Quem nunca xingou um jogador de futebol adversário, a mãe do juiz ou porque seu atacante perdeu um gol? Em época de Copa do Mundo, quem não tem sua adrenalina elevada a cada jogo da seleção e não fala um monte de xingamentos? Palavrão e futebol fazem uma dobradinha inseparável. E podemos explicar através da ciência e da história. No livro "Do que e feito o pensamento: A língua como janela para a natureza humana" (2008), Steven Pinker, psicólogo, linguista e professor de Harvard, afirma que "xingar recruta mais do que qualquer forma de linguagem, o poder de combinação da sintaxe, a força evocativa da metáfora e a carga emocional das nossas atitudes, pensadas e impensadas".
O historiador e cientista político da UFFRJ, Francisco Carlos Teixeira, explica essa combinação, afirmando que o "futebol é uma metáfora bélica desde sua origem". Dois times, um campo e o chute, do inglês "shot" (tiro), onde o objeto chutado, no caso a bola, precisa atingir o alvo, o gol. A nomenclatura e a semântica são inerentes a questão da violência, como: artilharia, ataque, defesa. Dessa forma, os palavrões são gritos de guerra, antes, durante e depois da partida, para amedrontar, enfraquecer e instigar o adversário e seu exército ou torcida.
Pesquisas mostram que os palavrões nascem no sistema límbico do cérebro, na parte que controla nossas emoções. Essa área, segundo André Palmini, pesquisador do InsCer (Instituto do Cérebro), é o nosso lado animal, sincero e impulsivo. E falando de futebol fica subentendido como uma competição, atiçando o que é primitivo. E o palavrão sai como uma resposta automática dos jogadores, técnico, equipe, alem dos torcedores que se enxergam como parte da tropa.
O palavrão é universal, agora a definição da palavra usada como xingamento, expõe diferenças culturais. O etimólogo Dionísio da Silva diz que "a palavra vira tabu quando ganha sentido simbólico". Nos países latinos, como Brasil, Argentina, México, onde a sexualidade é mais exacerbada, os xingamentos são direcionados a sexualidade e a virilidade. Na Copa de 2014, torcedores mexicanos polemizaram com gritos chamando os adversários de "puto", correspondente a "bicha", na língua portuguesa. Na Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca, por exemplo, onde missionários cristianizaram a nação através do medo ao mal, ouvimos palavras ofensivas, como: Saatana (Satanás) e Perkele (Diabo). Os italianos costumam usar termos religiosos, como Porco Dio (Deus Porco), quando as coisas não saem como desejado.
A agressividade e violência em campo, não se limitam aos jogos profissionais, nas competições amadoras e nas categorias de base também faz parte da competição os xingamentos. Sendo que nesse caso, a pressão é maior, já que os familiares acompanham na arquibancada.
"Normalmente, estamos tão focados no jogo que os barulhos externos são ignorados. A não ser que seja muito pessoal ou insistente, gerando um pouco de raiva e tirando a concentração", diz Pedro Galvão, jogador sub-20 da Portuguesa RJ. Já a mãe do jogador, Cristiane Novais, fica apreensiva a cada partida,
"Torço para que meu filho acerte os passes. Porque qualquer falha é motivo de muitas críticas e xingamentos". Ela também afirma que "o importante e manter o auto controle e não responder as provocações para não virar uma guerra de torcidas", relata.
O certo é que os palavrões vão continuar sendo a maior forma de expressão da torcida e durante as partidas de futebol. É a hora da reprodução do lado selvagem do ser humano. O que as organizações e entidades ligadas ao futebol estão procurando corrigir e combater são as ofensas gratuitas e injuriosas, através de punições e campanhas contra o racismo, a homofobia ou qualquer outra discriminação, inclusive a política e religiosa
A Fifa, na última Copa do Mundo, realizou uma campanha contra o Racismo no esporte, exigindo que os capitães das equipes lessem uma declaração de repudio à discriminação. E nesse Mundial da Rússia, também implementou ações de combate ao racismo e a favor da diversidade. Em campo, os árbitros podem interromper ou suspender a partida, caso observe manifestações discriminatórias. Em parceria com a Fare Network (organização que combate a discriminação no futebol), espalhou três observadores pelos estádios, monitorando a segurança dos estádios, comportamentos discriminatórios dos torcedores.
No site oficial da Fifa foi publicada uma nova edição do Guia de Boas Práticas e também distribuído as associações filiadas. Inclusive, o comitê disciplinar da federação, multou as seleções do México e da Sérvia, em 10 mil francos suíços (equivalente a R$ 38 mil reais), após os torcedores da primeira gritarem "eee, puto !", mesmo já sendo advertidos anteriormente. E os sérvios terem exibido uma bandeira com inscrições políticas e ofensivas, no jogo de estreia contra a Costa Rica. Para finalizar as ações, nos dias 6 e 7 de julho, durante as quartas de finais da Copa da Rússia, a organização celebrará o Dia do Combate à Discriminação com um protocolo especial pré-jogo.