Em dezembro de 2007, quando o presidente Lula instituiu o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, através da Lei nº 11.635, estava ali o reconhecimento do próprio Estado diante da existência de um problema tão antigo quanto imenso.
De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos, o Estado do Rio registrou um aumento de 56% no número de casos de intolerância religiosa em comparação aos quatros primeiros meses de 2018.
Registra-se, segundo levantamento do Ministério dos Direitos Humanos, uma denúncia de intolerância religiosa a cada 15 horas. O Rio de Janeiro é o estado brasileiro com maior incidência deste tipo de crime, de acordo com o relatório Intolerância Religiosa no Brasil, produzido pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), com dados de 2011 a 2015. Mais de 70% dos casos no Rio são contra praticantes de religiões de matriz africana.
Apesar dos esforços, através de leis e iniciativas estatais, o Brasil de todos os santos, da fé católica e protestante, da umbanda e ao candomblé, ainda precisa confrontar o crescimento da intolerância religiosa. Desde seu complexo processo de colonização à criação de um país laico, discute-se como enfrentar o extremismo religioso e suas consequências.
O artigo 208 do Código Penal sustenta que: "Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso" é passível de penas que podem variar entre uma detenção de um mês a um ano, ou multa. Ainda assim, religiões como candomblé e umbanda lideram o índice de denúncias.
São incontáveis acusações de agressões físicas, destruição de templos religiosos e até mesmo demissões de funcionários por conta de suas preferências. Para Humberto Adami Junior, Presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-RJ (OAB-RJ), o que explica o crescimento desses ataques pode ser sintetizado em três pontos.
"O primeiro é o crescimento das mensagens de ódio no cenário político brasileiro, uma prática que era reprimida e passou a ser readmitida na sociedade. Outro fator pode ser entendido como uma certa forma de admissão, tolerância e acomodação de alguns setores que se dizem evangélicos. É preciso sentir empatia, mas o que se observa é uma tolerância, também por parte das autoridades responsáveis, quando o assunto é violência contra as religiões de matriz africana. Também há disputa pelos fieis como doadores de dízimo", afirma Humberto.
O advogado ainda falou sobre o que pode ser feito para reduzir esses ataques. Para ele, uma atuação policial mais eficiente é a resposta. "É preciso fazer um trabalho forte na polícia para que eles estejam preparados para resolver essas questões. É preciso aproximar as pessoas. Essa responsabilidade pode e deve ser sustentada pela presidência da república", acredita.
Um dos principais problemas a respeito da intolerância religiosa é o crescente número de ataques às religiões de matriz africana por parte do tráfico de drogas. São incontáveis denúncias de que existem olheiros do tráfico verificando se as pessoas estão fazendo "macumba" nas comunidades cariocas. Segundo a polícia, os casos ocorrem em áreas dominadas por uma mesma facção.
Resolver esses conflitos através do diálogo é também a opinião de um grupo de deputados fluminenses, que criou recentemente o Fórum Permanente de Diálogo sobre Política Urbana nas Favelas do Estado, com participação de membros da sociedade civil. Entre as pautas da Comissão, Combate às Discriminações, Racismo e Intolerância Religiosa. "Com a criação deste fórum, a ALERJ, como órgão responsável por legislar em favor da população do estado, cumpre seu preceito fundamental de acolher as demandas da sociedade e de zelar pelo bom cumprimento das políticas públicas, em particular aquelas que protegem os direitos da população historicamente invisibilizada e silenciada, que sofre preconceitos e discriminações na vida pública e privada", disse Waldeck Carneiro (PT), um dos criadores do fórum.
A inciativa parlamentar encontra respaldo no opinião do Babalawô Ivanir dos Santos. Para ele, também, o diálogo é a única saída. Ivanir promove no próximo dia 9, na sede do Ministério Público Federal, um encontro com pastores e pastoras para falar sobre o tema intolerância religiosa. Ele sustenta que procurar a conversa, a empatia e o amor ao próximo são fundamentais para sair desta crise humanitária. "Todos os três poderes do Estado tem o seu papel a cumprir. E quando esse papel não é feito, fica a sensação de impunidade. Mas é preciso conversar com os evangélicos. Vamos conseguir as transformações na base do diálogo", afirmou.
O Ministério Público Federal e a Defensoria Pública estão no epicentro do debate político-civil a respeito da intolerância religiosa. Em comunicado, o MPF reconhece "que a prática de ato de intolerância religiosa constitui violação ao Estado Democrático de Direito, que não se coaduna com a finalidade de construção de uma sociedade livre, justa e solidária". A entidade afirma que "buscará combater tais atos de intolerância e, também, contribuir para a laicidade do Estado, municiando, sempre que possível, os órgãos de execução do Ministério Público, para que adotem as providências cabíveis, a fim de preservar os direitos fundamentais das pessoas".