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Dalva, a protagonista caminha entre o real e o imaginado, evocando temas urgentes como o racismo ambiental, a urbanização predatória, a crise hídrica e o direito à memória. De acordo com a diretora Catu Rizo: “Dalva busca rios como quem busca futuro, em um lugar onde há água demais nas enchentes e água de menos nas torneiras. A cidade se ergueu sobre rios, mas ela faz o caminho inverso: transforma deslocamento em arqueologia poética. E assim, o filme propõe um olhar para a paisagem como corpo racializado — onde há apagamento das águas, há também o reflexo de um racismo estrutural que insiste em silenciar territórios inteiros."
A trilogia teve início com A Terra das Muitas Águas (2020), que partiu do rio Meriti-Pavuna para refletir sobre ancestralidade, sonho e pertencimento. Agora, em Memória das Águas, acompanhamos Dalva — interpretada por Simone Cerqueira —, uma antropóloga que atravessa ruas e mapas em busca das nascentes dos rios Pavuna e Sarapuí, cursos d’água que cortam Nilópolis e outros municípios da Baixada, mas que desapareceram do olhar cotidiano.
Rodado em cinco locações da região, o filme é uma ficção poética, que costura memórias coletivas, arquivos da TV Maxambomba e a natureza ainda presente no Parque Natural de Nova Iguaçu e no Parque do Gericinó. Durante a produção, a equipe enfrentou o desafio real de localizar as nascentes desses rios — e descobriu que essas informações não estavam disponíveis em fontes oficiais. A pesquisa envolveu conversas com a pesquisadora Viviane Nogueira, do Observatório do Meio Ambiente da Baixada Fluminense (IFRJ), e com a arquiteta e urbanista Julia Bahiana (FAU/UFRJ), autora de um trabalho dedicado ao Rio Sarapuí. Foi a partir do mapeamento gentilmente compartilhado por Julia que a equipe identificou a nascente, localizada em uma área de difícil acesso no entorno do Parque Estadual da Pedra Branca.
Por razões de segurança, a filmagem direta na nascente não foi possível. A cena, então, foi recriada por meio da fabulação. “Nesse filme, inventar é um modo de lembrar. É uma tentativa de reimaginar a cidade a partir das águas que ela insiste em esquecer”, afirma a diretora Catu Rizo, que também assina o roteiro do filme.
O terceiro e último filme da trilogia é um longa documental Guapi-Macacu, que também terá sua estreia em breve. Nele, Catu volta-se para os rios navegáveis do leste da Baía de Guanabara — como o Macacu, Guapiaçu e Guapimirim — ampliando a cartografia afetiva das águas fluminenses.
Com 23 minutos de duração, Memória das Águas foi realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo, por meio de edital municipal da prefeitura de Nilópolis e contou com uma equipe majoritariamente da Baixada.
O curta também conta com medidas de acessibilidade como LIBRAS, audiodescrição e legenda descritiva. O roteiro está disponível online em sua versão escrita, e será lançado também em áudio.
Memória das Águas é, antes de tudo, uma proposta de escuta. Um gesto de cinema que faz das margens ao centro — e da ausência, um rio em curso.