Moradora de Realengo, Zona Oeste do Rio, Anna Domingues, 22 anos, é autora de “Assinado, Menina Aleatória” e outros três e-books publicados no Wattpad. Teve seu primeiro livro publicado na plataforma em 2015. Em 2019, uma de suas obras foi indicada à premiação Wattys. Em 2021, assinou contrato com a Selo Editorial para participação em quatro antologias, além de colaborar com um livro na Editora Outra Margem neste mesmo ano. Ainda em 2019, escreveu e produziu para o teatro o espetáculo “Nós somos o mundo” baseado em ideias do seu primeiro livro envolvendo temáticas como depressão, suicídio e bullying. Começou a realizar palestras em escolas públicas e privadas sobre essa mesma temática. Hoje acumula 40 mil leituras em sua página literária. Anna cursou teatro e técnico em publicidade e hoje cursa Letras na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
O Portal Eu, Rio! entrevistou a autora sobre sua vida e obras, bem como falou sobre um inimigo comum a muitas pessoas: a depressão.
Como nasceu a ideia de escrever "Assinado, Menina Aleatória"?
Eu sempre tive, infelizmente, dificuldade em me expressar. Foi através dos diários, lá na infância, que encontrei um meio de expor (para mim mesma) meus sentimentos e até mesmo analisá-los. Aos quinze anos, escrevi diferente: ao invés de narrar o meu dia a dia em uma agenda, falei sobre o meu processo com a depressão para alguém imaginário. O que eu não esperava era que esse alguém imaginário poderia se tornar quase 40 mil leituras no Wattpad, plataforma literária onde meus livros estão publicados.
O que a literatura trouxe para Anna aos 16 anos?
Libertação. E empatia. Através dos textos, eu descobri quão libertador é a arte de se expressar, especialmente quando comecei a receber mensagens de leitores nas redes sociais e no próprio Wattpad. Entendi que aquilo que antes era um desabafo e refúgio meu, também era um sentimento compartilhado. Eu não era a única a sofrer depressão, infelizmente! Desejei mais do que nunca me curar e ajudar a curar aqueles leitores que viviam dores tão parecidas…
Seu comprometimento com a literatura é algo que floresceu através da sua criação educacional?
Com certeza! Minha mãe sempre foi uma leitora nata, o que muito me inspirou. Meu avô também sempre me presenteava com livrinhos na infância. Aos dez anos, eu ganhei um livro infanto-juvenil de uma tia. Minha mãe, ao ver que eu havia me apaixonado pela leitura, me deu outra obra. Porém, essa eu tive mais dificuldade em ler, confesso que achei um pouco chato e com vocabulário rebuscado para a minha idade. Ela não desistiu: ao invés disso, me deu cinco livros da coleção dessa minha leitura anterior. Foi a partir desse momento que obtive prazer pela literatura buscando, assim, outras histórias, gêneros e autores. Aos doze anos, já estava lendo livros considerados mais rígidos. Hoje em dia utilizo o mesmo método com a minha irmã mais nova porque não acredito na ideia que há pessoas que não gostem de leitura e sim que há gente que ainda não encontrou o que gosta de ler. Essa descoberta se dá através de tentativas. Creio na importância em dar às crianças livros condizentes à sua faixa etária para que haja um desejo pela leitura antecedendo, assim, a busca pelas mais variadas obras.
Anna, você hoje está cursando Letras. Os livros te ajudaram nas provas do vestibular?
Certamente! Desde criança ouvi “quem muito lê, muito bem escreve”. Para além das provas do vestibular, os livros me ajudaram a escrever melhor, interpretar melhor, me conectar mais com outras realidades e pessoas e cada vez atribuir mais uma visão de mundo. Acho que as provas do vestibular foram consequências do exercício dessa bagagem.
Pretende continuar a escrever livros para pessoas com problemas de saúde mental?
Na verdade, eu nunca planejei escrever para um público específico. Comecei com um desabafo pessoal, as poesias em “Assinado, Menina Aleatória”. Porém, publiquei primeiro “Cartas de uma Menina Aleatória”, onde desenvolvi cartas sem destinatário narrando, com a minha encurtada experiência de vida, aos quinze anos, sobre o que eu vivi com a depressão e o desejo de sair disso. Uma amiga me apresentou a plataforma Wattpad. Demorei meses para publicar, não tinha certeza se queria expor e não acreditei que alcançaria dez leituras. Me surpreendi. Em 2019, o livro de poesia foi indicado ao Prêmio Wattys. O livro marcava presença nos rankings de obras mais lidas no site, foi a obra literária com mais comentários e compartilhamentos! Ali, eu decidi escrever “Cartas de uma Garota Aleatória”. Fiz tratamentos alternativos, estudei um pouco sobre física quântica, energia e até espiritualidade. Naquele ano, eu havia me curado da síndrome do pânico, a depressão e ansiedade estavam controladas. Eu acreditei que eu estava totalmente bem e seria capaz de salvar todo mundo também. Não era verdade. Esse livro talvez possa ser interpretado como “positividade tóxica” porque os casos de depressão variam entre as pessoas. Eu não posso escrever uma receita, não sou capaz de curar todo mundo. Eu ainda tenho recaídas também… Apenas escrevi o meu processo. Porém, tenho o desejo de estudar cada vez mais e, através da arte e literatura, acrescentar no trabalho de profissionais da área de saúde mental. Se isso fizer a diferença na vida de alguém, estarei realizada!
O Brasil é um país que pouco lê. Você tem alguma ideia de como mudar essa lógica?
É perceptível que a cultura literária existe. Então, não se trata de criar, mas sim democratizar o acesso. Digo, atender as camadas “invisíveis” da população no exercício de seus direitos culturais. Acredito que as escolas, inclusive públicas, são um bom ponto de partida para essa questão, mas cabe também ao governo facilitar esse ingresso. Infelizmente estamos inseridos em um contexto onde há muita gente passando fome. Então, a leitura e o estudo estão longe de ser uma prioridade. Porém, suponho que todos têm o direito de sonhar e alcançar seus objetivos, e a arte da leitura pode nos levar a lugares reais e inimagináveis. Concretizando o acesso a leitura, sugiro que o segundo passo seja apresentar às crianças, adolescentes e até mesmo adultos uma ramificação literária em que haja a possibilidade de escolher uma leitura mais condizente com seu desejo para que assim o prazer pela leitura seja alcançado. Acredito muito nesse método.
Você escreveu no auge de uma depressão. O que tem a dizer a adolescentes que atravessam esse problema?
Se expressem! Não é nada fácil, tenho esse conhecimento. Se o adolescente tem a comum dificuldade em buscar ajuda psicológica por conta própria, é interessante que converse com alguém que possa realizar essa ponte. Seja com um familiar, um professor, um bom amigo. Quando comecei a escrever sobre meus sentimentos, não imaginei que se tornaria um livro, tampouco que alcançaria pessoas que viviam dores que até então eu acreditava serem só minhas. Em uma palestra que realizei em 2021, em uma escola, uma aluna de aproximadamente dezesseis anos relatou que há um tempo vinha apresentando sintomas muito parecidos com os que eu descrevi, mas não sabia quão grave aquele diagnóstico poderia ser. A professora presente na sala durante o evento levou o caso para a direção da escola com o objetivo de encaminhá-la para um suporte com profissionais da área de saúde mental. Conversar é um bom ponto de partida, uma forma de alcançar ajuda sobre um malefício que pode até ser desconhecido. Conversem, dialoguem, se expressem! Nem que, inicialmente, seja apenas com uma folha de papel.
Você não conseguiu publicar "Cartas de uma Garota Aleatória". Quais são as dificuldades que os jovens escritores atravessam?
Uma das principais dificuldades é a ausência de interesse por parte das editoras em apostar em autores anônimos. Talvez “ausência de interesse” não seja o termo correto, já que é compreensível o receio em investir no desconhecido, mas não é arriscando que começamos? A partir disso, a opção que resta aos escritores anônimos é buscar uma publicação independente e isso inclui arcar com custos de produção e publicidade, que ultrapassam o limite orçamental da grande maioria. Há, ainda, a questão envolvendo "carência midiática". Quantos influenciadores digitais publicaram com facilidade livros com textos de qualidade duvidosa somente por ter milhões de seguidores, enquanto muitos escritores, de fato, não conseguem esse espaço Sou muito grata a plataformas como Wattpad, pois não tive custos para publicar meus textos e os leitores não tiveram custos para acessá-los. Em contrapartida, não obtive também retorno financeir. Porém, coloquei meus textos, até então engavetados, em uma “vitrine”. Se houvesse custos, com certeza minha escrita não teria hoje alcançado cerca de 40 mil leituras. Infelizmente, o Wattpad não está tão em alta como antigamente, mas continuo acreditando que é uma boa entrada. Particularmente, criei um público ali e alguns me acompanham até hoje. Há, ainda, a possibilidade de publicar textos em uma antologia. Como são vários escritores no mesmo livro, o custo da produção é dividido entre os autores, ficando mais acessível. Tem ainda o viés de o público comprar o livro por causa de um autor e acabar conhecendo textos de outro. É uma sugestão de como entrar nesse mercado, ter seu texto em livro impresso e criar público antes de lançar a sua obra sozinho.
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