O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio da Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Meio Ambiente de Niterói, obteve decisão judicial, na sexta-feira (17/12), determinando que a Câmara Municipal de Niterói não realize qualquer audiência pública envolvendo mudanças urbanísticas sem que se dê ampla participação popular nas discussões. Com a decisão em mãos, que tinha efeito de mandado, promotores de Justiça de Niterói foram até a Câmara no início da noite de sexta e conseguiram interromper a audiência, marcada sem antecedência mínima, sobre o PL 161/2022.
A decisão do Juízo da 9ª Vara Cível da Comarca de Niterói ocorre em ação cautelar que buscava suspender a realização da referida audiência, apontada como ilegal e irregular, com objetivo de garantir a observação de princípios como da razoabilidade, acesso à informação e gestão democrática da cidade. O MPRJ ressalta que o projeto de lei envolve questões urbanísticas que trarão impactos significativos em diversos aspectos da vida dos cidadãos ao permitir o aumento do potencial construtivo de imóveis e o consequente adensamento populacional em certas áreas da cidade.
"Apesar da importância do Projeto de Lei em questão, não há um só ato de convocação no site oficial da Câmara Municipal, nem nos sites oficiais ou nas redes sociais do Poder Executivo. Para se saber sobre a realização da audiência, o cidadão precisaria ter interesse em visitar as redes sociais da Câmara Municipal", diz a ação.
O MPRJ destaca que a Câmara não deu a devida e prévia publicidade da convocação para a audiência, como se tratasse de uma discussão banal, além de ter feito isso às vésperas dos períodos de festas de fim de ano, quando a população já se encontra naturalmente desmobilizada. Lembra, ainda, que no dia anterior, veiculou-se na imprensa a notícia do adiamento das audiências, em matéria onde consta entrevista do presidente da Casa, o que serviria para desmobilizar ainda mais a sociedade.
"A promotoria foi convidada para esta audiência às 13h de hoje. A sociedade foi comunidade pelo Facebook do legislativo. O entendimento do Ministério Público é pela ilegalidade, irregularidade e ilegitimidade da realização desta audiência pública sem a devida publicidade", pontua o promotor de Justiça Leonardo Cuña.
Diante dos fatos, o Juízo determinou a suspensão da audiência de sexta e a proibição de marcar qualquer outra sobre o mesmo tema sem que tenha havido ampla participação popular por meio de audiências públicas, oficinas e outros instrumentos afins.
Reforma na legislação visa simplificar normas e incentivar novas construções
No Dia Mundial do Urbanismo, comemorado em 8 de novembro, a Prefeitura de Niterói envia uma mensagem executiva de revisão da Lei Urbanística de Niterói para a Câmara de Vereadores. O projeto é da Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade (SMU) e tem como objetivo simplificar e atualizar as normas, tornando o processo de licenciamento de imóveis mais transparente, ágil e menos onerosa.
O projeto de revisão da lei pretende reorganizar a área ocupada de Niterói que triplicou de tamanho nos últimos 50 anos e aproveitar as áreas ociosas com mais infraestrutura para absorver o crescimento populacional e promover a mistura de usos na região. O crescimento urbano vem pressionando remanescentes florestais, infraestrutura de alto custo, segregação socioespacial e centrada no automóvel.
O secretário de Urbanismo e Mobilidade, Renato Barandier, explica que o Plano Diretor de 2019 determina a revisão de toda legislação de uso, ocupação e parcelamento do solo a cada 10 anos. Segundo ele, a principal alteração é a simplificação da lei.
“Niterói tem hoje mais de 200 normas, decretos, leis e portarias que regulamentam o uso do solo na cidade e algumas dessas vêm desde a década de 70. Além disso, o plano diretor de 92 determinava que cada uma das regiões da cidade, que são 5, deveria ter sua própria lei de uso do solo. Fora as leis específicas para hotéis, hospitais, vilas, ou seja, um conjunto enorme de regras” disse o secretário.
A nova lei urbanística vai facilitar também a legalização das casas que, segundo o secretário, emperra em conflitos de legislações antigas e as mais atuais, gerando insegurança jurídica. “Essa simplificação vai permitir que milhares de pessoas busquem a formalização e a regularização de seus imóveis e com isso espera-se promover, neste processo pós pandemia e de retomada da economia, toda uma cadeia produtiva relacionada à construção civil, gerando trabalho e renda”, ressaltou Barandier.
Atualmente, Niterói possui leis de uso do solo específicas para cada uma das regiões de planejamento da cidade (Norte, Praias da Baía, Pendotiba, Sul e Oceânica) que aumentam a complexidade com a subdivisão das regiões em ocupações urbanas, como se fosse uma mini lei de uso do solo em cada um desses fragmentos.
“São 252 frações urbanas na cidade hoje. Então são 252 áreas da cidade com uma lei específica, que dificulta muito a compreensão. É um trabalho minucioso de consolidação de todas as zonas, de todas as leis, combinando o arcabouço em uma única lei que terá uma média de 220 artigos, com 15 zonas de uso para a cidade inteira que serão tratadas de forma homogênea”, reforçou o secretário de Urbanismo e Mobilidade.
O secretário destaca que a maior parte do território de Niterói, aproximadamente 95%, vai manter os mesmos parâmetros existentes. Segundo ele, a nova lei não vai mudar as normas, apenas condensar e simplificar. As mudanças serão basicamente em áreas que precisam ser requalificadas para reverter o processo de degradação.
A elaboração da nova Lei Urbanística contou com a realização de três audiências públicas em formato híbrido, consulta pública pela internet (pela plataforma do Colab) e aprovação do Conselho Municipal de Políticas Urbanas (Compur). Foi um processo que contou com ampla participação popular, na avaliação da Prefeitura de Niterói. A avaliação bate de frente com a avaliação da Justiça, que atendeu a recurso do Ministério Público.
Entorno da estação de barcas em Charitas é uma das prioridades para reurbanização
Charitas – O entorno da estação aquaviária de Charitas será um dos locais em que mais serão sentidas as mudanças com a nova Lei Urbanística. O secretário explica que Charitas pode ser dividida em duas partes. A primeira, que vai de São Francisco até próximo à entrada do Túnel Charitas-Cafubá, que tem um conjunto de edificações de 7 andares e que é de extrema qualidade de vida para os moradores e por conta disso não terá os parâmetros modificados.
A outra parte do bairro, que vai da entrada do túnel até o fim do bairro, próximo ao Clube Naval e se tornou um importante eixo de transporte com a abertura do túnel e com a Transoceânica, atualmente está desocupada e abandonada, com imóveis ociosos e com um esvaziamento que foi agravado com o fechamento da estação aquaviária de Charitas, desde o início da pandemia. O secretário explica que essa é uma área que precisa ser requalificada, e que o plano vai trazer um processo de requalificação urbana que busca reabilitar o espaço que está em processo de degradação.
“Nesta área, a SMU vai trabalhar de forma estratégica esses parâmetros de ocupação a fim de fomentar novas edificações no local que promovam a melhoria da qualidade de vida, que permita uma melhor integração social com a comunidade e que gere outorga onerosa para que a Prefeitura possa ter a capacidade de novos investimentos em obras de infraestrutura necessárias”, contou.
As novas edificações terão que cumprir parâmetros qualificadores na ocupação e vão prestar contrapartida financeira pelo direito de construir. Hoje, a outorga onerosa é cobrada no Centro e na região de Pendotiba e será estendida a todo município. Com isso, qualquer edificação que pretenda subir mais de dois pavimentos vai pagar essa taxa que será revertida ao Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb) que será usado na promoção de habitação de interesse social e em obras de infraestrutura.
O projeto prevê, no entorno da estação aquaviária, construções de até 10 pavimentos. E mais perto da pedreira, para preservar a área ambiental do entorno, a ideia é verticalizar a ocupação com construções de 15 pavimentos, seguindo os parâmetros qualificadores de ocupação e do meio ambiente, como fachada verde, calçada verde e áreas de impermeabilidade para infiltração das águas da chuva. “São prédios que trarão qualidade urbanística, ambiental e que colocam os moradores em um local em que poderão usufruir da estação aquaviária para travessia de trabalho e facilitar o dia-a-dia, evitando o uso do automóvel”, analisou Barandier.
Aposta no Centro e Região Norte – O Centro e a Região Norte são as outras áreas que estão na mira da nova lei por conta do esvaziamento populacional e econômico que vêm sofrendo ao longo dos anos. A área central de Niterói ainda se inclui no projeto com objetivo de atrair o maior número de pessoas para residir na localidade com acesso à educação, transporte, emprego e comércio, sem a necessidade de uso do automóvel e por isso também é vista como uma região estratégica.
Outorga Onerosa – A nova lei urbanística preserva 73% do território de ambiente natural ou bairros de casas de até dois pavimentos. Além disso, 14% do espaço é composto por zona especial de interesse social. Com isso, apenas 13% do território é passível de outorga onerosa. Sendo assim, todos os espaços onde a lei possibilita construções acima de dois pavimentos passarão a pagar essa taxa que será revertida ao município.
Novas normas preveem construção onde Prefeitura demoliu imóveis por risco a moradores
A proposta de Lei de Uso e Ocupação do Solo para a nova Lei Urbanística de Niterói altera o zoneamento do plano diretor, reduzindo a Zona de Especial Interesse Social (Zeis) no trecho próximo ao túnel Charitas-Cafubá, do lado de Charitas, de acordo com informações publicadas no site do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU). De acordo com a proposta, a Zeis é cortada em partes, deixando Zonas de Conservação Ambiental (ZCA) liberadas para construções de unidades unifamiliares de dois pavimentos. Entretanto, neste local, encontram-se terrenos de onde a prefeitura removeu famílias em maio do ano passado e demoliu casas, alegando se tratar de área de risco.
Conselheira do CAU/RJ no Compur de Niterói, a arquiteta e urbanista Cynthia Gorham esclarece que essa contradição não é o único problema presente na nova proposta: “Entre muitos problemas, a atual minuta de Projeto de Lei de Uso e Ocupação do Solo, assim como o antecessor PL 416/2021, devolvido à Prefeitura em junho, insiste em não apontar tanto faixas de proteção marginal de lagoas, como faixas de segurança do túnel Charitas-Cafubá”.
“Embora se diga que o PL busca simplificar em uma única legislação todos os regramentos urbanísticos, isso não se verifica de fato. No caso do túnel Charitas-Cafubá, além da faixa de risco só apontar para um lado da abertura, e justamente onde a Comunidade do Preventório está localizada, a minuta de PL não marca a faixa e projeta seu zoneamento sobre a mesma, como se não existisse. Tal procedimento desperta a atenção para possíveis tentativas de alteração das proteções existentes com a intenção de antecipar o zoneamento em áreas não edificantes”, declara a conselheira.
A Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade, em nota, alega que a faixa de segurança se sobrepõe ao zoneamento proposto pela Lei Urbanística de Niterói, independentemente da zona de uso:
“O zoneamento proposto não tem poder de revogar nem a faixa de segurança do túnel, nem qualquer outra faixa de restrição determinada por outras normas. As restrições de todas as outras legislações continuam em vigor. Sendo assim, nada poderá ser construído na faixa de segurança do túnel Charitas-Cafubá”. Porém, a nota não explica porque o projeto de lei reduz a área da Zeis prevendo a liberação da área para construção, deixando a questão em aberto.
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro