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Cristina Serra lança livro sobre tragédia ambiental de Mariana

A obra denuncia o descaso de autoridades que tornaram o licenciamento ambiental ainda mais flexível no País.

Por Marcos Nahmias em 05/11/2018 às 14:20:59

O livro mostra a memória dos que morreram, a tristeza dos que restaram, a angústia e sonhos dos que precisam recomeçar a vida. Foto: Agência Brasil

"Tragédia em Mariana - A história do maior desastre ambiental do Brasil" é o novo livro da jornalista Cristina Serra, que será lançado pela editora Record, na terça-feira (6), na Livraria da Travessa do Shopping do Leblon, no Rio de Janeiro, às 19 horas. A obra denuncia o descaso de autoridades que tornaram o licenciamento ambiental ainda mais flexível no País, segundo a autora. O episódio dramático completa três anos nesta segunda-feira, dia 5 de novembro.


A obra apresenta a história por trás do rompimento devastador da Barragem de Fundão, da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, em Mariana, Minas Gerais, em 2015, um dos maiores desastres socioambientais de todos os tempos. O livro de Cristina Serra é o resultado de diversas matérias da jornalista, que, na época da tragédia, cobriu o caso e seus desdobramentos pelo Fantástico (TV Globo), em que ela fez seis reportagens para o programa dominical.

O número de informações e a indignação eram tão grandes que a jornalista decidiu transformar as reportagens em um livro. A obra é essencial para entender não apenas o episódio como também refletir sobre a irresponsabilidade do licenciamento ambiental no País.

A autora traz e detalha documentos, procedimentos e condutas sem se afastar da dimensão humana das vítimas. O livro mostra a memória dos que morreram, a tristeza dos que restaram, a angústia e sonhos dos que precisam recomeçar a vida.

"Durante 20 anos, cobri política nos gabinetes de Brasília. Com a publicação do livro sobre a tragédia em Mariana, consolido, definitivamente, a mudança para a cobertura de meio ambiente, projeto que venho acalentando há anos. Sabendo, porém, que o que vai acontecer no Brasil na área ambiental dependerá das decisões tomadas nos gabinetes do Planalto e demais instâncias de poder. A defesa de nossas águas, florestas, nossa incrível biodiversidade e povos tradicionais precisam do bom jornalismo. É nessa trincheira que quero estar", comenta Cristina Serra em seu Faceboock.

Para Cristina, a tragédia de Mariana serve de alerta para outras que devem ser evitadas. Ela lembra que todo cidadão tem direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e saudável. "Por que a gente não consegue isso? Por que a gente não consegue cumprir isso que está na Constituição e também conciliar isso com o desenvolvimento econômico?", questiona em entrevista à TV Brasil.

Cristina Serra tem mais de 30 anos de jornalismo, trabalhou para várias redações, entre as quais o Jornal do Brasil, Revista Veja, 26 anos na Rede Globo, onde foi repórter de política em Brasília, correspondente em Nova York e comentarista do quadro "Meninas do Jô", no Programa do Jô. Recentemente ajudou a fundar o canal digital de jornalismo 'My News'.

Veja a seguir a continuidade da entrevista que nos foi concedida para o Portal Eu, Rio!

Eu, Rio!: Você acredita que o poder público falhou nas fiscalizações da Barragem de Fundão, da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton?

Cristina Serra: Sem dúvida. A maior responsabilidade é da empresa, claro, pelas decisões equivocadas e arriscadas que tomou. Mas a investigação do Ministério Público Federal mostra - e o livro também - que o poder público foi incapaz de exercer o seu papel de fiscalização. Tanto o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) quanto a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais. Nesse sentido, acho que o livro é um alerta muito contundente de que novas tragédias como essa podem acontecer. Minas Gerais tem entre 300 e 400 barragens de mineração sem supervisão adequada dos órgãos de fiscalização. Eles não têm nem estrutura nem pessoal para dar conta desse trabalho, sem falar na leniência e falta de vontade política.

Eu, Rio!: Você acredita que o livro mudou o rumo da carreira de Cristina Serra que tinha suas pautas em política e agora deve mergulhar nas pautas ambientais? Ou deve juntar as duas pautas nesse momento atual do país?

Cristina Serra: As duas pautas andam juntas e ambas estão relacionadas a uma terceira, que são as decisões de política econômica. Portanto, considero que vou agregar a experiência que tive na cobertura política para uma melhor compreensão dos dilemas que o Brasil tem pela frente na questão ambiental e que serão muitas no próximo governo. A grande diferença que vejo, daqui para a frente, no meu trabalho, é que não vou mais fazer a cobertura de gabinetes em Brasília. Quero estar no campo para ver de perto e reportar as consequências das decisões tomadas em Brasília. Não será fácil, não tenho patrocínio, mas, como tudo na vida é preciso dar o primeiro passo. É o que vou fazer.


Eu, Rio!: Alguma questão importante que você gostaria de citar sobre o assunto do livro?


Cristina Serra: Quando comecei a pesquisar para o livro, meu objetivo era contar as histórias dos 19 mortos no desastre. Queria mostrar a dimensão humana por trás da estatística. Um segundo aspecto era o impacto ambiental do vazamento de 34 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração no rio Doce e alguns de seus afluentes. E um terceiro aspecto igualmente relevante desse desastre é a história da barragem. O livro mostra que a barragem de Fundão já nasceu "torta", quer dizer, errada, desde o processo de licenciamento pela Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais e pelo Copam. Várias condicionantes, ou exigências, do processo de licenciamento foram simplesmente ignoradas. E, mesmo assim, a Samarco obteve todas as licenças para implantar, construir e operar a barragem. Por isso, os investigadores do caso, desde o começo, disseram que o colapso de Fundão era uma "tragédia anunciada".


Eu, Rio!: O que você acredita que vai acontecer juridicamente com o caso de Mariana? Você acredita que alguém será condenado?

Cristina Serra: Acho que há um risco de impunidade muito grande. O processo criminal começou com 22 réus. Me parece que a defesa de um deles conseguiu recentemente o trancamento da ação para este réu especificamente. A Justiça Federal em Ponte Nova, sob cuja jurisdição está Mariana, tem pouca estrutura para dar andamento ao processo com rapidez. O juiz tem milhares de outros processos que tramitam concomitantemente ao da barragem. Só de testemunhas de defesa dos réus são mais de 400 pessoas arroladas. Infelizmente, há um risco enorme de não haver responsabilização de ninguém pelas 19 mortes e pela poluição de uma das bacias hidrográficas mais importantes do Brasil.


Eu, Rio!: Qual a importância desse livro considerando o atual contexto político do nosso País? Qual a sua expectativa com o lançamento do livro?

Cristina Serra: Escrevi o livro com a esperança de que ele seja um alerta que possa evitar outros desastres em barragens de mineração. Quando esses desastres acontecem, pelo volume de rejeito envolvido, as consequências são, invariavelmente, dramáticas. O desastre de Mariana é o maior do mundo em barragens de mineração e o maior desastre ambiental do Brasil por uma série de critérios: o volume de lama despejado da barragem, a extensão percorrida pela lama (660 km pelos rios, da barragem até o oceano Atlântico) e pelos prejuízos causados. Como jornalista, acho que cumpri o meu papel: documentar o desastre para que suas trágicas lições não sejam esquecidas.

O rompimento da barragem de Fundão

O rompimento da barragem de Fundão, localizada em Bento Rodrigues, a 35 km do município de Mariana, em Minas Gerais, operada pela Samarco, ocorreu na tarde de 5 de novembro de 2015. Inicialmente a mineradora Samarco informara que duas barragens haviam se rompido - a de Fundão e a de Santarém. Porém, no dia 16 de novembro, a Samarco retificou a informação, afirmando que apenas a barragem de Fundão havia se rompido.

O rompimento da barragem de Fundão é considerado o desastre industrial que causou o maior impacto ambiental da história brasileira e o maior do mundo envolvendo barragens de rejeitos, com um volume total despejado de 62 milhões de metros cúbicos.

A lama chegou ao rio Doce, cuja bacia hidrográfica abrange 230 municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, muitos dos quais abastecem sua população com a água do rio. Infelizmente, 19 pessoas, entre membros da comunidade e empregados da Samarco e de empresas contratadas, desapareceram. Até junho de 2016, 18 corpos haviam sido identificados e um permanecia desaparecido. Dos óbitos confirmados, 13 foram de profissionais de empresas contratadas pela Samarco, quatro de moradores e um de pessoa que visitava Bento Rodrigues.

Ibama

O Ibama informou que, das 80 espécies de peixes que existem no rio Doce, 11 estão ameaçadas de extinção e 12 são endêmicas, só existem nesta bacia hidrográfica e podem ter sido extintas.

Danos aos ecossistemas marinhos

No dia 22 de novembro, a lama chegou ao mar, no Norte do Espírito Santo. A prefeitura de Linhares interditou as praias de Regência e Povoação e emitiu um alerta para que as pessoas não entrem na água. Foram espalhadas placas ao longo das praias informando que a água está imprópria para o banho.
Em dois dias a mancha de lama se alastrou por mais de 15 quilômetros ao norte da foz do Rio Doce e mais sete quilômetros rumo ao sul.

Toxicidade dos rejeitos

Análises realizadas em Governador Valadares encontraram na massa de lama quantidades superiores aos valores aceitáveis de metais pesados como arsênio, chumbo e mercúrio. Esses metais, possivelmente utilizados em garimpos ilegais ao longo do rio Gualaxo do Norte, foram carregados pela torrente de lama.

Danos à infraestrutura de Mariana

Segundo a administração de Mariana, seriam necessários cem milhões de reais para reparar os danos causados à infraestrutura do município. Esse valor corresponde a quatro vezes o valor que o município recebeu, em 2015, a título de royalties (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais ou CFEM), pelo minério explorado: entre janeiro a outubro daquele ano, Mariana recebeu da Samarco 24,3 milhões de reais a título de compensação financeira pela exploração mineral.

Apuração das Causas

Após o desastre, soube-se também que a barragem de Fundão, além de receber os rejeitos da Samarco, recebia rejeitos de minérios provenientes da mina de Alegria, também pertencente à Vale.
Em fevereiro de 2016, o Ministério Público encaminhou o inquérito contra a Samarco, que pedia a prisão do presidente licenciado Ricardo Vescovi e mais seis pessoas, para a Justiça Federal, considerando que a extensão dos danos configurava "lesão a bem de interesse federal", mas até hoje ninguém foi responsabilizado e preso pelo ocorrido.

Comissões parlamentares

Na primeira quinzena de novembro de 2015, foram criadas, na Câmara Federal e nas Assembleias Legislativas dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, três Comissões Especiais para acompanhar o caso e as providências adotadas. Segundo divulgação pela imprensa, muitos dos parlamentares integrantes dessas três comissões receberam doações de empresas do grupo Vale para financiar suas campanhas eleitorais. Tais doações somaram R$ 2,6 milhões e são legais, informadas pelos candidatos à Justiça Eleitoral.

Multas

Em relação às multas, a legislação brasileira prevê um teto de R$ 50 milhões e uma eventual alteração desse valor depende de aprovação do Congresso Nacional. O Ibama aplicou 5 multas neste valor máximo, totalizando 250 milhões de reais.

Em acordo como o Ministério Público Federal, a Samarco se comprometeu a realizar um pagamento de uma caução socioambiental de R$ 1 bilhão, num documento assinado em Belo Horizonte na sede do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais do Ministério Público (Nucam).

Detalhes e análise crítica da "Tragédia em Mariana - A história do maior desastre ambiental do Brasil" estão no livro de Cristina Serra.

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