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É preciso estar atento e forte

Relatório aponta que, de 2015 a 2020, houve um homicídio político a cada 50 dias na Baixada

Especialistas debateram a violência política na região durante lançamento de pesquisa realizada pelo Observatório de Favelas e a UFF


Vereador em Duque de Caxias, Danilo do Mercado (à esq.) estava na companhia do filho quando os dois foram assassinados, em março. Foto: Reprodução/Facebook

Nesta terça-feira (14), foi lançado o relatório da pesquisa “Violência e Política na Baixada Fluminense”, em transmissões ao vivo realizadas simultaneamente nos canais do Observatório de Favelas e do Instituto de Educação de Angra dos Reis (IEAR/UFF), no YouTube.

Sob a mediação da assistente social Thaís Gomes, mestranda em Serviço Social (UFRJ) e coordenadora-executiva do Programa de Direito à Vida e Segurança Pública do Observatório de Favelas, o evento começou com as apresentações de duas pesquisadoras envolvidas na produção dos resultados empíricos, cujos dados foram coletados e em seguida analisados pelo mestrando em Políticas Públicas e Direitos Humanos (UFRJ), Daniel Octaviano, e o recém-doutor em Ciências Sociais (UERJ), Leandro Marinho, também vinculados ao Observatório.

A psicóloga Raquel Willadino, companheira dos três na instituição onde integra a diretoria, salientou que a cronologia da violência política em nosso país é tão antiga quanto complexa. “O problema da violência política, apesar de ter ganhado maior visibilidade recentemente, é um problema histórico que tem raízes estruturais no Brasil. Nesse sentido, basta a gente olhar pros conflitos de terra e as lutas no campo ou revisitar a história da Baixada Fluminense”.

Já a antropóloga Bete Albernaz, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e atualmente pesquisadora na Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, destacou, dentre outros aspectos, a relevância do tema bem como a publicidade do relatório a menos de um ano das eleições gerais de 2022. “Essa pesquisa tem méritos importantes, além do pioneirismo e de estar sendo feita neste momento. Aglutina informações sobre violência política na Baixada que estavam dispersas. Importante mencionar a violência como reprodução da ordem, não como fenômeno, extraordinário, de grupos de elite e raízes profundamente coloniais”.

Coordenador-geral da pesquisa – abrangida de 2015 a 2020 –, André Rodrigues, professor adjunto do pensamento político do IEAR/UFF, saudou a dupla que realizou o trabalho de campo, a quem dedicou “agradecimentos muito especiais, são o espírito e a carne dessa pesquisa”. Rodrigues explicitou algumas das conclusões levantadas na conclusão do texto. “O perfil dos assassinados é homem, branco, acima dos 40 anos, sendo que nove não foi possível identificar. Por esses dados, a gente teve um ator político assassinado a cada 50 dias”, detalhou. “O cargo de vereador concentra os homicídios: do total de 43, 26 eram vereadores, ex-vereadores, candidatos a vereador. E a violência mais comum se dá entre grupos envolvendo elites políticas”.

No período de 2004 a 2020, ampliando o escopo onde se situa a metodologia adotada, foi possível concluir que, na Baixada Fluminense, candidatos da área de segurança foram os mais representativos entre as categorias profissionais, atrás apenas de comerciantes. Por outro lado, foi a quarta atividade profissional que mais elegeu parlamentares municipais na região naquele período, sendo quase o dobro em relação ao restante do estado do Rio (6,7% contra 3,6%).

Em sua fala inicial, o sociólogo José Cláudio Souza Alves, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), disse que o regime militar usou o cruzamento jogo-do-bicho e carnaval para se popularizar. “Nilópolis é um retrato fiel disso: junta o tráfico de drogas e a disputa política em torno da família Abraão David”. O patriarca, Anisio, é presidente-de-honra da Beija-Flor e seu filho, Gabriel, preside a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa).

“Em Magé, a família Cozzolino chegou a colocar nomes de seus parentes em todas as escolas municipais locais. Duque de Caxias (um milhão de habitantes), Nova Iguaçu (800 mil) e Belford Roxo (500 mil) têm as questões mais complexas, onde o poder político cruza com estruturas mais amplas”, prosseguiu.

Como se pode notar pelas apresentações durante a transmissão e as conclusões do relatório, é necessário considerar a trajetória do que os autores chamam de “poder de matar”, por exemplo a partir de figuras como Tenório Cavalcanti. “Não é a mesma coisa, mas tem raízes muito fundas”, opinou Bete. Rodrigues concordou e complementou o que disse a colega de pesquisa do relatório. “Existe uma tendência de fora de olhar a Baixada como uma região monolítica. Esse mercado da morte violenta, que a gente chama no relatório, tem muitas nuances e assume outras tendências em determinadas localidades”, avaliou.

“Tenório Cavalcanti é representante de um modelo tradicional dessa relação que se tornou estrutural, do poder armado como elemento fundador da política. Não era só um político local da Baixada, foi para o Congresso Nacional, tinha muita influência na política estadual. A política organiza o mercado da violência”, continuou ele, autor de pesquisa sobre homicídios nessa área da Região Metropolitana do Rio que concentra 14 municípios, realizada em 2016 e lançada dois anos depois.

Para Souza Alves, o passado em que Tenório Cavalcanti se constituiu como figura pública está “superado”. “Construiu a figura dele a partir de um patrimônio individual, hoje esse patrimônio precisar se transformar num mais amplo”. A ponto de ele, candidato a prefeito de Seropédica em 2016, ter respondido a uma espectadora sobre o uso de donas de casa por milicianos da Baixada, por exemplo em favelas no entorno da Refinaria de Duque de Caxias (Reduc), para saírem candidatas a cargos políticos eletivos.

“Só existe miliciano porque o Estado franquia o poder de matar, isso é a matéria-prima da milícia”, vaticinou. “A gente está entendendo o poder de letalidade em geral na Baixada. Pra chegar ao ponto de eliminar candidato, o cara tem esse poder porque ele exerce. Estão lançando mão desse expediente cotidianamente, no modo de gestão das vidas das políticas”.

Página de apresentação do relatório. Divulgação

Do tráfico aos desaparecimentos

Perguntado sobre o envolvimento do traficante Luiz Fernando da Costa, o “Fernandinho Beira-Mar”, no cenário de violência política recorrente na Baixada, o especialista pondera sobre diferenças entre o exercício do tráfico e da milícia na região, detalhando como Beira-Mar, a exemplo de seus familiares, já se envolvem com essas atividades. “A estrutura do tráfico faz parte do poder político. Tem que olhar e perceber as estratégias, são diferentes. Foi identificado por investigação policial que ele [Beira-Mar] tinha, na Câmara de Vereadores de Caxias, em torno de oito parentes empregados, gente trabalhando lá dentro”, explica, com exclusividade, ao Portal Eu, Rio!.

“O pessoal do tráfico não tem a dimensão direta de envolvimento, coisa que a milícia tem, com muito mais facilidade. Mas apesar de estar recuado, deles mesmos ocupando os cargos dentro da estrutura política, vão fazer acordos, arranjos, negócios. Vão se valer do controle territorial, econômico e político-eleitoral, a mesma base que a milícia faz”, lembra.

Filha do traficante, a dentista Fernanda da Costa era suplente e assumiu no lugar do vereador Danilo do Mercado, assassinado em março de 2021. O filho, Gabriel, também foi morto na ocasião.

Raquel Willadino ainda pontuou que a questão também atinge de maneira ampla grupos historicamente vulneráveis. “Esse é um tema que se relaciona com a centralidade do racismo, sexismo e da LGBTfobia na expressão de múltiplas violências no nosso país”.

Atualmente, o professor da Rural, especialista na atuação de grupos de extermínio na Baixada Fluminense, levanta informações sobre desaparecimentos forçados, a partir de dados fornecidos pelo Disque-Denúncia, Instituto de Segurança Pública (ISP), Ministério Público e a Delegacia de Desaparecidos e Descoberta de Paradeiros (DDPA), além de buscas nas redes sociais e imprensa. O trabalho é realizado de maneira conjunta, com colegas da UFRRJ e organizações locais, por exemplo o Fórum Grita Baixada.

“Estamos fazendo entrevistas, encontros com mães que tiveram seus filhos e familiares desaparecidos. Uma prática cada vez mais intensa, o número de homicídios vem decrescendo, isso é recente, e ao mesmo tempo o de desaparecimentos cresce. É muito difícil e a gente não tem ideia, porque não tem registro”, lamentou.

O relatório foi realizado com recursos da Fundação Heinrich Böll e editado pela Mórula Editorial. A pesquisa foi dedicada às organizações da sociedade civil da Baixada Fluminense que se debruçam sobre o tema da Segurança Pública e na prevenção à violência política na região. Clique aqui para acessá-lo.

Ouça, no Podcast do Eu, Rio!, a ponderação do sociólogo José Cláudio de Souza Alves, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), sobre as diferenças entre as atuações de tráfico e milícia na Baixada Fluminense.


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