2014 foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta entre a prefeitura e o MPF, de maneira a assegurar o direito à verdade e à memória à população. O TAC objetiva a construção de sítios de consciência, como as experiências da Argentina e Chile, com a construção do Espaço Memória e Direitos Humanos (Ex-ESMA) e o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, respectivamente. O Termo estabelece, entre outras coisas, a área do antigo 1° BIB, onde hoje funciona o parque, como área para construção de um museu dos direitos humanos, em homenagem às vítimas e sobreviventes da ditadura que por lá passaram.

Após o encerramento dos trabalhos da CMV-VR, em 2015, o Centro de Memória do Sul Fluminense, da UFF de Volta Redonda, vem encarregando-se da ocupação do espaço através de projetos de extensão, como as visitas compartilhadas ao antigo BIB, e da construção de um projeto para este sítio de memória. Desde então, um grupo de ex-presos políticos, educadores e estudantes, profissionais da cultura e defensores dos direitos humanos vêm elaborando essa proposta.


Como fruto disso, em 2020, nasceu o projeto do Museu do Trabalho e dos Direitos Humanos. O projeto prevê a preservação de duas edificações históricas – o Arquivo e a S3 – que funcionaram como centros de tortura durante os anos 1960 e 1970, onde os 15 soldados e tantos outros presos políticos foram supliciados. A área estabelecida para a intervenção vem sendo chamada de Praça da Memória e prevê, além da restauração das edificações de valor histórico, pelas memórias que guardam, a construção de uma terceira edificação, que abrigará um espaço para exposições de longa duração e um espaço multiuso. Para as edificações históricas, estão previstos um espaço para exposições de curta duração, sala de leitura e pesquisa, espaço multimídia e recepção. No começo da pandemia, foi instalado um posto de vacinação contra o Covid-19 próximo à Praça da Memória.


O Centro de Memória do Sul Fluminense Genival Luiz da Silva (CEMESF/UFF) foi surpreendido com a notícia e lamentou o projeto do Museu do Trabalho e dos Direitos Humanos não ter sido sequer mencionado, conforme apontou a professora e historiadora Alejandra Estevez, que coordena o projeto do museu.

“Embora a comunicação entre o CEMESF/UFF e a Prefeitura nunca tenha sido fácil, sempre fizemos questão de manter um canal de diálogo, na tentativa tanto de fazer valer as cláusulas do TAC, sempre questionadas pela atual gestão. Um projeto desta magnitude, não pode ser formulado a portas fechadas, sem ouvir a sociedade e os grupos que já vêm atuando no espaço há anos”, lamentou.


A reportagem tentou contato com a prefeitura, que não se manifestou até o momento da finalização da reportagem. O espaço está aberto.

Documentário

Em 2020, essa história foi contada em documentário produzido pela Quiprocó Filmes em parceria com o Centro de Memória do Sul Fluminense - Genival Luiz da Silva. O documentário conta a história das graves violações aos direitos humanos ocorridas no espaço do antigo batalhão de Barra Mansa durante a ditadura civil-militar. Licenciado para o canal Prime Box Brasil, o curta recentemente foi selecionado para a Mostra de Imagem e Som da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), um dos eventos acadêmicos mais tradicionais da área de Ciências Sociais, que acontecerá integralmente de forma virtual, entre os dias 19 e 27 de outubro deste ano.

“A proposta da prefeitura está sendo apresentada no contexto em que o filme 'Memórias de Aço' é selecionado para um dos eventos mais importantes da área de Ciências Sociais, o que reforça a urgência e a atualidade do debate sobre os graves crimes ocorridos durante a ditadura civil-militar no Brasil. O projeto sinaliza uma tentativa de apagamento e silenciamento”, apontou Fernando Sousa, diretor executivo da Quiprocó Filmes e que assina a direção do curta Memórias de Aço, junto com Gabriel Barbosa.

Reprodução YouTube

Sinopse do filme

Durante a ditadura civil-militar, o antigo 1° BIB foi palco de violações aos direitos humanos na região sul fluminense, coordenando uma série de prisões, torturas e até mesmo assassinatos em seu interior. O principal alvo foram os trabalhadores e suas famílias.

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