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“Nem todo mundo é nosso cliente”: empresária do Rio denuncia agência de viagens ilegal por difamação

Durante a estada e na volta da Bahia, apesar do boletim de ocorrência, sobraram reclamações dela nas redes sociais por serviços mal-prestados e pacote não executado na íntegra

Por Daniel Israel em 18/10/2021 às 14:14:49

Tássia de Carvalho exibe o registro da ocorrência em delegacia de Salvador (BA). Foto: Acervo pessoal

Após uma semana em Morro de São Paulo (BA), o casal Tássia de Carvalho Simões e Bruno dos Santos Simões retornou ao Rio de Janeiro ontem (17), com lembranças positivas, frustrações e um boletim de ocorrência na bagagem. Devido ao serviço prestado por agência de viagens local, que opera na ilegalidade, na tarde de sexta-feira (15) Tássia foi até a Delegacia de Proteção ao Turista (DPAT), em Salvador, e denunciou a empresa por difamação. Pelo menos desde o dia anterior, porém, ela já fazia postagens sobre o episódio nas redes sociais.

No documento chancelado pela delegada da Polícia Civil (PC-BA), Maritta Silva de Souza, que não condiz com a totalidade dos danos sofridos pelo casal, Tássia alega quebra de contrato e ter sido mal-atendida, após não ser cumprido à risca o pacote “Volta à Ilha", adquirido na cidade do litoral sul baiano. Também apontou que seu telefone pessoal foi vazado, pelo que recebeu mensagens de cunho racista, cuja autora tentou diminuir a situação que ela e o marido enfrentaram.

Boletim de ocorrência registrado na DPAT, em Salvador. Imagem: Reprodução/PC-BA

Os dois viajaram ao destino, tão famoso por incontáveis belezas quanto a presença de turistas de diversas partes do mundo, com dois objetivos: renovar os votos e nadar com peixes em piscinas de águas naturais. Mas dependiam da agência de viagens para realizar o segundo.

Até lá, deu tudo certo, como se pode ver em algumas fotos do ensaio feito por Alê Pocaia e incluídas na galeria desta reportagem. Não era exagero ou força de expressão chamá-la de "a viagem dos sonhos": os dois não puderam aproveitar o novo estágio da relação logo que trocaram as alianças. Juntos desde 2005, há oito anos, ela descobriu que tinha contraído lúpus (do tipo eritematoso sistêmico), doença silenciosa e crônica, que no caso de Tássia afeta a pele, os olhos e a capacidade muscular, além dos cabelos, que caíram por inteiro. A primeira lua-de-mel foi desmarcada porque ela fazia quimioterapia, na época.

"Estávamos entre três destinos: Morro, Maragogi (AL) e Porto de Galinhas (PE). Mas meu marido é baiano e não pisava na Bahia há quase 30 anos. Aí, eu achei uma promoção que custava quase o mesmo valor", recorda-se ela.

Agência de viagens ilegal repele a própria cliente. Imagem: Reprodução/WhatsApp

Início das frustrações

Porém, "nadar com os peixinhos", como ela tem repetido em suas redes nos últimos dias, se tornou inviável por descuido da Vibe Morro de SP, a agência contratada pelo casal. É que a maré, como se diz no linguajar local, estava “morta” e impossibilitou que eles aproveitassem como tinham se preparado. Mas a reportagem teve acesso a mensagens que Tássia trocou com Raissa dos Anjos Nogueira, proprietária da empresa, que se responsabiliza pelo erro que, originalmente, foi do marido e sócio dela, João Paulo Briner.

Mesmo assim, Raissa não cogitou devolver parte do pagamento feito pelo casal e se isentou de qualquer problema causado aos dois clientes.

"Em nenhum momento destratamos ela, ou deixamos de dar suporte. Minha consciência está limpa, impecável, intacta. Tenho tudo registrado. Mas não estou preocupada, eu confio na justiça, e na justiça de Deus. Temos testemunhas", afirma.

A agência de Raissa, no entanto, não existe para as autoridades fiscalizadoras do turismo e por tabela do direito do consumidor. É ilegal porque, como a lei vale para todo prestador do setor turístico no Brasil (casos de guia de turismo, meio de hospedagem, empresa de transporte), não conta com registro no Cadastur, o cadastro nacional de prestadores de serviços turísticos, sob responsabilidade do Ministério do Turismo (MTur). Por exemplo, interessados em trabalhar como guias de turismo precisam concluir o curso técnico, que dura dez meses, para ter direito a um diploma. Somente de posse deste documento é possível solicitar à pasta ministerial a inscrição no Cadastur.

Sem registro no Cadastur: nem agência, nem sócia. Imagem: Reprodução/Portal do Governo Federal

Diz o artigo 22 da Lei 11.771/2008, que trata da Política Nacional de Turismo: "Os prestadores de serviços turísticos estão obrigados ao cadastro no Ministério do Turismo". Em ao menos uma ocasião, conforme comprovação enviada por Tássia, a venda de um serviço foi feita para ela e o companheiro em máquina de cartão registrada no CNPJ da Descubra Morro de São Paulo, gerida por Briner e da qual Raissa também faz parte da sociedade.

Da mesma legislação, o caso da Vibe Morro se enquadra no artigo 41, que prevê multa e interdição do local e atividade. Ainda por cima, a clientela se sentiu intimidada ("Eu conheço todo mundo de Morro", teria dito Raissa a Tássia) e comprovou que foi lesada, por isso os empresários não atenderam a um dos deveres profissionais da categoria, citado no artigo 34, IV: "estrita obediência aos direitos do consumidor". Fora o exercício ilegal da profissão, em cuja prática a agência incorre na Lei de Contravenções Penais (art. 47, II, Decreto-Lei 3.688/1941).

Empresária, jornalista e publicitária, Tássia de Carvalho Silva Albino Simões é natural de Nova Iguaçu e fundadora da Agência Is, criada em 2016 e sediada na vizinha Nilópolis. A empresa se orgulha de ser "a primeira agência de comunicação do país que atende exclusivamente ações de impacto social", com foco em pesquisas, assessoria de imprensa, produção de conteúdo, às no total de quase uma dezena de atividades. Nos dois primeiros anos, foram desenvolvidas mais de 30 iniciativas para diferentes perfis, de favelas a grandes organizações com prestígio internacional. Credenciada como palestrante num evento da série TEDx, ela foi reconhecida como Jornalista Revelação no Prêmio Ubuntu 2019 e atualmente cursa duas pós-graduações a distância na área de Marketing, na Descomplica, startup de educação digital.

Versão discutível

Aos 28 anos, Raissa Nogueira vive em Morro de São Paulo desde 2014. Ela nasceu em Porto Seguro, também um destino paradisíaco no sul baiano, dentro da chamada Costa do Descobrimento. Na mesma região, ficam outros dois municípios: Santa Cruz Cabrália, que serviu de base à seleção alemã tetracampeã mundial de futebol da última Copa realizada aqui, e Belmonte. Tentando se esquivar da atuação clandestina, ela conta que trabalha com atividades ligadas ao turismo há uma década, desde antes da maioridade legal, aos 17. Explica que a Vibe abriu processo de registro, mas, como está demorando, ela e o marido não definiram se vão seguir adiante com outro empreendimento. "Como esse nome é mais novo, a gente ainda não sabe se pode continuar", resigna-se.

Arredia quando solicitada para apresentar o contrato firmado com o casal que mora no Rio, Raissa é assertiva na mesma proporção em que se coloca na defensiva ("Temos contrato, e o detalhe é que aqui em Morro ninguém tem", "peça a ela [Tássia]"; "trabalho há 10 anos com turismo", "é tudo novo pra mim"). Ressalta ainda que "a verdade engrandece a gente, faz bem".

No total, Tássia e Bruno pagaram à agência R$ 1.000,00, incluindo traslado, catamarã e pacote turístico. Além disso, era tão grande a expectativa para o encontro com os peixes, que eles pegaram até dinheiro emprestado para comprar equipamentos de filmagem, banho e mergulho, a fim de desfrutar da companhia dos cardumes: câmera GoPro e drone, biquínis plus size, sapatos especiais, máscaras (snorkels, em inglês). Casal preparado, cenário perfeito, mas faltou o básico: a maré, aliás o aviso de que não seria possível curtirem os 'peixinhos' em condições adequadas.

Contrato elaborado pela Vibe Morro. Imagem: Acervo

Todas as frustrações possíveis

O insucesso desse passeio se deveu primeiramente a Briner, porque ele aconselhou o casal a comprar para aquela data (quarta-feira, dia 13/10/2021), quando a maré estaria propícia. Mesmo Tássia sendo alertada pelo barqueiro, funcionário do catamarã terceirizado, de que não haveria contato com os peixes; pelo menos outro cliente da Vibe Morro relatou à agência que também não fora avisado sobre a não realização do passeio até as piscinas naturais.

No dia seguinte, o descaso do empresário com o casal ficou demonstrado por mais uma troca de mensagens. "Não nos buscaram para o passeio que ficava a 6km do hotel, mandaram ir andando. E eu vendo o povo postando fotos no grupo de passageiros. Só chorava, meu marido revoltado e tentando se controlar, eu tinha a sensação de estar no lugar mais incrível da terra e parecer um inferno", comenta ela, que prossegue.

"A gente foi dormir cedinho. Aí, no dia de irmos embora, eu acordei às quatro e pouca da manhã, do nada, e escrevi aquele textão. Eu tinha combinado com meu marido de descer da balsa, para sair da ilha, porque a Raissa também emitiu nossas passagens. Meu marido ficou com medo de ela cancelar e a gente ficar preso por lá. Entrei no [grupo de] WhatsApp de passageiros de outubro e descobri que ela tirou meu marido e eu", relata, em tom de indignação. Antes de continuar o relato, solta um palavrão. "Eu tinha o link do grupo, aí acessei desse WhatsApp [o de uso profissional] e postei o texto lá. E falei que ela excluiu a gente para não contarmos a verdade. E saí. Como era cedo, ela nem teve tempo para nada. Aí, me mandou essa mensagem aqui", detalha. A mensagem pode ser lida na imagem abaixo.

Conversando com a reportagem no domingo à noite, Tássia lamentava tanto ataques racistas que recebeu desde que teve seu número de telefone pessoal com WhatsApp exposto no aplicativo quanto ameaças de morte contra a própria Raissa Nogueira, das quais tomou conhecimento por meio de outras pessoas que trabalham no turismo de Morro de São Paulo. Algumas foram as demonstrações de empatia pelo casal que mora em Bonsucesso, na zona norte da capital fluminense, inclusive com ofertas de gratuidade caso queiram retornar ao balneário.

Desconhecida ofendeu Tássia com termos racistas. Imagem: Reprodução/WhatsApp

Nada disso a impede de manter o que afirmou em uma publicação, que começou com a frase pela qual fizeram pouco caso da acusação dela de ter sofrido racismo na Bahia ("Estou cansada de ser preta no Brasil!"), replicada pela CEO da Agência Is nas redes sociais.

"Esse é o atendimento diferenciado que a Vibe Morro oferece aos seus clientes: ameaças, calúnias, posicionamento hostil, gritos e várias violações ao Código de Defesa do Consumidor", diz em trecho do, nas palavras dela, 'textão'.

Ofensas dirigidas pela agência de viagens à cliente. Imagem: Reprodução/Instagram


Veja abaixo, na Galeria de Fotos, algumas das passagens mais marcantes do casal Tássia de Carvalho e Bruno Simões por Morro de São Paulo (BA), em cliques de Alê Pocaia.

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