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Espetáculo teatral propõe experiência realista e reflexão sobre o capitalismo

Encenada em uma sala comercial, a peça "Realpolitik" fica em cartaz até o dia 30 de outubro

Por Moura Júnior em 18/09/2022 às 12:41:50

Foto: Divulgação/Jackeline Nigri

Desde o dia nove de setembro, a peça "Realpolitik" está em cartaz e acessível ao grande público carioca. Para além dos palcos, o espetáculo, idealizado e produzido pelos atores Oscar Calixto, Pedro Osório e o diretor Marcello Gonçalves, é encenado em uma sala comercial de um prédio no coração da capital fluminense. Uma experiência que aproxima ainda mais os espectadores da realidade do tema abordado no texto de Daniela Pereira de Carvalho.

Aliando inovação, provocação e sensibilidade, o drama traz à tona um debate sobre como as grandes corporações flertam com a desvalorização da vida quando visam apenas a realização dos seus negócios milionários. Como já adianta o título, o texto reflete as consequências da Realpolitik no cotidiano das pessoas, convidando a plateia a compreender o assunto por meio de uma tragédia que salta das planilhas para a vida real.

Ao Portal Eu,Rio!, integrantes do projeto falaram sobre o processo de produção e da percepção positiva de quem já assistiu ao espetáculo. O ator Pedro Osório contou como surgiu a ideia e qual o impacto emocional que ele tem observado nas pessoas.

"Toda a equipe envolvida na produção do espetáculo doou seu trabalho de forma cooperativa. "Realpolitik" nasceu a partir do argumento de um espetáculo teatral que assisti em Toronto, no Canadá, que tratava de um confronto entre um jornalista e um CEO de uma grande empresa. Eu trouxe a ideia original e associei ela a algumas coisas que haviam acontecido aqui no Brasil. Nós relacionamos o texto a alguns casos emblemáticos, como o rompimento da represa de Brumadinho, em Minas Gerais, bem como o incêndio no alojamento do Flamengo. Analisando a forma como quem estava a frente destas empresas lidavam com tais situações trágicas, eu apresentei a Daniela e ela deu corpo ao projeto com seu texto inédito", explicou o ator.

Pedro também deu detalhes da montagem e da exposição que acontece no mesmo local e conversa com a produção cênica.

"Pensamos na montagem em uma sala comercial para provocar uma experiência ainda mais realista ao público. A imersão traz a exposição do Victoriano Resende que dialoga com a temática do espetáculo. A princípio, a experiência teatral se resume somente a dois meses. Isso porque ainda não temos nenhum patrocínio e foi a equipe que juntou esforços para levantar a peça. Justamente com o objetivo de sair da inércia provocada pela pandemia e pela falta de incentivos públicos, nós fizemos tudo acreditando que nossa maior contribuição ao atual momento que o país atravessa seria entregando arte e cultura", concluiu Pedro.

É com o colega Oscar Calixto que Osório divide o palco e a vontade de resistir em um Brasil que tem se esquecido de valorizar a cultura. Ao Eu, Rio!, Oscar não somente destacou o esforço em produzir a peça, mas também, compartilhou sua opinião sobre a importância de reconhecer aqueles que trabalham com amor para não deixar que o país esqueça a força do segmento.

"Digo sempre que produzir com dinheiro é fácil. Sem nenhum, é operar milagres. A verdade é que produzir teatro nos últimos tempos tem sido um ato de amor ao próprio teatro, uma resistência e uma doação incomparável ao bem comum. O Brasil ainda não entendeu que cultura é uma parte fundamental e indissociável da educação e que, portanto, merece a atenção e a valorização do seu povo. Cultura vem do latim 'colere', quer dizer 'cultivar' ou 'ato de plantar'. É nisso que pensamos sempre: plantamos as sementes para um mundo melhor. Mas a cultura também traduz o 'modo de viver de um povo'. Nós, gente de teatro, pensamos o humano, as nossas causas, dores, amores e lutas diárias. Levamos à cena o espelho de nossa sociedade para que ela se pense e reflita a sua própria vida como um todo", lembrou Oscar.

Calixto também salientou o grande desafio enfrentado por ele, Pedro Osório e o diretor Marcello Gonçalves.

"Fizemos isso por acreditarmos que, quanto maiores são os desafios dos nossos tempos, maior é a necessidade de educar e levar cultura ao nosso povo, à nossa gente. Realpolitik propõe uma experiência cênica, algo que já tinha sido feito pelo pessoal do Teatro de Vertigem em São Paulo. Nós sentimos que a peça pedia isso, algo similar. Ao lermos o texto que a Daniela escreveu pela primeira vez, identificamos que a peça, em si, era praticamente um 'teatro do real'. Então, começamos a pensar em realizá-la não numa sala de teatro, mas numa 'locação real', no espaço onde realmente acontecia a ação dramática. Com isso, conseguimos que o público saísse um pouco do lugar de quem simplesmente assiste a um espetáculo e passasse a ocupar praticamente a cadeira de uma testemunha de tudo o que acontece em cena. Assim, o público cumpre todos os processos comuns de quem vai a uma empresa. As pessoas chegam na sede, apresentam seu RG na bilheteria, passam pela roleta, pegam um elevador e chegam à sala do CEO de uma mineradora, onde também há uma galeria de arte do artista Victoriano Resende. Ou seja, o que promovemos é uma verdadeira experiência cênica e quem assiste ao espetáculo e participa da exposição tem saído realmente maravilhado com o que tanto trabalhamos para oferecer", adiantou Oscar.

"Somos homens do teatro e amamos o que fazemos"

"Realpolitik" é um espetáculo que nasce em um momento que a cultura brasileira está retomando seu lugar. Se produzir teatro no Brasil já não era fácil, atualmente, o ofício tem exigido muito mais dos profissionais que vivem e amam essa arte milenar. Juntamente com Pedro Osório e Oscar Calixto, o diretor Marcello Gonçalves se identifica como um homem do teatro. Por isso, ele conta que aceitou mais um desafio na sua carreira quando decidiu compartilhar a experiência proposta pelos colegas.

"Eu fui convidado por Oscar para uma leitura sem compromisso com o Pedro Osório. Quando chegamos ao final daquela tarde de diálogos e reflexões, decidi aceitar fazer, pois já vinha amadurecendo a idéia de voltar a produzir teatro no pós pandemia. Era a hora, mesmo sem nenhum incentivo e passando por um dos piores momentos da humanidade. Eu estava sendo despejado da minha casa e sem comer durante muitos dias. Resolvi voltar. Afinal, não é todo dia que recebemos um convite desses, com um texto da Daniela Pereira de Carvalho e a parceria desses dois atores geniais", comentou o diretor.

Marcello ainda deu destaque ao processo criativo vivenciado e a situação atual do país.

"Sempre parto do princípio que todo trabalho tem algo a dizer para o público. Se não, nem entro no processo criativo. Assim que começamos os ensaios, decidimos que faríamos em um espaço não convencional e que a melhor forma de produzir em um país tomado pelo fascismo seria por meio de uma cooperativa que reunisse o maior número de artistas talentosos no teatro, na música, na dança e nas artes plásticas. Foi desse modo que nasceu o nosso projeto. Produzir na raça sempre foi o nosso norte, pois somos homens do teatro e amamos o que fazemos", comemorou Marcello.

O diretor não deixou de destacar a recepção do público e a certeza de que o espetáculo tem alcançado o objetivo de provocar a reflexão a qual se propõe.

"O público tem reagido com entusiasmo, recebe bem nossa criação, que tenta trazer alguma reflexão sobre a forma como vivemos aqui na terra e se há alguma saída para a humanidade nesse modelo de exploração do homem pelo homem. É bonito chegar ao final da peça e olhar nos olhos dos espectadores marejados e pensativos. No fim da noite o teatro cumpriu seu papel", celebrou.

“A ataraxia dentro do caos”

Victoriano Resende é o artista plástico responsável pela exposição que acontece no mesmo espaço onde a peça é apresentada. Intitulada “A ataraxia dentro do caos”, a intervenção faz um link com a história do espetáculo. Segundo Victoriano, a interferência é baseada em uma obra do famoso pintor Salvador Dali.

"A minha interferência foi baseada na obra 'A persistência da memória', de Salvador Dali. De acordo com a proposta ao surrealismo de Dali, fiz um estudo dos signos da obra, e procurei manter as cores como referência, mas com a minha pegada cheia de liberdade. Utilizei a técnica na mesa e carpete à tinta acrílica. Usei a vela derretida e a cor marrom como símbolo do caos, da tragédia, do estouro das barragens, representando a lama e a água suja. Também tem os troncos naturais de madeira que fazem parte dos objetos do cenário, representando a natureza do contexto da história. O cenário também contêm as cadeiras que representam o escritório. Utilizei spray dourado para pintá-las, representando o poder do capitalismo", explicou Victoriano.

A exposição “A ataraxia dentro caos” apresenta 21 obras expostas. De acordo com Resende, todas elas foram produzidas no período pandêmico e no momento de reclusão social do artista.

"Procurei refletir o caos, as dores, o sangramento, o medo, e também quis acreditar na esperança por dias melhores. Usei como técnica a tinta acrílica, algumas com pincel e outras com um trabalho artesanal pelas próprias mãos e unhas. Nas minhas criações, usei também madeira reciclada e vidros, porque gosto do improvável, tem também aplicação de cordão em algodão. A relação do espetáculo 'Realpolitik' e a exposição se dá exatamente no encontro com o caos das minhas obras no contexto da história. Estou muito feliz e grato em estar fazendo parte desse projeto tão importante e que surge em um momento tão delicado que vivemos em relação à arte no Brasil. A equipe toda é muito empenhada em prol da arte e por dias melhores na nossa sociedade", concluiu o artista plástico.

Realpolitik, o espetáculo

A peça teatral Realpolitik fica em cartaz até o dia 30 de outubro, sempre às 19h, no edifício Herm Stoltz, que fica localizado na Avenida Presidente Vargas, N°409, 14° andar, no Centro do Rio de Janeiro. Os ingressos custam R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia). Os interessados também podem contribuir com ingressos de apoiadores e patrocinadores, que podem ser comprados na plataforma Sympla.

O texto é de autoria de Daniela Pereira de Carvalho e a direção de Marcello Gonçalves. No elenco, Pedro Osório e Oscar Calixto dividem a cena. A assistência de direção é de Anna Paula Borges e a iluminação de Paulo Cesar Medeiros. Os figurinos são de Ana Roque e a direção de movimento de Daniel Leuback. Pedro Osorio, Oscar Calixto e Marcello Gonçalves ainda dividem a direção de produção. Louise Clós, Malu Falangola, Nathalia Menezes, Alexia Karla e Bárbara Marmor são as produtoras. A trilha sonora é de Marcello e a sonorização fica por conta de Leandro Lobo.

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