Em ambos os lados do Atlântico, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, as duas grandes democracias de língua inglesa que orquestraram a derrota de Moscou na Guerra Fria, estão passando por colapsos políticos simultâneos. E o líder russo pode ter ajudado a desencadear a turbulência.
Em Londres, Theresa May sofreu na terça-feira a pior derrota na era parlamentar moderna por um primeiro-ministro, enquanto os parlamentares disseram não ao seu acordo do Brexit com a União Europeia por impressionantes 432 votos a 202.
Os Estados Unidos, enquanto isso, continuam presos à sua mais longa paralização governamental, que agora está entrando em seu 26º dia, e está longe de terminar. Esta paralização é a culminação de dois anos de caos político instigado pelo presidente Donald Trump.
É difícil acreditar que duas democracias tão robustas, há muito vistas pelo resto do mundo como faróis de estabilidade, tenham se dissolvido em uma amarga disfunção cívica e parecessem desatreladas de suas realidades governamentais anteriores.
A auto recriminação política está muito longe dos dias em que o presidente Franklin Roosevelt e o primeiro-ministro Winston Churchill, ou o presidente Ronald Reagan e a primeira-ministra Margaret Thatcher se uniram para enfrentar as ameaças totalitárias à democracia liberal ocidental.
Agora, a ameaça à solidez política do Ocidente vem, parcialmente, do seu próprio interior, de um consenso político fraturado que torna impossível abordar questões vitais como as relações da Grã-Bretanha com a Europa e a imigração nos EUA.
Embora os impasses políticos em Londres e Washington não sejam uma correspondência exata, alguns fatores comuns combinaram-se para sitiar o que há muito tempo são duas das democracias mais resilientes do mundo.
Os aliados estão experimentando as reverberações das revoltas populistas que eclodiram em 2016 - no voto do Brexit e na eleição de Trump - e agora estão se debatendo nas legislaturas e na criação de divisões e estagnações.
O resultado é que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos são quase ingovernáveis ??nas questões mais importantes que confrontam as duas nações.
Isso soa como música para os ouvidos de Vladimir Putin, o Presidente da Rússia.
O líder russo transformou as democracias liberais em um princípio fundamental de seu governo de quase duas décadas, ao tentar vingar a queda do império soviético, que ele experimentou como um agente da KGB de coração partido na Alemanha Oriental.
A Rússia tem sido acusada de interferir tanto no Brexit, quanto na eleição dos EUA em 2016 - os eventos críticos que fomentaram a atual crise do Ocidente.
Nos últimos cinco anos, Putin desafiou o desprezo do Ocidente em relação ao poder econômico da Rússia, e fez o melhor que pôde, trabalhando para restabelecer a influência na antiga órbita soviética.
Ele tomou a Crimeia da Ucrânia e restaurou a antiga cabeça de ponte política de Moscou no Oriente Médio.
Nos últimos dois anos, Putin teve um “aliado”: Donald Trump. Os ataques de Trump aos aliados da OTAN e dos EUA, e a decisão de retirar as tropas norte-americanas da Síria foram para os objetivos da Rússia.
Em outra vitória de Putin, os Estados Unidos estão se unindo em um debate nacional surreal sobre se Trump - que, aliás, é um defensor feroz do Brexit - está trabalhando em nome da Rússia, após uma matéria do jornal norte-americano The New York Times apontar que o FBI (Polícia Federal dos EUA) está investigando se o presidente está trabalhando para Moscou.
A misteriosa relação de Trump com o líder russo estava em exibição na cúpula de Helsinque, no ano passado. Ele também parece adotar uma visão de mundo “putinesca”, apesar de suas alegações de que nenhum presidente tem sido mais duro com a Rússia do que ele. Trump nega todas as acusações.
Enquanto isso, a Grã-Bretanha está atolada na pior crise política desde a Segunda Guerra Mundial. Enquanto uma pequena maioria votou pela saída da UE, não há consenso sobre como fazê-la, e cerca de metade do país ainda quer permanecer no bloco.
O volúvel Trump e a esforçada May não poderiam ser mais diferentes em personalidade e estilo político. Theresa May é uma criatura criada dentro do Partido Conservador e passou anos até atingir o cargo de Primeira-Ministra. Trump nunca foi nativo em Washington. Ele ainda é o líder de um movimento populista que o levou ao poder em uma impressionante crise política.
Mas ambos são líderes que, uma vez estabelecidos em um curso, relutam em voltar atrás e costumam falar em slogans como "Construa o muro" e "Brexit significa Brexit", que soam bem, mas não os ajudam a cumprir seus objetivos.
Enquanto persistência pode ser uma força, também pode sair pela culatra e virar teimosia. E quanto mais profunda a disfunção transatlântica fica, melhor é para Putin. Tudo isso saiu melhor do que uma sinfonia de Beethoven, ou melhor, uma composição de Tchaikóvski para o Kremlin.