Os artistas que se apresentam nas barcas, no metrô e nos trens da SuperVia se surpreenderam, na manhã desta quarta (26), com a decisão de ontem do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que proibiu exibições de arte nos vagões. A decisão foi tomada pelo desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes após uma ação na justiça por inconstitucionalidade da Lei Estadual 8120/2018, promovida pelo ex-deputado estadual Flávio Bolsonaro.
"A cada um cabe escolher, de acordo com os seus valores e convicções, que tipo de arte e em que momento pretende assisti-la, não sendo razoável ou proporcional qualquer imposição, haja vista a possibilidade de simplesmente pretender exercer seu direito ao sossego, o que não é possível, diante da exposição a gritarias e ruídos estridentes de aparelhos musicais", escreveu o desembargador na decisão.
A medida causou espanto em vários músicos e dançarinos que se apresentam nos transportes públicos, como o caso do músico Rafael Ramos, de 25 anos, que toca flauta, há 2 anos, nos vagões do Metrô Rio, que lamentou a decisão.
"Sou músico há 5 anos e toco há dois anos no metrô do Rio. Eu sobrevivo através da minha arte. Agora terei que encontrar outro local para poder me apresentar", lastimou Rafael Ramos.
O Portal Eu Rio entrou em contato com o advogado Mário Pragmácio, que é presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais, que falou sobre a decisão.
"A decisão do TJRJ, além de desprestigiar a liberdade de expressão artística, direito fundamental garantido pela Constituição, endossa a recente política de criminalização e sufocamento do setor cultural. Eu gostaria de destacar um trecho da decisão que ninguém comentou que diz "Observa-se, ainda, que muitos destes "artistas" são, na verdade, pessoas desempregadas, as quais, realizando qualquer tipo de performance, constrangem os usuários dos serviços prestados pelas concessionárias a lhes darem dinheiro, sendo injustificável tal importunação no transporte público. Não se olvida, ainda, que, ante a criatividade dos artistas, determinadas performances podem até mesmo causar danos físicos aos usuários e, também, prejudicar a circulação nas embarcações e vagões, prejudicando a segurança dos passageiros". Eu acho que sob o argumento da segurança e do sossego, o desembargador endossa a criminalização da arte. Ela é uma decisão técnica, mas sustenta essa visão de mundo do papel dos artistas e do setor da cultura. Isso não é algo recente e já tem pelo menos 5 anos e incentiva a perseguição de exposições, de artistas visuais e de performance."
O presidente da ALERJ, André Ceciliano (PT), foi procurado por nossa redação e disse que não existe pesquisa das concessionárias sobre o incômodo de passageiros e questionou a decisão do tribunal.
"As manifestações nos transportes públicos valorizam a cultura em nosso estado e também revelam talentos. Já acontecem em vários outros lugares do mundo. Não existe uma pesquisa sequer por parte das concessionárias sobre o incômodo aos passageiros, pelo contrário, a Lei pede que os artistas respeitem o direito daqueles que não desejam assistir à apresentação. É preciso encontrar um caminho para que a liberdade cultural seja preservada", disse o deputado estadual André Ceciliano.
A Assembleia Legislativa em nota diz que a Procuradoria Geral da ALERJ vai recorrer da decisão do Tribunal de Justiça do Estado do RJ por entender que se trata de matéria legítima, de competência do Legislativo, sancionada pelo Executivo. As apresentações artísticas nos trens, metrô e barcas foram tema, inclusive, de audiência pública na manhã de segunda-feira (24), na Alerj. Os deputados ouviram os artistas sobre as dificuldades junto às concessionárias em ter o direito garantido por lei. Uma das cobranças feitas durante a reunião foi a regulamentação por parte do Executivo.
O senador Flávio Bolsonaro disse em nota que os passageiros têm o direito de decidir se querem ou não assistir às apresentações. "Muito bom a Justiça se fazer presente para resguardar os direitos dos cidadãos".