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Urticária Crônica Espontânea, uma doença que atinge mais de 2 milhões de brasileiros

Patologia é pouco conhecida, possui difícil diagnóstico e tem tratamento caro

Por Anderson Madeira em 01/07/2022 às 07:59:25

Fotos: Divulgação e Arquivo Pessoal

Uma doença pouco conhecida dos brasileiros, com difícil diagnóstico, ainda sem cura e de tratamento caro. Além de pouco acessível pelo Sistema Único de Saúde, o SUS. A Urticária Crônica Espontânea (UCE), atinge 2.164.482 de pessoas, o equivalente a 1% da população brasileira, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

É uma doença cutânea, caracterizada pelo surgimento de lesões avermelhadas na pele e provoca uma intensa coceira em diversas partes do corpo. São as urticas, que na maioria das vezes surgem acompanhadas de uma borda vermelha. Uma característica marcante da urtica é que permanece no mesmo local por, no máximo, 24 horas. Depois, reaparece em outras áreas do corpo.

Podem aparecer ainda angioedemas, que são inchaços nas camadas mais profundas da pele, provocando dor e incômodo profundo. Embora possa surgir em qualquer parte do corpo, geralmente, aparece no rosto e também o deforma com mais intensidade. Na maioria das vezes, aparece de repente e desaparece em até 72 horas, podendo reaparecer em outras partes do corpo e persistir assim por mais de seis semanas. Sintomas como falta de ar e dificuldade para engolir e falar, apesar de raros, são considerados complicações graves, tanto da urticária quanto do angioedema, e exigem atendimento médico imediato.

Como, na maioria das vezes, as urticas podem ser confundidas com reações alérgicas de menor gravidade, as pessoas não vão logo ao médico. Até os profissionais de saúde se confundem, de acordo com uma pesquisa realizada pela Novartis em parceria com o Instituto Ipsos Brasil. Mas é necessário fazê-lo tão logo os sintomas surjam.

Devido à coceira que provoca, leva o paciente a um incômodo profundo, comprometendo as suas atividades diárias. A doença não é causada por cosméticos, alimentos, produtos de limpeza ou outros fatores internos. A Ciência ainda não descobriu a causa verdadeira. Estudos recentes indicam que pode ser doença autoimune, que se instala quando o sistema imunológico produz anticorpos que agridem o próprio organismo.


A reportagem do Portal Eu, Rio! entrou em contato com duas pessoas com a doença, que relataram suas dificuldades no tratamento. A historiadora Viviane Freitas, de 45 anos, moradora do Rio de Janeiro, descobriu a UCE em 2015. “Primeiramente tive um diagnóstico errado. Só depois de outro especialista é que fui diagnosticada corretamente. O tratamento é de longo prazo e o remédio é de alto custo. Depois desse rol taxativo, estamos bem apreensivos e tememos que o plano de saúde deixe de custear o medicamento. O SUS também o custeia, só que como tudo é muito demorado, nós fazemos um esforço para pagar um plano de saúde”, explica Viviane.

Segundo a historiadora, a maioria dos médicos do SUS desconhece a doença. “Os especialistas que tratam essa doença são os alergistas e imunologistas. Os medicamentos saem do laboratório diretamente para o hospital, não são vendidos em farmácias, pois precisa ser aplicados em unidades hospitalares. Geralmente, a doença é tratada como alergia alimentar. Há pessoas que levam mais de uma década para um diagnóstico correto. Quem precisa do SUS, padece”, explicou ela, acrescentando que o único laboratório que fornece o remédio é o Novartis.

De acordo com Viviane, o paciente não tem dores, mas a coceira incomoda muito. “Há muita coceira, que interfere na qualidade do sono. No calor, o corpo fica pinicando” relata, frisando que a doença não é contagiosa, mas existem pacientes com vários casos na família. No momento, ela está desempregada. “Preciso arrumar algo que eu possa me organizar com os horários médicos: ir fazer a aplicação do remédio, ir a nutricionista, fazer terapia. Meu último emprego foi como professora, uma profissão altamente estressante. Hoje, jamais conseguiria trabalhar nesse cargo. O estresse pode desencadear crises de urticaria. Na época, eu ainda não tinha nada”, conta Viviane, que quer voltar a trabalhar. Ela é solteira, sem filhos, mora com a mãe e tem uma conta no Instagram em que relata sua convivência com a UCE: www.instagram.com/eueauce.

“As pessoas precisam saber da existência dela e que tem tratamento. Quando chegamos em um hospital e falamos que tratamos UCE, os médicos nos olham como se fôssemos extraterrestres. Eles nem se preocupam em, ao menos, procurar saber do que se trata nas ferramentas de busca”, afirma.


A historiadora Viviane Freitas quer tornar a doença mais conhecida através de suas redes sociais.

O medicamento recomendado para tratar a doença em pacientes que não respondem aos anti-histamínicos é o Xolair, nome comercial para omalizumabe, cujo valor mais acessível é de R$ 2.400. É uma única dose, administrada mensalmente por via subcutânea (injetável), o que deve ocorrer em ambiente hospitalar, por um período de pelo menos seis meses. Sem condições financeiras de arcar com o alto custo, há pessoas que recorrem ao Ministério Público para ter direito à medicação pelo plano de saúde, como prevê o novo Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), aprovado em março deste ano.

Já a professora de Geografia Ana Paula San’Anna, moradora de Florianópolis (SC) é mãe de Felipe, de 14 anos, diagnosticado com a doença em agosto de 2021. “Aos primeiros sinais, nós o levamos ao pronto atendimento. Nestas idas, nenhum médico conhecia a doença e trataram os sintomas a partir de outras possíveis causas. Deram remédios fortes, com muitos efeitos colaterais, e indicaram dietas restritivas. Obviamente, nada disso ajudou, pois a UCE não é alergia. Felizmente não demoramos a buscar uma especialista. Em poucas semanas, o diagnóstico foi fechado. Ele desenvolveu a doença em sua forma grave. Por meses consecutivos esteve com o corpo coberto por lesões avermelhadas, que mudam de lugar ao longo do dia, e inchaços dos membros e rosto", contou.

"As lesões causavam coceira intensa no corpo todo e afetavam o sono do menino, além de prejudicar a realização das atividades rotineiras. Também diminuem imensamente a autoestima da pessoa, o que para um adolescente é ainda mais desafiador”, relata Ana Paula.


A professora de Geografia Ana Paula San’Anna e seu filho Felipe: dificuldade no tratamento.

“Os inchaços eram diários, quando atingiam os pés dificultavam o caminhar e nas mãos comprometiam atividades simples. Quando atingiam os olhos, chegavam a impedi-lo de os abrir. Na boca, afetava a fala e a alimentação. Por conta da UCE, perdeu muitos dias de aula na escola e se isolou dos amigos. Sua doença é refratária, ou seja, não respondeu ao uso de anti-histamínicos de segunda geração. Frente a esse quadro, a médica indicou o uso de um imunobiológico. É uma medicação feita a partir de RNA e que atua diretamente no sistema imunológico. A dose necessária desta medicação, para o caso dele, custa atualmente R$ 5.800, valor que não temos condições de pagar. Tentamos pelo SUS, mas sem um processo judicial não foi possível. Enfim, conseguimos a medicação pelo plano de saúde. Foi burocrático, mas deu certo. Atualmente, tememos a aprovação do rol taxativo da ANS, temos medo dele perder o direito à medicação, pois demorou cinco meses, mais do que o normal, para responder ao uso dessa medicação. Felizmente, está com a doença controlada há 2 meses, mas ainda depende do uso do imunobiológico”, relata a professora. Segundo ela, eles obtiveram o remédio em dezembro do ano passado e a primeira aplicação ocorreu no dia 20 daquele mês.

“Mas infelizmente nem todos os portadores de UCE tem a mesma sorte do Felipe, acompanho casos de pessoas que levaram anos até obter o diagnóstico e também enfrentam dificuldades para acessar as medicações. A doença ainda é pouco conhecida”, lamenta Ana Paula.

O Ministério da Saúde tem as seguintes recomendações para quem tem UCE:

* Fique atento, se você sabe o que desencadeia as crises, não faça;

* Não coce a pele, principalmente nas áreas lesionadas;

* Compressas de água fria podem aliviar a coceira;

* Não se automedique;

* O estresse não causa a urticária, contudo, pode ajudar a piorar.

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