O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), Danilo Dupas Ribeiro, participou de audiência pública da Comissão de Educação, hoje (10). Ele foi convocado dois dias após pelo menos 35 servidores efetivos do órgão federal terem pedido demissão de cargos em comissão.
Numa apresentação inicial que durou meia-hora, Dupas Ribeiro destacou que todos os exames e avaliações aplicados pelo Inep estão "garantidos" e "serão realizados normalmente". Segundo ele, a edição 2021 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não será prejudicada pelas exonerações dos servidores dos cargos que ocupavam, inclusive do Enem. A previsão é que 3,7 milhões de inscritos realizarão as provas nos últimos domingos de novembro, dias 21/11 e 28/11.
O gestor do Inep também disse que "repudia e não compactua com qualquer ato que se enquadre como assédio moral". As afirmações feitas por Dupas se deveram a denúncias da Associação dos Servidores do Inep (Assinep), conforme documento a que a reportagem teve acesso e relatamos aqui.
Nenhuma das respostas dadas pelo presidente da autarquia federal, subordinada ao Ministério da Educação (MEC), satisfez aos deputados federais de oposição presentes na sessão. A ponto de Glauber Braga (PSoL-RJ) sugerir que havia "dificuldade de comunicação" entre os dois.
"Seis milhões de brasileiros acessavam o Ensino Superior através do Enem, agora é metade. Isso é fruto dessa incapacidade gerencial e da opção política que o governo fez, nas falas do próprio ministro [Milton Ribeiro], quando fala que a educação não é pra todos", rebateu o deputado Danilo Cabral (PSB-PE), coordenador da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público.
Apesar dos protestos, a postura do representante máximo do Inep, acompanhado do Diretor de Avaliação da Educação Superior e seu substituto imediato na presidência do órgão, Luís Felipe de Miranda Grochocki, prosseguiu evasiva até o final da audiência. A todo momento, Dupas Ribeiro minimizava os riscos em curso e as denúncias de servidores do órgão. Parte do pronunciamento da deputada Rosa Neide (PT-MT) foi cedida por ela a Rozana Barroso, presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), que questionou a tranqüilidade de Dupas com "esse tanto de ato irresponsável".
"Não tem como ter tranqüilidade, quando nós temos o Enem com o menor número de inscritos em 13 anos. Esse Enem é chamado de o mais branco da história, porque os estudantes jovens, negros, da periferia, indígenas não se inscreveram. A pergunta dos estudantes é por que esse tanto de ato irresponsável", lamentou ela, sendo aplaudida por vários dos presentes.
“O senhor disse que está tudo certo no cronograma. Não é verdade isso, eu recebi diversas informações de gestores estaduais dizendo que o cronograma de aplicação do Saeb está atrasado, porque o material não chegou na ponta. Está sendo feito junto com o Enem, eram em períodos distintos”, continuou Cabral. Em resposta ao Portal Eu, Rio!, ele afirmou que a realização do Saeb simultaneamente ao Enem é prejudicial aos "indicadores da educação básica, que impactam no Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica]". "O Inep é o coração da educação brasileira e corre o risco de entrar em colapso", complementou.
A representante da UBES, que pode se tornar a primeira pessoa de sua família a ingressar na universidade pública, se mostrou descontente com a ausência de canais de diálogo. "A UBES pede uma reunião há mais de 300 dias com o MEC e Inep, exatamente pra tratar sobre o Enem e educação na pandemia. Infelizmente, a falta de diálogo tem colocado em xeque o presente e futuro de muitos jovens brasileiros. A nossa campanha nesse momento é #DefendaOEnem", declarou ela, que fala em nome de 40 milhões de estudantes do ensino básico no Brasil.
Cabral fez coro com a secundarista e intimou Dupas a cumprir com a prerrogativa que o cargo lhe confere. "O senhor conseguiu ter acesso ao Ensino Superior, garanta esse direito aos outros também. É o seu papel, é sua responsabilidade", disse.
Assista, no vídeo a seguir, às falas de Rozana Barroso (início em 2h26m50s) e Danilo Cabral (2h34m).
Outra conduta rejeitada
Na sessão promovida pela Comissão de Educação, encabeçada pela deputada Dorinha Seabra (DEM-TO), o presidente do Inep anunciou que se reuniria com a Assinep, no final da tarde de hoje. Porém, o presidente da entidade, Alexandre Retamal, respondeu à reportagem que Danilo Dupas Ribeiro fez o anúncio sem a confirmação da Assinep.
"Ele mandou um email, marcando previamente, sem nos consultar. Mandou sem pauta, depois eu perguntei qual era, ele disse que eram as reivindicações da Assinep à sociedade. Ora, se é pra apresentar reivindicações à sociedade, nós vamos divulgar uma nota pública. Pra gente apresentar a nossa pauta, primeiro precisa se reunir em assembléia. Será amanhã e depois a gente vai estar à disposição pra se reunir com o MEC e a presidência do Inep", explica.
Exceção ao deputado federal Danilo Cabral, não obtivemos retorno de senadores e demais deputados federais que lideram Frentes Parlamentares atuantes na Educação e pela valorização do Serviço Público. Seguimos à disposição para saber como esses congressistas avaliam as declarações do presidente do Inep durante a audiência pública realizada hoje.
Enquanto isso, nos bastidores
Em meio ao cenário atual, o filósofo e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), Renato Janine Ribeiro fez uma observação detalhada sobre o impacto que os pedidos de demissão ocasionarão dentro do Inep e à realização do Enem.
"Importante dizer, esses funcionários são todos de carreira. Mas eles estavam em cargos comissionados, de confiança, para justamente organizar o Enem, que é o maior exame do mundo --depois do equivalente chinês-- nessa categoria. A realização dele é muito complexa", afirmou Janine Ribeiro, que também é escritor e ex-ministro da Educação, em áudio enviado aos inscritos no curso "Bastidores da Política". "O que dizem os funcionários que se demitiram? Primeiro, o presidente do Inep não tomava as decisões necessárias e fazia com que os subordinados tivessem que arcar com responsabilidades que são da alçada dele. Segundo, que ele não os recebia para discutir questões vitais de solução do exame. Se nos dias 21 e 28 acontecer algum imprevisto, e o que podemos prever é que acontecerão imprevistos, não haverá gente qualificada para atendê-los. Vai ter que ser feito de improviso".
Ouça, no Podcast do Portal Eu, Rio!, as declarações que o filósofo e ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, gravou para o curso "Bastidores da Política".