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Violência e direitos humanos nas telonas do Brasil

Por Cesar Faccioli em 28/06/2018 às 09:51:14

Divulgação

Cinco pessoas foram mortas por dia pela polícia em janeiro de 2018, no Estado do Rio. Um recorde para um único mês. Na grande maioria dos casos, essas mortes são classificados como '‘autos de resistência’', o jargão para as situações em que os agentes reagem a ataques. No mês imediatamente anterior à intervenção federal na segurança, os autos chegaram a 154, pelos dados do Instituto de Segurança Pública. 

A tese da legítima defesa, contudo, vem sofrendo crescente questionamento, seja por depoimentos de parentes dos mortos, seja pela divulgação de vídeos por sobreviventes. Essa disputa de narrativas e seu desdobramento judicial é o foco de "Auto de Resistência’', filme que estreia nessa quinta-feira, 28 de junho, em cinemas do Rio e mais seis capitais do País.

Dirigido por Lula Carvalho e Natasha Neri, o filme levou o prêmio principal no 'É TUDO Verdade’', maior festival de documentários do País, sediado no Rio. Por velórios, audiências públicas, encontros parlamentares e reuniões de ativistas, a obra acompanha a luta de mães que perderam seus filhos e os bastidores dos casos na Justiça.

Depois da estreia nessa quinta-feira, e até o final do circuito comercial, a obra vai ficar disponível apenas nas salas de cinemas. Os produtores do filme, ligados a movimentos de defesa de direitos humanos, divulgaram comunicados nas redes sociais, como o Facebook, em que argumentam ser essencial “ocuparmos as salas de cinema e ajudarmos a divulgar as mortes sistemáticas que vem ocorrendo nas favelas e periferias”.

Depois desse período, o grupo vai abrir para sessões em universidades, escolas e coletivos.
Com um registro cru, direto, com flagrantes dos crimes denunciados e trechos de depoimentos judiciais, a obra segue uma linha de crescente expressão na cena cinematográfica da cidade, o documentário semi-jornalístico, das quais obras como Notícias de Uma Guerra Particular, de João Moreira Salles, e Justiça, de Lúcia Murat, são exemplos significativos. Mesmo a ficção policial guarda fortes pontos de contato com a rotina da violência e contraste social do Rio, como indicam Tropa de Elite, a obra de maior sucesso comercial de José Padilha, hoje em Hollywood, e Cidade de Deus, o filme brasileiro com o maior número de indicações para o Oscar.

Presente à pré-estreia do filme em março deste ano, a atriz Mariana Lima, de Tropa de Elite, em um depoimento emocionado ao final da exibição, ilustrou os pontos de contato entre ficção e realidade na produção cinematográfica do Rio de Janeiro:

“Esse é talvez um dos filmes mais importantes dos últimos tempos. É difícil falar depois de assistir esse filme. A vontade que dá é de chorar, se indignar e se responsabilizar por uma sociedade totalmente desigual e excludente”, comentou.

Celulares mostram flagrantes de violência e adulteração da cena do crime

Entre os casos abordados em detalhe pelo filme '‘auto de Resistência’', dois chamam particularmente a atenção, por ilustrar a importância do acesso dos jovens pobres a smartphones na denúncia documentada dos eventuais abusos. Um é o caso do jovem que terminou por gravar no celular os disparos que o atingiram, ao ser confundido com traficantes, quando brincava de filmar com colegas nas cercanias de casa. O outro é o do rapaz, mantido no anonimato, que gravou PMs executando um suspeito, colocando uma arma em na mão dele e fazendo dois disparos no morro da Providência, no Centro do Rio. Com isso, os agentes tentavam forjar um tiroteio, que permitisse enquadrar o homicídio como auto de resistência.

Os dados do ISP mostram que, desde o início da série histórica, há vinte anos, janeiro deste ano, último mês antes da intervenção federal, foi recorde em autos de resistência. Foram 154 casos, que passaram a ser classificados oficialmente como homicídios decorrentes de intervenção policial. 

A média chegou a cinco mortes por dia, uma a cada aproximadamente cinco horas. Números que se tornam ainda mais intrigantes quando comparados aos desaparecimentos: todas as vezes em que se tornaram mais rígidos os critérios de registro dos autos de resistência, os desaparecimentos aumentaram no Estado.

Até o recorde de janeiro deste ano, o topo da lista era de três meses de 2008, ano em que começou o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Abril e maio de 2008 registraram, cada um, 147 autos de resistência, e março, 140. O primeiro mês dos anos 2010 a figurar no ranking é novembro de 2017, com 125 ocorrências do gênero. Antes da intervenção, mas já com a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), licença para atuação policial ostensiva das Forças Armadas, em vigor desde agosto.

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