A pandemia de covid-19 acelerou a adaptação da população brasileira à tecnologia. A impossibilidade de se deslocar e frequentar locais com aglomeração fez com que muitas pessoas optassem por resolver assuntos do cotidiano de dentro de suas casas. Uma pesquisa da agência Edelman promovida pela empresa PayPal realizada em dezembro do ano passado mostrou esta tendência.
Os dados do estudo Consumo Online no Brasil mostrou que os pedidos de refeições por aplicativos saíram de 40,5% antes da pandemia para 66,1%. Se considerados apenas este serviço quando realizado todos os dias, o índice subiu de 14,2% para 22,1%. Entre as pessoas ouvidas pela pesquisa, 57,8% disseram que pretendem manter a prática mesmo com o término de todas as restrições sanitárias.
O aumento deste comportamento fez crescer também a demanda por trabalhadores do setor de entrega, os motoboys, além dos debates em torno dos direitos trabalhistas desta classe. No final de março, um grupo de trabalhadores independentes, sem ligação com sindicatos, fez uma paralisação em protesto contra a disparada dos custos e por melhores condições de trabalho.
Segundo a advogada Renata Martins, sócia do escritório Pires Queiroz & Martins, não há uma regulamentação legal para esta relação entre aplicativos e entregadores, o que faz com que as grandes empresas usem da força de trabalho dos motoboys sem qualquer vínculo trabalhista com eles.
“É a nova lógica do capitalismo 4.0. Para viabilizar o negócio, o elo mais frágil da cadeia produtiva, que são os motoboys, absorve o maior custo operacional. Os aplicativos socializam o risco e os custos, e privatizam os lucros”, explica Renata, que ainda lembra que, por não ter vínculo, quando os motoboys se acidentam, não conseguem nenhum benefício previdenciário. A advogada ainda cita que a cobrança por performance pode aumentar o número de acidentes de trânsito.
Por estes motivos que muitos motoboys têm conseguido na justiça o direito de reconhecimento de vínculo com as empresas.”Se provado que o motoboy trabalhava com habitualidade, pessoalidade, onerosidade e subordinação, a justiça tem reconhecido o vínculo empregatício”, explica a especialista.
Nestes casos, o reconhecimento dos direitos trabalhistas pode garantir aos motoqueiros todos os direitos inerentes à relação trabalhista, como o 13º salário, férias, FGTS, recolhimento previdenciário, além das previsões em convenção coletiva, que são o adicional de periculosidade, pagamento por aluguel de moto e auxílio combustível.
Entenda a diferença entre entregadores “O.L” e “Nuvens”
Entre os entregadores que prestam serviços aos aplicativos de delivery, no caso de algumas empresas, há duas categorias: Nuvem e os vinculados a Operadores Logísticos, chamados de O.L. O primeiro grupo pode logar no aplicativo a hora que quiser, e quando estiver disponível, os aplicativos encaminham os pedidos e indicam em qual restaurante buscar o alimento e o endereço final de entrega. Os pagamentos por este serviço são feitos pelo aplicativo ao trabalhador. Para ser aceito nas plataformas, entretanto, os interessados podem ter que esperar um período de até um ano.
Já no segundo grupo, o motoboy é vinculado a uma empresa de logística, chamada de OL que possui contrato com o aplicativo. Nesses casos, é essa empresa a responsável pela gestão do trabalho desse entregador. A diferença, é que estes trabalhadores tem um horário fixo para cumprir e ficar logado no aplicativo, além de uma região a estarem localizados, independentemente de terem ou não um chamado a atender, ficando à disposição do OL. Mas a maior de todas as diferenças é que, nesses casos, o entregador recebe da empresa OL e não do aplicativo de entrega.
O entregador funcionário do restaurante e o uso do aplicativo apenas como MarketPlace
Mas quando você pede em sua casa alguma refeição, além de poder ser entregue por um entregador “nuvem” ou um entregador “OL” de um aplicativo, pode ainda estar sendo entregue por um funcionário do próprio restaurante.
Grandes redes, que já possuíam alta demanda de entregas por “delivery”, muitas vezes, preferem manter seus próprios entregadores ao invés de pagar o um altíssimo valor por entrega aos aplicativos.
“Nesses casos, o restaurante apenas contrata o serviço de MarketPlace para estar no aplicativo, mas quem efetivamente faz a entrega é um motoqueiro do próprio restaurante. Nestes casos, são os empreendimentos que administram os pedidos gerados no aplicativo.
Nesse último caso, a precarização do trabalho dos entregadores é ainda maior, pois uma fatia muito pequena dos restaurantes assina a carteira de seus entregadores, mesmo quando eles trabalham com o preenchimento de todos os requisitos para serem considerados empregados”, conclui a advogada.