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MPB de luto

De "leoa" a ouvinte de rádio: maquiador e radialista contam histórias sobre Elza Soares

Eduardo Araúju trabalhou por 30 anos ao lado da cantora; já Rodrigo Campos se recorda de quando recebeu telefonema dela após elogiar ao vivo uma música


Foto: Ricardo Moraes/Agência Brasil

Que Elza Soares foi uma mulher ricamente intensa e cheia de histórias, todos sabem. E muitas delas foram recordadas nesta quinta-feira (20), dia em que a diva da música brasileira morreu aos 91 anos de vida. O Portal Eu, Rio! conversou com o maquiador Eduardo Araúju, que trabalhou 30 anos ao lado da cantora, e com o jornalista da TV Brasil e radialista da Rádio Nacional Rodrigo Campos, que recordou uma passagem com ela em 1998. Os dois relatos têm uma coisa em comum: a gentileza com a qual a artista tratava quem a admirava.

Araúju recorda que o início do trabalho foi "uma feliz obra do acaso". Em 1982, ele trabalhava como bancário e vendia produtos de beleza de forma autônoma nas horas vagas para ganhar uma renda extra. Até que, numa noite, ele foi fazer a venda no Cassino Amarelinho em um show que teria a presença de Elza. A cantora gostou dos produtos e comprou uma linha quase completa.

Assim que vendeu os produtos, Eduardo já saía do local até ser abordado pela artista, que questionou se ele sabia maquiar. O motivo da pergunta foi pelo fato da maquiadora dela não ter comparecido ao show que começaria em poucas horas. O então bancário/vendedor disse apenas um simples "não". Mas Elza não se fez de rogada.

"Ela me disse: 'Ah, então você vai aprender agora!', e aí eu me tornei o maquiador dela por 30 anos. Além disso, também trabalhei como secretário, visagista, camareiro e, por tudo isso, me tornei amigo confidencial. Passamos muitos coisas boas e algumas ruins. Sempre que trabalhei com a Elza fui o braço direito. Tive o prazer de ver a ascensão dela após o disco 'Do Cócix Até o Pescoço', que foi o reconhecimento dela pela cantora maravilhosa, incrível, de voz rouca e suingada. A única que tinha essa voz se chama Elza Soares!", recorda o amigo, que também lembra ter presenciado, ao lado dela, uma série de prêmios que a cantora levou, inclusive quando foi eleita a "Voz do Milênio".

Conhecido por realizar concursos de beleza inclusivos, como o Miss Plus Size Nacional e o Estadual do Rio, o Senhoras do Calendário, Miss e Mister Rua, além do Miss Maturidade, Araúju explica que aprendeu muito com a artista a ser produtor desses eventos. E acrescenta que, mais do que realizá-los, Elza o ensinou como valorizar o ser humano independentemente da condição pessoal e social.

Eduardo explica que estava afastado profissionalmente "há um tempinho" da cantora, mas salienta que isso jamais atrapalhou a amizade de ambos. Pelo contrário. Ele detalha momentos prazerosos vividos ao lado de quem era mais do que uma mãe: "era uma leoa".

"A Elza nunca esqueceu de mim. Até na hora da morte, estou sendo porta-voz para algumas pessoas. Nossa história é muito forte, vivemos muita coisa juntos. Um exemplo foi a homenagem que ela recebeu no carnaval em 2020 pela Mocidade. Ela poderia ter chamado outra pessoa para desfilar, mas fez questão de me convidar para o mesmo carro onde ela ficou. A Elza era a mãe de todo mundo que trabalhava com ela. Mais do que mãe, Elza era uma leoa. Curiosamente, ela nasceu numa data que seria do signo de Câncer, mas foi registrada em um período em que o mapa astral é de Leão. Isso, para mim, explica o fato dela ser essa leoa. Sem contar as inúmeras vezes que me ajudou. Realmente, ela foi muito mais que uma simples mãe. Gratidão é a palavra que uso para defini-la", emociona-se.

Radialista tremeu ao receber um telefonema de Elza

Em janeiro de 1998, o futebol brasileiro se encontrava em férias e o noticiário esportivo se concentrava nas informações de pré-temporada, como até hoje acontece, abordando a saída e chegada de atletas nos clubes. E na extinta Rádio Tamoio passava um programa chamado "Musical Esportivo". Substituindo o apresentador titular, que estava de férias, Rodrigo Campos colocava uma sequência de três músicas e depois noticiava uma informação de um dos quatro grandes do Rio. Até que ao final da música 'Trajetória', cantada por Elza, ele publicamente elogiou a canção.

Campos explicou que a situação aconteceu em um sábado a tarde e que tinha dito ao vivo que a letra, o arranjo e a voz de Elza na música estavam "lindos". O radialista deu sequência ao programa, mas o operador de áudio, Carlão, entrou no estúdio "com o olhão arregalado" e falou que a cantora estava na linha e queria falar com o apresentador.

"Quando o Carlão me falou que a Elza estava ao telefone, me tremi todo. Até pensei que fosse trote. Aí chamei o intervalo e falei com ela totalmente emocionado. A Elza me perguntou como alguém jovem, que tinha 25 anos de idade na ocasião, gostava tanto de sambas antigos, pois eu colocava outros sambistas para tocar, como João Nogueira, Roberto Ribeiro, Martinho da Vila, Clara Nunes e Paulinho da Viola. Expliquei que isso era graças à minha criação. Nesse papo perguntei se ela topava entrar no ar e a Elza, super simpática, topou", detalha.

O jornalista explica que o início do papo foi sobre a música, mas, naturalmente, o tema Garrincha foi abordado. Campos relembra que naquela época já existia a discussão sobre o futebol ser mais físico, com os zagueiros sendo "brucutus". Então o apresentador perguntou à cantora se o Gênio das Pernas Tortas teria vez no futebol de então. O jornalista se diverte ao recordar a resposta.

"A Elza deu um gargalhada absurda e disse que, 'com certeza', o Garrincha teria mais destaque por uma série de recursos que já existiam à época. Daí eu falei que o futebol estava muito violento, com os zagueiros batendo muito. Ela voltou a me responder afirmando que, mesmo assim, o Garrincha teria destaque no futebol da época porque ele já apanhava muito dos zagueiros quando jogava. E ainda acrescentou que o próprio jogador ria das pancadas que levava, pois sabia que iria ganhar uma massagem especial dela", relembra aos risos.

Velório no Theatro Municipal

O velório de Elza Soares será no Theatro Municipal do Rio de Janeiro nesta sexta-feira (21). Das 8 às 10 horas será fechado para familiares e amigos e das 10 às 14 horas será aberto ao público.

O translado para o cemitério Jardim da Saudade de Sulacap, na Zona Oeste, será feito pelo carro do Corpo de Bombeiros, com trajeto passando pela Avenida Atlântica, em Copacabana, na Zona Sul. O velório no cemitério, assim como o enterro, serão restritos aos familiares e amigos.


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